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A ILUMINAÇÃO COMO APLICAÇÃO DO DESIGN 120

CAPÍTULO II ILUMINAÇÃO CÊNICA – TEORIA E

2.3 A ILUMINAÇÃO COMO APLICAÇÃO DO DESIGN 120

Mas então por que relacionar a iluminação ou qualquer outra atividade cênica com o design gráfico e fundamentar sua teoria e prática nos chamados princípios do design? Entendendo fundamento como “conjunto dos princípios básicos de um ramo de conhecimento, de uma técnica, de uma atividade (mais usado no plural nesta acepção)” 86 e princípio como “Preceito, regra, lei” 87, os princípios de que trata este estudo representam as regulamentações que estabelecem seus fundamentos, um conjunto de conceitos básicos da atividade técnica e artística da iluminação cênica, compreendida e assimilada, desta forma, como lighting design.

Existe considerável resistência em considerar a iluminação cênica como área de domínio do design. Isso se dá por duas razões distintas: uma que a considera exclusivamente como expressão artística, revelando mais uma vez e falsa dicotomia entre arte e função; e outra, ainda mais evidente, que a classifica como área eminentemente técnica, cujos conhecimentos e estudos restringem-se aos aspectos ferramentais e tecnológicos da profissão. José Henrique Moreira88 nominou, em uma fala a respeito de tecnologia teatral89, esses dois fenômenos como “tecnofobia” e “tecnolatria” para designar, respectivamente, as reações de repulsa e adoração das novas tecnologias no fazer

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Vocábulo Fundamentos. Novo Aurélio Século XXI: o Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1999, p. 952).

87

Vocábulo Princípio. (Ibidem, p. 1639). 88

José Henrique Moreira – Diretor Teatral. Bacharel em Artes Cênicas - Habilitação em Direção Teatral pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio - 1990) e Mestre em Teatro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio1999). Professor de Direção Teatral e Iluminação Cênica na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Informações disponíveis no currículo publicado pelo próprio citado no site da Plataforma do Sistema Lattes do CNPQ http://buscatextual.cnpq.br, consultado em 16/8/2013.

89

Mesa redonda InterneTEATRO, ocorrida em 20 de outubro de 2001 no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo sob a coordenação do CBTIJ durante a II Mostra de Teatro de Animação BOM DE BONECO. Informações disponíveis no site do evento TecneTeatro: http://www.tecneteatro.com.br, consultado em 5/6/2012.

artístico e teatral. Esta segunda também foi chamada de “vício tecnicista” por Valmir Perez (2012a, p. 28).

Associar artes cênicas e design torna evidente a relação entre arte e técnica. Flusser (2007, p. 183) destaca que o ressurgimento dessa relação se deu por meio do design como solução para remediar a separação desastrosa ocorrida entre elas na história das artes. A Bauhaus exerceu uma influência decisiva nesse processo e é tida como o berço do design. Em sua primeira fase, conjugou o pensamento plástico do expressionismo tardio e do artesanato medieval. Numa fase posterior, associou as concepções plásticas do construtivismo com um programa de criação da forma, dirigida à objetividade e funcionalidade. Defendia a arte aplicada, tida como “inferior” pela arte “elevada”, também conhecida como “belas artes” (WICK, 1989, p. 13-4). Wick aponta os diversos movimentos que buscaram, na primeira metade do século XX, a reconciliação entre o mundo do trabalho e o dos artistas criadores, combatendo a questão histórica da oposição entre arte e artesanato, arte e técnica, arte e ofícios (p. 14). Numa época em que o culto à genialidade era dominante nas artes, a

Bauhaus surgiu para afirmar a arte também como o domínio da

técnica característico do artesanato. Como uma ponte entre os dois, o design determina o lugar em que arte encontra a técnica para desenvolver novos conceitos científicos e valorativos que atendem igualmente aos preceitos de forma e função.

A iluminação cênica é, sem dúvida, uma manifestação artística, mas que faz uso de conhecimentos teóricos, científicos e tecnológicos. Dessa forma, alia duas áreas de domínio, uma artística e outra técnico-científica. Além disso, as características de criação, concepção e execução da luz com base nas teorias da linguagem, da comunicação e da forma, fazendo uso de recursos tecnológicos, ajudam a perceber a criação cênica como resultado de uma ação mais abrangente do que a simples inspiração. O talento, o domínio artístico da expressão e a intuição fazem parte desse processo, mas costumam ser percebidos de forma errônea. Em latim, a origem do termo intuição está ligada a olhar ou contemplar, mas ele passou a ser associado a um pensamento ou cognição sem fundo racional (DONDIS, 2007, p. 136). Equivocadamente exclui-se, assim, do processo criativo, os embasamentos teóricos e as estratégias metodológicas que

permitem alcançar objetivos expressivos e significativos. Mesmo assim, “o design é um processo totalmente criativo e conhecê-lo permite maior consciência e domínio sobre os caminhos que a mente percorre quando resolve um problema projetual” (ROHENKOHL, 2012, p. 51). A criatividade não se resume somente à geração de uma boa ideia, mas também à sua idealização e realização.

