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CAPÍTULO 2 – DA IDEIA DE UNIVERSIDADE ABERTA BRASILEIRA NA

2.3 A Universidade Aberta brasileira como ideia da ditatura militar

Em que medida a Universidade Aberta aparece como possível solução em tal contexto?

No auge da ditadura, a ideia de Universidade Aberta, segundo o discurso oficial, serviria para ampliar o acesso dos adultos à educação superior e desafogar os vestibulares, atingindo, inclusive, as regiões brasileiras mais distantes dos grandes centros populacionais. Por outro lado, a ideia se relacionava à concepção “em gestação” pela UNESCO de educação continuada colocando o acento na Educação como parte essencial para a consolidação das relações capitalistas de produção. No caso do Estado brasileiro, o modelo de desenvolvimento adotado andava de mãos dadas com a ideologia de segurança nacional.

O desenvolvimento estava centrado no objetivo de transformar o Brasil em grande potência, promovendo “resultados positivos” na economia consignada na famosa frase: “Esperar o bolo crescer para depois dividi-lo”. Em tal conjuntura, o desenvolvimento estava diretamente ligado à segurança nacional. Em outras palavras, era preciso desenvolver a economia e promover reformas que visassem ao ajuste de acordo com o mundo capitalista ocidental.

Em um contexto de “Brasil, grande potência”, “milagre econômico” e de “grandes projetos”, a promessa de Universidade Aberta foi embalada por euforia – graças, também, às inovações tecnológicas. Aliás, o desenvolvimento da tecnologia foi alardeado tanto por Médici (1969) quanto por Passarinho (1969), como única forma de conter o fosso que separava o Brasil dos países desenvolvidos.

Na avaliação de Habert (1996, p. 31), na gestão do Ministro general Jarbas Passarinho:

[...] de uma forma geral, o conjunto da política educacional agravou a seletividade e o analfabetismo, reforçou o controle político e ideológico sobre o ensino e provocou um profundo rebaixamento da sua qualidade, retirando-lhe seu caráter mais universal e crítico em benefício da formação de uma mão de obra mais adaptada aos interesses das empresas e do regime.

A discussão sobre a Universidade Aberta no Brasil ganhou corpo a partir da Conferência organizada pela UNESCO, em Tóquio, Japão, sobre a educação de adultos, em um momento que se pretendia o desenvolvimento econômico.

A sociedade estava fechada para ideias contrárias ao regime e para produções contrárias à linha de desenvolvimento pretendida por aqueles que estavam no poder. O policiamento imposto pretendia calar, inclusive, aqueles que simpatizavam com uma literatura considerada subversiva, pois eram julgados como se estivessem utilizando a cátedra para fazer de suas aulas tribunas políticas.

Destarte, é preciso considerar que o projeto de desenvolvimento proposto ampliou a entrada de empresas estrangeiras no País e fomentou o crescente desenvolvimento das indústrias, sobretudo, as automobilísticas, importando-se, como assegura Saviani (2008a), um modelo organizacional de trabalho centrado nas linhas de produção fordistas76 e racionais. Era preciso, então, qualificar a mão de obra, a baixos custos, para

sua atuação mais eficiente no mercado de trabalho. Alguns estudiosos ingleses visitaram o Brasil na época do milagre econômico, especialmente o Estado de São Paulo, e ficaram impressionados com a quantidade de operários sem qualificação. Neste sentido, reafirmaram que a educação aberta, nos moldes de Universidade Aberta inglesa poderia ser uma ferramenta útil para tornar àquela mão de obra mais produtiva.

Foi no período de “autoritarismo triunfante” (SAVIANI, 2008b) que a gestação da ideia foi embalada pelos militares e seus apoiadores como uma solução a baixo custo para fazer chegar a educação superior aos adultos inseridos no mercado de trabalho. Além disso, a ideia trazia em sua raiz a possibilidade de “preparar” a mão de obra, mas distante dos campi universitários por fazer uso dos recursos da tecnologia de comunicação. Assim, poder-se-ia dissuadir qualquer movimento organizado contra o regime.

