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2 O ENFRENTAMENTO DA DEFICIÊNCIA

2.2 A Igualdade Como Princípio Fundamental

A ideia de igualdade se vincula intimamente com a democracia. Não é possível falar de democracia sem abordar a “complexa” questão da igualdade. Trata-se de princípio que norteia a discussão de como compreender o Estado Democrático de Direito.

Antes de adentrar na temática, é necessário frisar a importância de debater e de defender a igualdade. A doutrina neoliberal conquistou sua hegemonia ao longo das décadas de 80 e 90 dos anos 1900.

Apesar de não ser mais vista sem critica, em função de suas grandes crises, continua obtendo conquistas nas áreas econômicas e política. Tal doutrina prega abertamente a desigualdade como um valor em si mesmo:

algo impensável desde as conquistas da Revolução Francesa dos finais do século XVIII.

No entanto, foi a Revolução Francesa o grande fato político que primeiramente se orientou pelo postulado da igualdade entre os homens.

A liberdade, a igualdade e a fraternidade compunham o tripé sobre o qual se fundou a ação revolucionária. Naquele momento, a intenção principal era a derrubada do Antigo Regime (a monarquia absoluta) e sua forma de enxergar o mundo. Os privilégios que a nobreza e o clero detinham eram o principal alvo daqueles que compunham o chamado Terceiro Estado.

A igualdade perante a lei era de fundamental importância para a burguesia emergente, que visava trazer para suas mãos o poder político e econômico.

O princípio da igualdade era visto sob uma perspectiva meramente formal à época da Revolução Francesa. Apenas se intentava alcançar a igualdade perante a lei, isto é, que o ordenamento jurídico tratasse todos os cidadãos isonomicamente, sem qualquer distinção, eliminando-se os privilégios da nobreza e do clero.

Formalmente, portanto, com a Revolução, a ordem jurídica ter minou por reconhecer a igualdade civil de todos os cidadãos.

Esta concepção de igualdade não tardou a apresentar suas fissuras. O simples reconhecimento legal de que todos eram iguais não foi suficiente para eliminar as desigualdades fáticas. A concretude dos fatos expunha a ilusão da formalidade do direito.

De que adiantava serem todos iguais perante a lei se, na realidade, esta igualdade inexistia?

O surgimento de uma classe operária e o consequente inchaço dos grandes centros urbanos durante o século XIX expôs uma contradição social violenta: a riqueza convivendo lado a lado com a pobreza; os operários livres e iguais juridicamente tendo de se submeter aos mandos e desmandos dos donos do capital; as condições de trabalho por estes impostas eram aceitas de pronto pelos operários que demandavam seus empregos.

Os movimentos operários começaram a se estruturar, os pensamentos comunistas e anarquistas ganharam notoriedade, o que levou a burguesia a

ter de ceder às reivindicações do operariado, sob pena de ver rui r aquilo que havia construído.

Essas conquistas do operariado levaram à perspectiva da possibilidade de estruturação de um Estado mais sensível às causas sociais, à necessidade de combater a desigualdade econômica e alcançar uma nova concepção de igualdade.

Decorrente desses fatos, surgiu no mundo do Direito o que se conhece hoje por isonomia material: não era mais suficiente considerar todos os homens iguais perante a lei.

Agora, seria preciso reconhecer as desigualdades próprias da sociedade capitalista para que os desiguais pudessem ser tratados na medida exata da contraposição de sua desigualdade.

Não mais se admitia a simples passividade do Estado frente às questões sociais. Exige-se que o Estado institua políticas públicas orientadas para a garantia dos direitos sociais e para a redução das desigualdades .

A educação, a saúde, o trabalho digno passam a ser assuntos da maior relevância, pelos quais deve o Estado zelar, permitindo o acesso de todos a esses bens, assumindo o papel de ator na constituição de uma sociedade igualitária.

Em que se constitui a igualdade, portanto? De onde provém esta noção? Se considerarmos que as sociedades do ocidente desenvolveram, ao longo de sua história uma concepção de justiça, podemos notar que esta contém dentro de si a ideia de igualdade.

Trata-se de uma compreensão cultural do ocidente que se baseia na ideia de que todos os homens têm uma condição em comum: todos são humanos, detêm certas potencialidades e devem ser tratados com dignidade e de maneira a estimular a expressão destas potencialidades.

A igualdade, diferentemente da liberdade, é conceito eminentemente relativo. Uma pessoa só é igual (ou desigual) se houver outra a ser comparada com ela.

Ninguém é absolutamente igual ou desigual. A igualdade pressupõe a existência do outro, o seu reconhecimento enquanto pessoa, enquanto ser humano. Podemos afirmar, portanto, que o princípio da igualdade está

intimamente vinculado à ideia de solidariedade.

É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988 dispôs, ao dizer em seu art. 3°, I, que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária: entende -se que na justiça e na solidariedade encontram-se os pressupostos para a efetivação da igualdade, a qual será mencionada no caput do art. 5°.

O reconhecimento da importância da igualdade, portanto, passa pela solidariedade. Sem compreensão de justiça que carregue em si a necessidade da igualdade e sem a solidariedade, não se estrutura uma sociedade igualitária.

A igualdade, na medida em que se funda na solidariedade, pressupõe a adoção de políticas inclusivas. Sem inclusão é impossível haver igualdade.

Uma sociedade igualitária é aquela onde os seres humanos têm amplas possibilidades de desenvolver as suas potencialidades, não apenas como seres humanos individualmente, mas também como parte de segmentos étnicos, sociais, culturais, de gênero e de orientação sexual que, por vezes, são excluídos de determinados âmbitos de uma sociedade específica (minorias).

Esses segmentos devem ser reconhecidos, incluídos, de modo a permitir a preservação destes grupos em sua originalidade, preservando e permitindo a expressão da diversidade e das potencialidades de cada um.

Talvez por envolver questões de difícil solução (exclusão social e econômica, discriminação, etc.) o princípio da igualdade seja complexo e de difícil efetivação. Uma sociedade igualitária é aquela onde não há dominação, onde seus cidadãos são livres para usufruírem sua própria identidade.

Aqui está a questão fundamental: a igualdade real, concreta, tem por pressuposto a existência da liberdade. Não há como considerar o pleno exercício da liberdade, por todos os seres humanos, se todos não estiverem incluídos social, cultural, econômica e politicamente.

O princípio da igualdade se choca frontalmente com a concepção de mundo individualista. De acordo com esta, os seres humanos agem e devem agir de acordo com seu interesse, pura e simplesmente. Não há espaço para

o reconhecimento do outro.

A perspectiva da condição humana é extremamente egoísta; não existe qualquer possibilidade de diálogo, na medida em que aquele que de fato dialoga parte do pressuposto do reconhecimento do interlocutor enquanto pessoa, enquanto ser humano, respeitando a sua dignidade e estabelecendo um vínculo comunicativo.

Sob esta ótica, portanto, é extremamente importante o estudo das situações de desigualdade existentes na sociedade brasileira atualmente e também dos mecanismos jurídicos a serem utilizados para o alcance de uma concreta e efetiva inclusão de todos.

O presente trabalho se orienta no sentido de verificar, na Constituição de 1988, quais as determinações inscritas visando possibilitar o máximo desenvolvimento das potencialidades das pessoas com deficiência, concretizando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade e da justiça social.