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CAPÍTULO II ILUMINAÇÃO CÊNICA – TEORIA E

2.4. ALGUNS EXEMPLOS DE PROJETO DE ILUMNAÇÃO 125

2.4.6 O Inoportuno 152

A montagem do espetáculo O Inoportuno125 contou com a excepcional prerrogativa de todos os seus ensaios terem sido realizados no palco em que seria apresentado. A instalação antecipada dos cenários e da iluminação permitiu também a realização dos ensaios técnico e geral. Muito raras, essas circunstâncias favorecem em muito o processo criativo, a interação entre os elementos da cena, bem como o contato entre todos os membros da equipe de criação e execução. Isso permite uma maior coesão na concepção do espetáculo, fazendo com que a fronteira entre as linguagens seja esmaecida ao ponto de instituir uma perceptível simbiose na cena.

A encenação do texto, representativo do teatro do absurdo, foi realizada de maneira realista pelo diretor, que solicitava aos atores uma atuação, ao mesmo tempo que levemente caricata, que representasse a dramaticidade e incoerência presentes no texto. Da mesma forma, os cenários, figurinos e adereços deveriam trazer elementos reais e verdadeiros, mas que denunciassem o caos e a desordem física e mental em que viviam os personagens. Apesar da relação frontal à italiana, optou-se por não usar pernas ou

bambolinas que ocultassem as varas de luz e cenário ou os

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Espetáculo teatral montado com o apoio da Lei Municipal de Incentivo a Cultura, texto de Harold Pinter, direção de Ênio Carvalho e produção de Dimas Bueno. Criação de cenografia e figurino por Maureen Miranda, iluminação de Nadia Luciani e Sonoplastia de Chico Nogueira. No elenco, Rafael Camargo, Zeca Cenovicz e Dimas Bueno. O espetáculo estreou em 12 de junho de 2013 no Teatro do Espaço Cultural – Faculdade Doutor Leocádio José Correa, FALEC em Curitiba.

refletores. A sonoplastia tinha função ambiente e acentuava,

principalmente, as transições de cena.

Figura 40 - Ambientação cenográfica do espetáculo O Inoportuno Teatro do Espaço Cultural FALEC/2013 – Foto: Chico Nogueira Quanto à concepção geral da luz, a estética expressionista deveria fazer alusão à passagem do tempo, mas sem lembrar uma narrativa linear ou cronológica. A alternância entre os dias e as noites era sugerida pela variação de tons quentes e frios das

gerais, mas sem respeitar as rubricas ou determinações realistas

contidas no texto. Outro elemento simbólico na iluminação usado para auxiliar nas transições de cena e impressão de passagem de tempo eram as representações das janelas. Resultantes da combinação de um refletor fresnel de 500W que iluminava internamente, de baixo para cima, uma moldura de janela suspensa do cenário e um refletor elipsoidal que projetava a imagem recortada de uma janela, nas cores azul e âmbar, em dois tons diferentes, refletiam a luz da noite e do dia. Este efeito, produzido por um gobo, perdia qualquer impressão realista que pudesse ter pelo ângulo (visivelmente irreal, tanto por não atravessar a moldura que representava a janela quanto por não estar no sentido e direção correspondentes) e pelos contextos em que foram usados.

Figura 41 - Contraste entre luzes quentes (diurnas) e frias (noturnas) no espetáculo

O Inoportuno

Teatro do Espaço Cultural FALEC/2013 – Fotos: Chico Nogueira Com o objetivo de criar um distanciamento com o público, eu optei por usar apenas luzes cruzadas na gerais quente e fria que determinariam o fluxo das cenas. Foi usado penas um refletor

elipsoidal de luz frontal, cuja função era, através da luz definida

pelas facas de recorte, representar a única possibilidade de relação do universo onírico do espetáculo e do isolamento dos personagens com o mundo exterior, ou seja, o do público.