As tecnologias eram apontadas como excelentes estratégias para a modernização do conhecimento e deveriam ser adotadas, inclusive, pelos “países em via em desenvolvimento”. Assim, segundo Faure (1972), e segundo as recomendações da UNESCO (MEC, 1973), os países desenvolvidos deveriam levar auxílio e transferir tecnologias para àqueles países. Neste ponto de vista, uma verdadeira educação permanente só aconteceria em escala suficiente por meio das possibilidades infinitas abertas pelas tecnologias da informação. E a transferência de tecnologias dos países desenvolvidos para os países de capitalismo periférico era endossada como um ato de “solidariedade” e de “cooperação internacional”, visando a criação de um amplo movimento de educação de massas. Tal solidariedade deveria se dar com base em

76 Segundo Harvey (2012), o fordismo fez mais do que racionalizar a divisão do trabalho nas fábricas e operar hierarquicamente a separação entre concepção, controle e execução dos processos produtivos; ampliou a ideia de que a produção em massa significava consumo de massa – um novo sistema de reprodução da força de trabalho. Tem-se aí um apoio nos estudos de Gramsci (2011, v. 4), uma vez que os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo especifico de viver, pensar e sentir a vida.

acordos, pois implica em questão de ordem política e de internacionalização das relações entre os países (FAURE, 1972).

Neste sentido, a educação permanente é a ideologia dominante nas políticas educativas a partir da década de 1970. Esta retrata um princípio orientador dos sistemas educativos. Nas palavras de Faure (1972, p. 272): “propomos a educação permanente como ideia mestra das políticas educativas para os anos vindouros”.

A educação permanente traz em seu nicho o prolongamento da Educação para todas as idades, enfatiza a autoaprendizagem, autoresponsabilidade, flexibilização e diversificação das metodologias de ensino. Assim, tem-se a previsão da possibilidade do aperfeiçoamento contínuo integrando estudo e trabalho. Na ideia de Faure (1972), o estudo deve, inclusive, integrar o tempo do ócio.

O conceito de educação permanente está intimamente ligado à educação aberta, cujas universidades sem parede, da década de 1970, eram a sua expressão mais moderna. A educação aberta se contrapõe aos sistemas considerados “fechados”, de tempo integral, seletivos e direcionados a elite; alarga o Ensino Superior e oferece liberdade de escolha; é dirigida para os adultos trabalhadores que pode adquirir uma qualificação determinada em menos tempo e de forma acelerada. Neste quesito, o relatório encomendado pelo UNESCO e que serviu de base às políticas educacionais dos países, na década de 1970, é enfático: “não há seguramente maneira mais certa de realizar economias em matéria de ensino do que economizar o tempo dos alunos e não se pode negar que assim há milhões a ganhar” (FAURE, 1972, p. 338-339).

De fato, intencionava-se o máximo de abrangência com o mínimo investimento. E a Universidade Aberta, de certo modo, encarnava a modernidade do capitalismo, uma vez que permitia em uma só proposta: a qualificação da mão de obra adulta, a organização racional dos processos de ensino, o uso e a disseminação dos recursos tecnológicos, a fragmentação da organização do trabalho pedagógico e a estimulação da autodidaxia. Tudo isso a distância e longe das interações presenciais continuas. De outro modo, exortava-se o ajuste e a adequação dos trabalhadores ao sistema econômico vigente.

A Lei da Reforma do Ensino de Primeiro e Segundo Graus, de 1971 consignou tal orientação em sua espinha dorsal, mas deixou-a especialmente clara na parte que se referia ao ensino supletivo, cujo norte era a utilização dos meios de comunicação de massa para o alcance do maior número de alunos, inclusive, àqueles que necessitavam de formação profissional, como, por exemplo, os professores. Ou seja, havia no seio do regime ditatorial um conjunto de peça legislativa que consignava as mudanças impostas

pelo alto e impulsionava as iniciativas de associar a Universidade Aberta à lógica desenhada para o ensino supletivo. Neste sentido, Saviani (2008b) afirma que a tramitação da Lei da Reforma do Ensino de Primeiro e Segundo graus de 1971, foi intencionalmente elaborada, articulada e aprovada pelo alto sem a participação da sociedade civil. O mesmo pode ser dito em relação aos estudos iniciados sobre a Universidade Aberta. Com a diferença de que em relação ao objeto de pesquisa aqui empreendido, neste momento, não houve uma proposta concreta por parte do Estado; todavia, os estudos iniciados partiram do interesse dos generais e foi estudada e pensada pelos apoiadores dos generais. Em outras palavras, pensadas e direcionadas pelo alto. Como aponta Oliveira (1976), não houve o envolvimento da comunidade acadêmica e nem a divulgação dos resultados produzidos pelos GTs. Em relação ao primeiro aspecto, o fato pode ser observado pelos integrantes dos GTs constituídos. Em relação ao segundo aspecto, não houve divulgação de alguns relatórios produzidos, mas por outro lado, os jornais da época – a impressa escrita, deram ampla divulgação aos passos e encaminhamentos em relação aos estudos e discussões sobre a Universidade Aberta. As matérias iam desde notas indicando quando e onde seriam as reuniões dos GTs, até os resultados obtidos pelos Grupos, criando um consenso em torno do tema.

