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CAPÍTULO 2 – DA IDEIA DE UNIVERSIDADE ABERTA BRASILEIRA NA

2.2 A reconstituição por meio das fontes do movimento da ideia de Universidade

2.2.1 A ideia de Universidade Aberta: de milagre a supletivo “black tie”

Havia uma explícita intenção de vincular a Universidade Aberta à doutrina política do ensino supletivo. O texto de Sucupira não foi publicado aleatoriamente no volume da RBEP dedicado àquela modalidade de ensino. De certo modo, partiu dali o movimento inicial estatal no sentido de adequar a Universidade Aberta ao que esposava o MEC para o ensino supletivo. Pois, paralelamente aos grupos de estudos criados para pensar a implantação da Universidade Aberta no início da década de 1970, havia toda uma canalização de esforços governamentais no planejamento e na implantação do ensino supletivo.

Um dos esforços foi a criação, nas estruturas do MEC, do DESU – órgão dedicado exclusivamente para tratar dos assuntos relativos à esta modalidade de ensino. Vale

recordar que os GTs criados para estudar a Universidade Aberta estavam diretamente ligados àquele Departamento.

Ocorreram mediações entre a política de ensino supletivo desenvolvidas no referido período e a ideia Universidade Aberta, uma vez que, naquele momento, o ensino supletivo era visto como estratégia de desenvolvimento nacional aliado ao uso das tecnologias de informação de massa. Estas eram compreendidas como uma metodologia ajustada às características peculiares do ensino supletivo (MEC, 1973).

Por fim, vale destacar a vinculação do ensino supletivo com a educação permanente ou “suprimento”. Compreende-se a educação permanente como um imperativo dos tempos modernos que, devido às constantes necessidades de atualização impostas pelo mundo do trabalho, exige de todos uma “repetida volta à escola” (MEC, 1973, p. 375).

Nas palavras de Chagas (1973, p. 488), “é a educação permanente, a única forma de evitar o envelhecimento precoce dos quadros de recursos humanos e reajustá-los às constantes mutações que se operam nas formas de vida e de desempenho técnico”.

A política de ensino supletivo orientou-se pelos conceitos de flexibilidade, ajustamento e abertura. Segundo Chagas (1973, p. 390), “supletividade é no fundo ajustabilidade, flexibilidade e abertura, que de modo algum exclui a escola regular, mas antes a revitaliza”. Assim, a política de ensino supletivo apresenta-se como uma inesgotável fonte de soluções para ajustar a realidade escolar às mudanças que se operavam no Brasil e no mundo.

Naquele período, o ensino supletivo alçou uma posição de alto valor estratégico, incluindo em seus princípios, além dos alunos afastados do ensino regular, os trabalhadores em busca de qualificação profissional, treinamento, atualização e aperfeiçoamento.

Houve o estabelecimento de uma doutrina, na educação de adultos, de forma particular, e na Educação, de forma geral, que se encontrava visivelmente enleada na doutrina política do governo Médici. O Brasil precisava de reformas que deveriam visar o ajustamento e a adequação à ordem vigente. Muito embora a política de ensino supletivo fosse pensada e implantada para os ensinos de primeiro e segundo graus, os seus articuladores não deixaram de prever que a ideia de “suprimento” ou educação continuada firmar-se-ia em breve no Ensino Superior e, quando se desse tal fato, segundo Chagas (1973), não haveria como deixar de incluir as universidades na política de ensino supletivo desenhada.

A discussão da educação continuada no Ensino Superior, aliada aos meios de comunicação de massa, já havia ganho terreno nos anos do milagre econômico, e sua ideia já estava presente no I Plano Estratégico da Educação, e se encaixava, em termos de política governamental, à doutrina do ensino supletivo e às recomendações da UNESCO (MEC, 1973).

O executivo publicizou de forma massiva o seu entusiasmo com a Universidade Aberta, enfatizando, naquele período (1972-1974), o potencial “milagroso” da Universidade Aberta, à medida que esta pudesse reduzir a pressão sobre as universidades, visando à ampliação de vagas e à democratização da educação superior. Todavia, apesar do entusiasmo, a Universidade Aberta no Brasil não seria tão aberta quanto à inglesa.

Em apresentação na CD sobre a política educacional vigente, na parte da exposição relativa ao ensino supletivo, Passarinho (1973) afirmou: “[...] nossa Universidade Aberta não terá as mesmas especificações que a inglesa, que permite a entrada de todos os que desejarem cursá-la. A nossa, será, podemos chamá-la de semiaberta, pois exigirá para o ingresso o curso de segundo grau completo. A abertura será no sentido da não exigência de vestibular”.

Aquelas informações foram se concretizando à medida que o GT discutia a UAB. Por outro lado, a Universidade Aberta era vista como uma forma revolucionária de educação continuada de adultos que por diferentes razões não deram sequência nos estudos. Ademais, por ser uma Universidade a domicílio, diferente dos padrões tradicionais, era uma solução para manter longe dos campi universitários uma legião de alunos. Tal distância, segundo a concepção vigente, manteria os alunos longe dos ranços da sala de aula (PASSARINHO, 1973).

Os ranços da sala de aula e dos campi presenciais podem ser interpretados como o pensamento crítico contra o regime e a ordem vigente. Apesar das ações repressivas contra professores e estudantes universitários, a Universidade não deixou de ser o locus de produção crítica do saber.

