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CAPÍTULO 2 – DA IDEIA DE UNIVERSIDADE ABERTA BRASILEIRA NA

2.5 O projeto de Universidade Aberta brasileira como iniciativa da Nova República

A retomada das discussões em torno da Universidade Aberta partiu de um membro que fez parte dos dois GTs criados no período anterior. Na gestão de Jarbas Passarinho à frente do MEC, houve uma explícita intenção de vincular a Universidade Aberta ao Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL), sob a gerência de Arnaldo Niskier (PASSARINHO, 1999).

A fundamentação conceitual em torno da educação permanente é outra continuidade. A educação, nesta linha, é vista como um processo que se deve prolongar para o resto da vida, visando a expansão e o desenvolvimento do homem em todos os seus aspectos, sobretudo, sua capacidade de autoformação e autogerenciamento de sua aprendizagem (NISKIER, 1988c).

Tem-se aí a influência do relatório “aprender a ser”, elaborado pela Comissão de Desenvolvimento da Educação da UNESCO e presidida pelo consultor Edgar Faure96

94 Litto (2003) atribui a paternidade do projeto a Marcos Manuel Formiga.

95 Inocêncio Oliveira, por meio do seu Assessor de Imprensa, informou que não se recorda das motivações do Poder Executivo para retirar o PL que criava a Universidade Aberta. Aquele parlamentar tem a recordação de que esteve interinamente a frente da Presidência da República e apenas cumprindo ações burocráticas já definidas pela Casa Civil.

96 Em 1971, a UNESCO solicitou a Edgar Faure, ex-presidente do Conselho de Ministros e Ex-Ministro da Educação francesa, para assumir a presidência de uma Comissão composta por 07 (sete) pessoas, para definir as novas finalidades da educação perante às mudanças ocorridas na sociedade e alavancadas pelos

(1972). O influente relatório é uma referência utilizada por Niskier (1988c) para fundamentar seus argumentos em torno da necessidade de se implantar a Universidade Aberta no Brasil. Porém, o cerne para a ênfase na educação permanente, entendida como “pedra angular” e como ideia mestra das políticas públicas do futuro, tem a ver diretamente com a reestruturação do capitalismo e o consequente imperativo de formação qualificada da mão de obra.

Na estratégia de desenvolvimento nacional, a ideia de suprimento aliada ao ensino supletivo consignou a educação permanente e o uso dos meios de comunicação de massa para a sua difusão. No período em tela, a relação da Universidade Aberta com o ensino supletivo permaneceu. No Parecer n. 263/1988, Niskier (1988b, p. 18) retoma as recomendações finais do relatório apresentado ao MEC, em 197297, com a seguinte

afirmação:

A criação de um sistema tão complexo e original de ensino superior exige o planejamento lúcido e rigoroso de pessoas que tenham plena consciência da filosofia que inspira a Universidade Aberta. Trata-se de enfrentar o desafio de criar uma instituição de ensino superior para o povo em geral [grifo nosso], sem perda de sua condição de universidade autêntica.

Aquele Parecer sugere a criação de um GT compreendendo especialistas de renome nas diferentes áreas de ensino e da educação de adultos. A prioridade segue para a capacitação de professores leigos; todavia, amplia a extensão do arco de alcance da Universidade Aberta para o treinamento e a melhoria da capacitação da mão de obra, em outras áreas.

A Universidade Aberta deve avançar progressiva e cautelosamente para outros campos do saber. E tal fato, segundo os integrantes do Grupo de Especialistas, requer avaliações sistemáticas, ou seja, a ideia de avançar gradualmente com a Universidade Aberta pelo País e para outros campos do conhecimento permanecia.

Por outro lado, as preocupações se voltavam, sobretudo, para a sistematização do “ensino a distância”, no sentido da promoção de levantamentos das experiências já realizadas no País e do incentivo de novas iniciativas no âmbito do MEC, visando obter

movimentos estudantis de 1968. Edgar Faure apresentou o relatório intitulado Aprender a Ser, em 1972 propondo o conceito de educação permanente (UNESCO, 2010).