Qualificar a iluminação cênica como atividade do design pressupõe o entendimento das funções do iluminador como

designer, ou melhor, lighting designer. Essa denominação revela

outra grande resistência do meio teatral em assumir o anglicismo na designação da função, sob alegação da busca de charme, glamour ou supervalorização profissional (TUDELLA, 2012, p. 11), lembrando que isso aconteceu também com o próprio design90. Independente de como seja nominado este profissional, se com o título em língua portuguesa de iluminador ou com a designação em inglês de lighting designer, ou, como alguns preferem,

designer de luz, o mais importante é entender o papel que ele tem

a desempenhar no espetáculo nessa nova configuração técnica e artística do fazer teatral.

Na atividade técnico-criativa que comumente denominamos “desenvolvimento de um projeto de iluminação cênica” ou stage lighting design [...] os iluminadores seguem alguns passos imprescindíveis. Um deles é a pesquisa no universo dos materiais e processos técnicos do fazer [...] os meios pelos quais suas obras possam se materializar [...] as ferramentas e os processos para se expressarem no universo físico. Mas suas criações são algo maior [...] que transcende o meio tecnológico [...] aquele relacionado ao universo sensível, o do universo da estética. (PEREZ, 2012a, p. 27-8)

No entanto, aliar arte e técnica, conciliando conhecimento estéticos e tecnológicos, também não é suficiente para dar conta da totalidade da atividade do designer. Além dos aspectos criativos e técnicos, ainda há o domínio da escritura técnica, ou seja, do

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planejamento, da estrutura gramatical de manipulação de propriedades controláveis da luz para atender a um conjunto específico de funções. Para didatizar essa equação, desenvolvi o que chamo de Funções e Variáveis da luz, ou seja, o processo de problematização e busca de soluções que caracteriza a atividade de criação em luz cênica. Este processo se dá por vias metodológicas que se assemelham aos métodos aplicados pelo design gráfico. Segundo Richard Hollis (2000), as principais funções do designer são “identificar, informar, instruir, apresentar, promover [...] prender a atenção e tornar sua mensagem inesquecível”. Para isso depende de técnicas e métodos que consideram a criação como atividade projetual, cujo desenvolvimento implica na articulação de diversos conhecimentos dos domínios do design.

A respeito da relação entre desenho criativo e projetual, Marcelo Ferraz91 reflete sobre as diferenças entre a arquitetura e sua porção designatória de função para objetos e lugares: “... projeto é muito mais que desenho, projetar é ver adiante, enxergar à frente algo que poderá ou não ser concretizado” (FERRAZ, 2007, p. 223). O autor, que entende a arquitetura como experiência do espaço no tempo, diz que “Em ato único de criação, utilizamos o design como meio de percepção e de expressão (p. 223-24).

Tudella (2012) desenvolveu um importante estudo a respeito do entendimento da iluminação como design, no qual oferece uma explanação etimológica dos termos e descrições usados para designar a atividade contemporânea do iluminador. Para isso, usa a assertiva de Clurman92, que a descreve como “identificar a visualidade solicitada pelo espetáculo (nesse caso, provocada pela proposição do diretor), como problema cuja abordagem demanda apropriação técnica [...] e registro de ideias” (2012, p. 16), para Tudella, representação da instância estético- poética do designer da luz:

91

Marcelo Ferraz (1955- ) – Arquiteto, foi colaborador de Lina Bo Bardi e Oscar Niemayer e é hoje professor da Escola da Cidade de São Paulo. Biografia no livro Disegno. Desenho. Desígnio., organizado por Edith Derdyk. 92

Harold Clurman (1901-1980) – Diretor, iluminador e pesquisador americano, autor da obra On Directing, de 1974, usada por Eduardo Tudella em suas pesquisas.

Quando se refere ao verbo to design, o

American Heritage Dictionary estabelece

relações com os atos de conceber, criar, projetar, planejar algo, e expande essa ação a diversificadas atividades, inclusive artísticas. Do ponto de vista do nome, do substantivo design, a primeira referência é estabelecida com o desenho ou a perspectiva, derivando para a

representação gráfica, para projetos de

construção ou manufatura. Design, neste sentido, tanto pode ser apreendido como a arte ou a prática de projetar, como pode significar o plano em si, o projeto. O The New Merriam-

Webster Dictionary traz variações que

caracterizam design como a ação de conceber e planejar mentalmente, apresentando, para o substantivo, a ideia de um arranjo de elementos ou detalhes num produto ou trabalho de arte. Tal abordagem pode ser decisivamente ligada à atividade do theatre lighting designer, ou, designer que atua nas artes cênicas aplicando a luz. O trabalho do theatre lighting designer, portanto, pode ser compreendido como uma atividade criativa, um labor artístico. Como tal, inclui tanto uma face estética como outra de natureza técnica que interagem dinamicamente. (TUDELLA, 2012, p. 12)

Ele também sugere que “um objeto de estudo que apresenta tamanha cumplicidade com a visão sugere familiaridade do designer com a ciência, com a arte e com a filosofia.” (TUDELLA, 2012, p. 18), declarando assim a indissociável relação da iluminação cênica com o design. Tanto Tudella quanto Perez apontam para o surgimento de uma formação fundada nos princípios do design e na conjunção dos conceitos de alfabetismo visual com a atividade projetual no processo de criação da iluminação cênica.