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O Homem como Sujeito Político no Decorrer da História

2 O ENFRENTAMENTO DA DEFICIÊNCIA

2.6 O Homem como Sujeito Político no Decorrer da História

A expressão do homem como sujeito político se deu de forma evidente em Atenas, na Grécia do século V a.C. O cidadão – lembrando que, naquela época, no contexto da cidadania estavam excluídos os escravos, os imigrantes, as mulheres e as crianças - membro da polis grega, utilizava a sua liberdade para tomar parte ativa da vida da comunidade.

Eles se reuniam num espaço público, com o mesmo direito à palavra, fosse para falar, fosse para escutar.

Segundo Arendt (2003), a rigor, o termo polis não diz respeito ao aspecto físico da cidade-estado, mas significa a organização da comunidade, a qual resulta do agir e do falar em conjunto, “seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas que vivem juntas com tal propósito, não importa onde estejam” (p.211).

Portanto, a fundação de cidades que, como as cidades-estados, converteram-se em paradigmas para toda organização política ocidental foi, na verdade, a condição prévia material mais importante do poder e do surgimento do ser político. Conforme Arendt, o único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens.

A lei passa a ocupar na cidade o lugar do tirano, assegurando aos cidadãos igualdade e equidade, de tal forma que a vida coletiva passa a ser ordenada a partir de uma constituição que submete o agir dos indivíduos e de suas instituições às normas da justiça (Oliveira, 2003).

Para que o indivíduo pudesse se tornar um ser histórico foi preciso que ele se tornasse um ser de direito, ou seja, alguém que desfrutasse de direito s e, simultaneamente, fosse reconhecido como tendo o direito de gozar da totalidade dos direitos acordados [ou arrancados] pelo conjunto dos cidadãos. Vale ressaltar que a todo direito corresponde uma responsabilidade: ao direito de ser cidadão corresponde o dever de assumir-se como sujeito ativo que funda e refunda a lei em função da convivência da comunidade. “Todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por mais válidas que sejam s uas

razões” (Arendt, p.213).

Para a professora Marilena Chauí, o processo de emancipação dos trabalhadores no correr dos séculos XIX e XX, ampliou a concepção dos direitos que o liberalismo definia como civis ou políticos, introduzindo a id eia de direitos econômicos e sociais. “A ênfase recai sobre a ideia e a prática da participação, ora entendida como intervenção direta nas ações políticas, ora como interlocução social que determina, orienta e controla a ação dos representantes.”

Uma sociedade autônoma, como coletividade, que se auto-institui e se auto-governa, pressupõe o desenvolvimento da capacidade de todos os seus membros participarem nas suas atividades reflexivas e deliberativas. A democracia, no sentido pleno, pode ser definida como o regime da construção coletiva.

Pensar a política hoje é, sobretudo, retirar o homem contemporâneo do seu isolamento existencial e político imposto pela cultura dominante. É pensar e criar formas eficazes de participação dos cidadãos e cidadãs nos diversos níveis de decisão da esfera pública e na construção de uma nova forma de convivência social, pois o modelo representativo - de participação fragmentada e indireta – tem-se mostrado insuficiente e ineficiente para produzir o fortalecimento dos vínculos sociais locais.

É preciso reencontrar a atração pelo convívio capaz de restaurar um mundo passível de ser vivido. É preciso a formulação ética, na qual o espaço público seja valorizado como espaço de construção do bem comum. “É necessário que haja pessoas que possam pensar novos projetos, construir novas instituições, fazer novas experimentações sociais e, talvez, um dia, formar novo paradigma social e humano, que implicaria ter -se maior consideração pelos outros” (Enriquez, 2006: 11).

Ao mesmo tempo, a partir de uma prática política inovadora, inclusiva e participativa, é preciso compreender o mundo contemporâneo neoliberal com sua problemática estrutural que precisa ser superada corajosa, coletiva e sabiamente.

Segundo Enriquez (op. cit.), no mundo contemporâneo neoliberal vamos encontrar:

1) a competitividade, forma de ação [de pessoas, grupos, cidades e nações], geradora de uma globalização da violência, onde o arbítrio substitui o direito nas relações entre pessoas e povos, a vingança substitui a lei na solução dos conflitos e, como subproduto da competitividade, surge a corrupção onde os comportamentos dominantes, legitimados pela ideologia, pela mídia e pela prática da competitividade, são a mentira, o engodo, a dissimulação e o cinismo, glorificando a esperteza, negando a sinceridade.

2) o consumismo, que marca uma forma de inação, apequenando o ser humano a um eu coisificado e coisificante em suas relações com outro e com o ambiente ao redor, a economia sendo transformada em esfera paradigmática para a organização das relações sociais, nacionais e internacionais.

Uma passagem de Eugène Enriquez (2006, p.2) parece apresentar de forma muito precisa a crise de hoje: o vínculo social, no momento atual, se desfaz cada vez mais rapidamente e vemos aumentar uma violência (institucional?) que não é violência fundadora do direito, nem violência necessária às relações humanas.

Como seres humanos [húmus significa terra fértil] capazes de cultura, acredita-se firmemente na capacidade de construir uma cultura de valores que nos remetam à ligação com o sentido da vida.

Trata-se de lutar pela nossa humanização. Lutar pela humanização é a grande tarefa da humanidade: o ser humano se forma como espécie na luta incessante pela própria humanização.

É preciso constatar a desumanização como um processo não natural, mas histórico, e agir para recuperar a humanidade que nos foi retirada (Freire, 1987).

Como sujeitos políticos somos capazes do improvável e do imprevisto: O milagre da liberdade está inserido nesse poder de iniciar, que, por s ua vez, se inscreve no fato de que todo homem, ao nascer - ao aparecer em um mundo que já estava aí antes dele e que continuará a estar depois dele - é,

ele mesmo, um novo início (Arendt 1993:121).

Se o sentido da política é a liberdade, isso significa que nós, nesse espaço, e em nenhum outro, temos de fato o direito de ter expectativa de milagres.

Não porque acreditamos (religiosamente) em milagres, mas porque os homens, enquanto puderem agir, são aptos a realizar o improvável e o imprevisível, e realizam-no continuamente, quer saibam disso ou não (idem:122).