97 Interessante que quando perguntado por e-mail se houve a entrega de algum relatório ao MEC na época da constituição do primeiro GT, a resposta foi “que não houve nada de concreto, apenas discussões teóricas”.

um reconhecimento para a EaD, tanto do Estado quanto da sociedade. Tal preocupação, inclusive, aparecerá demarcada no Plano Nacional de Educação (PNE) (2001-2010).

Destarte, o Ministro Hugo Napoleão criou o quarto GT, no âmbito do Poder Executivo, com 02 (duas) funções especificas, a saber: elaborar a política de “educação a distância” e formular propostas de cursos a distância por correspondências e técnicas correlatas.

No referido largo de tempo, o “ensino a distância”98 e a “educação a distância”

são termos utilizados como sinônimos. Há uma correspondência nos documentos oficiais entre ensino a distância e técnicas de ensino – meios de ensino. Na década anterior à prevalência, era da teleducação, conforme constata Oliveira (1985; 1988). Neste período, é possível observar uma prioridade para o uso da correspondência e do material impresso, através de meios aproveitáveis e mais adequados à realidade brasileira. Na década anterior, o acento estava mais na preocupação com a “extensão” da abertura da possível Universidade Aberta. Passarinho (1973) reiterou, algumas vezes, que a universidade brasileira seria semiaberta e exigiria pré-requisitos, como, por exemplo, o término do segundo grau.

Por outro lado, nos documentos expedidos após a constituição do quarto GT, é possível notar o uso constante do termo “educação aberta e a distância”, evidenciando uma preocupação em definir a EaD como uma modalidade aberta, com flexibilidade na entrada, no processo e na saída.

A criação, no INEP, de uma Coordenadoria de Educação a Distância, evidencia a institucionalização de um locus responsável pela elaboração da ‘política nacional de educação aberta e a distância’. Tal espaço foi concebido teoricamente com a atribuição de envolver todos os setores da sociedade.

Por outro lado, os agentes do governo, apesar de ampliaram os espaços de diálogos, entendiam que, a discussão não poderia levar em conta o posicionamento, unicamente, da comunidade acadêmica porque, via de regra, aquele grupo se opunha à criação de experiências privadas (OLIVEIRA, 1985; 1988).

A Coordenadoria foi instituída também com o objetivo de estimular estudos e pesquisas no campo da EaD e coordenar a implantação de projetos de cursos a distância. Segundo o entendimento dos integrantes do GT, o Brasil havia amadurecido para a utilização em larga escala da EaD e que esta precisava de reconhecimento por parte da

98 Para um estudo mais aprofundado entre a distinção entre os termos “ensino a distância” e “educação a distância”, conferir o trabalho de Minto e Fétizon (2007).

sociedade e do Estado (INEP, 1989, mimeo.), demandando, assim, a sua inclusão na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), bem como no PNE. Nas palavras de Cardoso (1999a, mimeo, s/p.), “o que sempre faltou foi uma determinação oficial para a adoção de uma política [em torno da EAD]”.

Tal movimento revela o caminho que o Estado começou a trilhar: a ênfase na institucionalização de uma política de educação aberta e a distância, que previa a “urgência” da utilização da EaD para a ampliação da oferta dos Ensinos Fundamental, Médio e Superior e para a capacitação/habilitação de professores leigos. Além disso, previa a sua utilização na alfabetização e educação popular e formação para o trabalho, estabelecendo, assim, diretrizes e estratégias de ações para a chamada “educação formal” e “não formal”. A EaD, neste sentido, passa a ser difundida como solução para diferentes modalidades e fins.

As ações desempenhadas pela Coordenadoria de Educação a Distância contaram com o apoio da Associação Brasileira de Tecnologia (ABT), conforme assinala Neto (1989). Para os integrantes do GT, a implementação de tais ações era necessária para a sensibilização da sociedade brasileira e para o debate sobre a criação da UAB, tanto que viam a implantação da Universidade Aberta brasileira como uma possibilidade de médio ou longo prazo (Cardoso, 1990b, p. 1, mímeo).

Tal visão também pode ser encontrada nos estudos de Neto (1989, p. 37) quando este afirma: “que sejam sistematizados e aprofundados os estudos e experiências a respeito da utilização da EaD nas universidades do país, para que sirvam de fundamentação para uma eventual decisão sobre a criação ou não criação de Universidades Abertas no País”.