Faz-se importante notar que as matérias de jornais divulgavam, inclusive, o que seriam “falsas polêmicas”, pois as divergências apresentadas, via de regra, resumia-se a questões de encaminhamento levantadas pelos próprios interessados e envolvidos nos estudos. Uma das “falsas polêmicas” manifestadas tinha a ver com a idade mínima para ingressar na Universidade Aberta ou se, no caso brasileiro, seria uma Universidade Aberta ou semiaberta. Ponto pacífico era que este tipo de instituição ampliaria a baixos custos a oferta de educação superior; outro ponto pacífico era que a mesma deveria ser direcionada, em um primeiro momento, para formar professores, e que deveria ser criada uma instituição autônoma, nos moldes da inglesa, para a oferta de cursos. Tais pontos de vistas podem ser observados nos estudos publicados no referido período, tal como expressou Camargo (1974), Dias (1976) e Escotet (1978).

A ideia gestada nas condições materiais explicitadas anteriormente era do interesse dos militares, mas, por outro lado, as razões para que a ideia fosse considerada precipitada e que mais valeria seguir com as experiências existentes no campo da formação dos professores leigos, como, por exemplo, o Projeto Logos II, de acordo como as pesquisas aqui empreendidas, não foram explicitadas no movimento aparente da ideia. Destarte, a investigação revelou que o Estado brasileiro postergou a implantação de uma

iniciativa neste campo, apesar da rubrica orçamentária direcionada à Universidade Aberta, em 1976, porque atrelada à ideia de Universidade Aberta, existia o interesse dos grupos privados.

Quando o primeiro relatório do Estado foi apresentado, havia o claro empenho de vincular a Universidade Aberta exclusivamente às universidades públicas, justamente em um período em que as universidades privadas presenciais tiveram um crescimento significativo, conforme atenta Sousa (2006).

Os grupos de interesse, no período em questão, tiveram nos estudos de Oliveira (1979), a expressão mais influente, sendo favoráveis à implantação da Universidade Aberta pelas razões já apresentadas, mas simultaneamente desfavoráveis à implantação de uma instituição vinculada ao monopólio público. A opinião daquele autor expressa claramente a intenção daqueles grupos quando afirma que a pluralidade de iniciativas é condição essencial para o alcance de níveis de excelência exigidos pelo mercado. Segundo tal lógica, a atribuição do MEC era a de prover a regulamentação necessária para garantir a qualidade do ensino, mas sem enfaixar outras iniciativas e evitando a padronização. Importa considerar que a defesa elaborada por Oliveira (1979) seria colocada em prática, na reforma do Estado, na década de 1990.

O aspecto aqui ressaltado é uma das determinações essenciais que configura a especificidade do encaminhamento dado à questão pelo Estado brasileiro. Tal tensionamento acompanhou as futuras tentativas do Estado neste campo e, ao contrário, do que se divulgou e se divulga até hoje, a implantação da Universidade Aberta como política pública foi postergada até o momento em que os interesses foram acomodados. Neste sentido, esta hipótese contraria as repetidas informações de que a comunidade acadêmica foi a responsável pelo adiamento da iniciativa do Estado no referido campo (BUARQUE, Entrevista 1; CLÍMACO; NEVES, 2003; CLÍMACO, 2011; FORMIGA, Entrevista 3).

Finalmente, pretende-se demonstrar que a gênese da ideia de Universidade Aberta no Estado brasileiro surgiu na ditadura militar, evidenciando que o governo brasileiro nos anos 1970, não somente cogitou a criação e implantação de uma Universidade Aberta, como financiou viagens de agentes do governo e mobilizou recursos, contradizendo o que afirmam Preti (2005, p. 31): “o governo brasileiro, na década de 1970, não chegou a cogitar a criação de uma universidade estatal a distância, mas elaborou e implantou programas nacionais de educação a distância, como o minerva e o logos”; e Pereira e

Peixoto (2010, p.181): “Não se cogitou [da década de 1970], na criação de uma Universidade, sistema e ou rede para a EAD”.

De outra parte, a ideia ganhou corpo no Estado a partir das recomendações da UNESCO, decorrentes da Terceira Conferência Internacional de Educação de Adultos. Além do que, naquele período, as trincheiras dos interesses privados já haviam se constituído.

Se durante a década de 1970, a ideia de Universidade Aberta se materializou no Projeto Logos II de formação de professores leigos, conforme assinala Silva (1979), na década seguinte, a discussão é retomada por um dos integrantes dos GTs efetivados na referida década, e levada adiante como PL complementar. Mas o cenário, apesar de se inscrever em um lapso de tempo em que os movimentos sociais começavam a ganhar fôlego, as discussões e o desenho do PL seguiram sendo definidas pelo alto.