Outro aspecto essencial presente nas discussões é que a Universidade Aberta deveria nascer vinculada essencialmente ao setor público e ao MEC. Oliveira (1979) conclama tal indicação, derivada dos trabalhos elaborados pelos militares, de monopólio público da Universidade Aberta. Conforme aquele autor, este tipo de restrição enfaixa às demais iniciativas criando padronização e formalismo.

No relatório entregue por Newton Sucupira (1973), havia a referência à Universidade Aberta e à formação de professores. Todavia, à medida que os estudos

realizados pelos burocratas do Estado avançavam, é perceptível um primeiro movimento no sentido de se ofertarem cursos superiores regulares em diferentes áreas do conhecimento para todos aqueles que desejavam cursar o Ensino Superior e possuíam o diploma de segundo grau.

Quando o primeiro GT entrega o seu relatório, já se percebe um deslizamento efetivo para o vínculo entre Universidade Aberta e formação de professores leigos. De acordo com os integrantes do referido GT, o Brasil possuía um número muito elevado de professores atuantes – sobretudo nas áreas rurais – que não terminaram nem o primeiro e nem o segundo grau e que jamais teriam a oportunidade de estudar se não fosse a Universidade Aberta (JB, 17 dez. 1973, p. 13).

Tal fato aponta que o segundo GT instituído no último mês da gestão de Jarbas Passarinho, sob a responsabilidade do DESU, tinha como tarefa pensar a implantação da Universidade Aberta considerando a formação do professorado leigo nas regiões onde não existiam Faculdades de Educação.

O objetivo primordial da UAB, naquele momento, casava-se com Projeto Logos I, em desenvolvimento nos Estados da Paraíba, Piauí, Roraima e Rondônia desde 1972, por meio do DESU, cuja intenção era qualificar emergencialmente, por meio da EaD, professores em exercício nas 04 (quatro) primeiras séries do ensino de primeiro grau (entre a 4ª. e a 8ª. séries).

Segundo o MEC (1975), tendo em vista a baixa escolarização da clientela, era viável qualificar do que oferecer estudos em nível de segundo grau e, quiçá, de terceiro grau. Em outras palavras, à medida que o governo Médici chegava ao fim, a euforia e a pressa do Ministro Passarinho e dos agentes estatais em implantar uma Universidade Aberta foram se diluindo na continuidade de projetos existentes, reforçando a ideia da necessidade de ações graduais e pontuais.

Neste sentido, questiona-se: Como oferecer formação em nível universitário para professores carentes de formação em nível de primeiro e segundo graus? Tal pergunta fez parte dos questionamentos do Ministro Ney Braga, que preferiu seguir com a formação e o treinamento de professores, em nível de segundo grau (MEC, 1975), por meio do Programa Logos II, apesar da previsão orçamentária de 1975 especificar o valor de Cr$ 6.330.000 (seis milhões e trezentos e trinta mil cruzeiros)75, vinculado ao DESU, para a

75 Documento disponível no Arquivo do Senado Federal (SF), Caixa 4. Subanexo 9, Pasta 10. Projeto de Lei (PL) do Congresso Nacional (CN), no. 10, de 1975. Estima e fixa a despesa da união para o exercício financeiro de 1976.

implantação da UAB. O objetivo do Projeto Logos II foi assim descrito pelo MEC (1979, p. 17):

[...] habilitar em nível de 2º. grau, para lecionar até a 4ª. série do 1º. Grau, com avaliação de processo, via ensino supletivo, mediante ensino a distância, aplicado através de módulos de ensino, professores não titulados, com exercício no magistério, nas quatro primeiras séries do 1º. Grau, nos Estados do Piauí, Paraná, Paraíba, Rio Grande do Norte e território federal de Rondônia.

A decisão de se continuar com o Projeto Logos II evidencia uma preocupação com avanço devagar, cauteloso e realístico da Educação (MEC, 1975). Afinal, não foi este o lema idealizado pelos militares para a transição democrática? E, por outro lado, revela que o Estado ainda não havia acomodado os interesses dos grupos privados conforme as afirmações de Oliveira (1979; 1985; 1988).

A ideia de Universidade Aberta ressurge novamente no Estado por meio da experiência iniciada pela UnB em 1979. O Preposto dos militares na UnB, José Carlos de Azevedo, firmou um acordo com a Universidade Aberta da Inglaterra para traduzir, editar e vender o material didático (livros, filmes e audiocassetes) daquela universidade em cursos de extensão a distância ofertados pela UnB. O Reitor pretendia que tal experiência fosse o início da implantação da Universidade Aberta no Brasil. A iniciativa da UnB suscitou críticas dos docentes, dos alunos e também do MEC que, naquele momento, se posicionou abertamente contra a implantação da Universidade Aberta por desconfiar deste tipo de universidade para formar, em nível de terceiro grau, os estudantes.

Os ministros da Educação que se sucederam no cargo após Ney Braga mantiveram postura semelhante no que diz respeito à descrença e ao rebaixamento da formação em nível superior pela via supletiva e a distância. A ideia de Universidade Aberta encerrou- se, naquele momento, como um supletivo para engomadinhos e inadequadas às condições brasileiras, conforme assinala Dias (1979), quando apresenta a larga experiência da

British Broadcasting Corporation (BBC) de Londres na elaboração de cursos para rádio

e televisão e o complexo sistema de correios e transportes que funcionam muito bem na Inglaterra.