Neste processo, tem-se o primeiro PL de iniciativa do Poder Executivo, que dispõe sobre a Universidade Aberta, encaminhado ao CN pelo presidente José Sarney no final de seu mandato. Este é, portanto, o primeiro Projeto de iniciativa do Executivo que se apresenta como resultado do trabalho elaborado pelo Grupo de Assessoramento para a EaD. A intenção do Executivo era a liberalização da Universidade Aberta para a iniciativa privada, acomodando os interesses dos grupos que, desde a década de 1970, já estavam de olho nesta fatia de mercado.

Importa frisar que os integrantes do GT viam a Universidade Aberta como solução de médio ou longo prazo, mas, ao mesmo tempo, propuseram um Projeto abrindo este campo para a iniciativa privada; talvez, já antevissem que, apesar do aceno positivo do Ministro da Educação da época, a aprovação no CN não aconteceria porque, por um lado,

o Projeto abolia o monopólio público da Universidade Aberta e, por outro lado, a modalidade a distância ainda não tinha sido regulamentada. Esta pode ter sido uma das razões para serem enfáticos na necessidade do reconhecimento da EaD e de sua institucionalização como condição prévia a implementação da Universidade Aberta brasileira (Brasil, 1994, mímeo).

Aliás, não se pode deixar de frisar que o mesmo GT foi criado com a missão de elaborar a ‘política nacional de educação a distância’, o que implicou também no trabalho, daquele Grupo, para inserir a EaD na LDB, em discussão na CD. A Coordenação de Educação a Distância do INEP atuou, por meio de seus integrantes, em frentes paralelas e interligadas, mas conscientes que a prioridade era para regulamentação da modalidade nas Diretrizes e Bases da Educação. Assim, tem-se que: “o que sempre faltou ao [MEC] foi uma determinação oficial, inclusive, na adoção de uma política” (INEP, mímeo, 1990).

Neste momento político de promulgação da Carta Magna e de intensas discussões sobre a LDB, “é de se esperar que a educação a distância venha a ocupar o seu lugar natural” (CARDOSO, 1990, mímeo, p. 1).

As ações descritas anteriormente foram gestadas em um momento de intensa crise na economia brasileira gerando um longo período de estagnação, seja em relação à renda dos brasileiros, seja em relação à elevadíssima taxa de inflação, que, em 1988, chegou próxima de 1000% ao ano. Uma das razões apontadas pelos economistas para a crise que assolou aquela década encontra-se no desequilíbrio das contas do setor público provado pelo tamanho da dívida externa pública. Tal fato ocasionou um severo corte nos investimentos públicos e nas despesas sociais.

As tentativas frustradas de controle da inflação por meios dos planos de choque revelam a face da crise econômica brasileira. Os intelectuais orgânicos da burguesia, entre os quais, Pereira (1992) – futuro Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), anunciava em palestra proferida em Tóquio, Japão, em 1989, que a crise econômica é um sintoma de doença crônica. Em outras palavras, é um sintoma do esgotamento da estratégia de desenvolvimento pautada na substituição da importação e que se configurou, desde a década de 1930, no nacional desenvolvimentismo. Aquela estratégia, herdeira da Era Vargas, tem em seu núcleo duro a intenção de aumentar a produção interna e diminuir as importações. Além disso, é sintoma também da forma de intervenção do Estado na economia. Ora, a análise das causas da crise econômica no Brasil atenta para os destaques feitos pelos economistas do Banco Mundial (BM) e de outros organismos multilaterais para justificar a necessidade das “reformas estruturais”.

Não é à toa que Anderson (1995) ressalta que um grande amigo seu, consultor do BM, declarou que, em termos de inflação brasileira, na década de 1980, “era preciso romper os diques” para que o povo aceitasse a “medicina drástica”. Ou seja, era preciso estimular o crescimento da inflação para que o povo aceitasse as reformas necessárias que viriam. Conforme observado no capítulo 1 da presente Tese, a grande questão para aqueles atores estava na demasiada intervenção do Estado na economia. Para Pereira (1992, p. 90) “a privatização era a solução natural”. Para isso, era necessário sanear o Estado e desregular a economia para começar a intervir com novas estratégias.

A receita anunciada por Pereira (1992) estava presente nos acordos provisórios da dívida externa entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os ajustes exigidos pelo Fundo eram: a privatização de empresas estatais, a reforma administrativa do Estado – com a redução do quadro de funcionários, e a abertura da economia ao capital estrangeiro (LOPEZ; MOTA, 2012). Pereira (1992, p. 158) afirma, por exemplo, que a Coreia do Sul conseguiu avançar na economia “porque os coreanos tiveram a coragem de fazer um ajustamento econômico austero em 1979 e 1980, enquanto nós, no Brasil, nos entregávamos ao populismo desenvolvimentista nesses mesmos anos”.

Embora na década de 1980, o Estado não tivesse rompido com a estratégia de substituição das importações, a reforma do Estado já se fazia presente ao acompanhar as mudanças nas relações de trabalho e no redesenho do Estado ocorridos nos países de capitalismo desenvolvido e em outros países da América Latina, como, por exemplo, México, Chile, Peru e Argentina. O que se deseja frisar aqui é que, no apagar das luzes do governo José Sarney, as crises econômicas vivenciadas já eram um arauto das reformas vindouras, inclusive no campo educacional.

Neste intenso e cronologicamente breve período político, o desenvolvimento da ideia de UAB no Estado brasileiro foi direcionado para um rumo cujo leme encontra sustentação na direção econômica e política do País, nas décadas seguintes, mas que, no apagar das luzes da atual, a rota já estava estabelecida e pôde ser constatada nas palavras do Presidente José Sarney, ao encaminhar ao Congresso Nacional (CN), em 1990, sua última mensagem presidencial. Nesta, o “ensino a distância” é descrito como uma linha de trabalho recente:

[...] marcada pelos estudos e pesquisas que embasam a adoção de estratégias para a área, na perspectiva de que os problemas educacionais estão a exigir soluções variadas que possibilitem a ampliação do ensino formal e não-formal, seja no aperfeiçoamento de professores, seja na capacitação de leigos ou na atualização dos conteúdos curriculares. (BRASIL, 1990, p. 127).

Além disso, o “ensino a distância” é mencionado como uma ação principal prevista para o ano de 1990, especificamente para “treinar” mais de 50 mil professores, via TV, em circuito aberto e fechado, direcionando o foco para a formação de professores da educação básica.

Neste intricado jogo econômico e político, as ações para o estabelecimento de uma ‘política nacional de educação a distância’ foram ganhando corpo e sendo apontadas como prioritárias para os 03 (três) níveis de ensino – prioritárias porque havia um imperativo urgente para se elevar o nível educacional da população, com ênfase na educação básica. A disseminação da EaD e das TICs seguiram alardeadas pela UNESCO, como se percebeu no que foi consignado na Declaração Mundial de Educação para Todos (Brasil, 2003). Por outro lado, a iniciativa do Estado de propor que a Universidade Aberta fosse regulamentada pelo MEC e aberta à iniciativa privada, colocava em evidência o que Oliveira (1979; 1985; 1988) já havia proposto e reiterado. Em outras palavras, o desenho deste tipo de instituição aqui no Brasil deveria ter como meta a ampliação e a democratização da educação superior, por meio do treinamento e da capacitação da mão de obra e, ao mesmo tempo, ampliar uma fatia de mercado para às instituições privadas. A tentativa de acomodar tais interesses, naquele momento, encontrou no CN uma primeira barreira, levando o Poder Executivo a retirar o Projeto de criação da Universidade Aberta do CN e encaminhar a questão por outros caminhos.

É preciso ainda considerar mais um aspecto. Até aqui, o que se propunha era a criação de uma instituição autônoma de EaD nos moldes da Universidade Aberta inglesa. Tal ideia prevaleceu tanto no substitutivo do Deputado Jorge Hage ao PL que dispunha sobre a Universidade Aberta, quanto no substitutivo, de autoria do mesmo Deputado, ao PL de Diretrizes e Bases, conforme evidenciado a seguir. Este desenho institucional era ponto pacífico até aquele período histórico. A partir da reforma do Estado, observar-se-á que aquele desenho, muito ligado ao modelo fordista de produção, sofrerá alterações.

CAPÍTULO 3 – A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, NA