Figura 42 - Luz frontal recortada como uma forma de relação dos personagens com o mundo exterior na peça O Inoportuno Teatro do Espaço Cultural FALEC/2013 – Foto: Chico Nogueira

Todos os diálogos e textos do espetáculo sugeriam a ignorância da presença do público e qualquer interferência na trama. Porém, de certa forma, os textos cuja marcação de cena levavam os personagens até a citada janela, sugeriam sempre uma reflexão que considerava o mundo exterior e sua possível relação com os personagens em questão. Fisicamente, essa janela era representada por uma moldura de quadro suspensa, cuja luz acendia imperceptivelmente sempre que um dos três personagens se aproximavam dela para, um de cada vez, e somente uma vez em toda a peça, revelarem seus textos mais reflexivos.

Figura 43 - Textura de cores e formas na ambientação da peça O Inoportuno Teatro do Espaço Cultural FALEC/2013 – Foto: Chico Nogueira A textura definida pela grafia geral da cena (cenário, luz, cores e formas) apresentava uma plasticidade contundente, com manchas luminosas feitas por refletores PAR64#5 e PC, pelas quais os três personagens da trama circulavam durante as marcações de cena. Esse efeito conferia à luz volume e movimento sem que fosse necessária qualquer mudança efetiva na iluminação, visto que a própria movimentação dos atores, que entravam e saíam dessas manchas luminosas ao se deslocarem pelo palco, provocava alterações de luminosidade sobre eles. A homogeneidade da luz também era quebrada por detalhes sígnicos do cenário destacados por refletores PAR36 estrategicamente distribuídos e afinados. O uso de abajures e luminárias suspensas

com lâmpadas incandescentes nas temperaturas de cor

tungstênio e daylight auxiliavam na constituição irregular da

visualidade da cena. Com isso tudo, a luz podia permanecer por longos períodos sem movimento real e gerar, mesmo assim, uma impressão de mudança de luz pela movimentação dos atores e pelo fluxo das ideias e emoções dos personagens. Mesmo as luzes

gerais, que alcançavam o palco todo, apresentavam nuances e

texturas integradas entre o cenário, o figurino e a iluminação.

No início do espetáculo, o publico era recebido por uma luz muito fraca e homogênea, feita com 04 refletores set light, 02 para o palco e 02 para a plateia. Ao iluminar igualmente os dois ambientes, tinha a intenção de fazer o espectador se sentir entrando em cena. Também ficou definido na encenação, ao contrário do indicado no texto original, que o personagem Aston jamais deitaria ou dormiria, apresentando como característica própria uma insônia crônica. Isso acabou por determinar a importante opção, no projeto de iluminação, de eliminar integralmente todos os blackouts contidos na obra literária, resolvendo as transições de cena com luzes intermediárias e obscurecidas que conduziam o espetáculo e a trama, junto com a sonoplastia, de um momento a outro da narrativa, até seu desfecho.

No desenvolvimento de um projeto de iluminação cênica, são as escolhas do iluminador que definem a qualidade estética ou poética do resultado final, de acordo com o papel a ser desempenhado pela luz que impregnará a cena e conquistará o público. Há, segundo Tudella (2012, p. 21), uma “relação entre a expressividade da montagem, os conceitos que a sustentam e a luz”, o que determina que o artista deva “fundamentar cada decisão no intuito de revelar a ‘fisicalização’126 de ideias provocadas por conceitos particulares em cada evento de natureza cênica”. A

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Eduardo Tudella apresenta em seu artigo o conceito de “fisicalização” de Viola Spolin, empregado por Francis Hodge para explicar as relações entre a expressividade do corpo e da luz na cena contemporânea, em que artistas colaboram mutuamente para “fisicalizar” uma ideia ou uma poética (TUDELLA, 2012, p. 18).

visualidade do espetáculo é composta, então, pela luz cênica, que resulta de um conjunto de definições feitas ao longo do processo de criação, aliada a outros elementos sensoriais127. Ao determinar, com base no seu conhecimento técnico e sensibilidade artística, o tipo de equipamento e fonte luminosa que irá usar, seu posicionamento, a cor e o movimento de cada efeito de luz, ou seja, a forma e o momento em que irá acender ou apagar cada

refletor ou conjunto de refletores, o iluminador está “criando a

luz”, ou seja, está concebendo as frases sintáticas da linguagem da iluminação cênica, mediante a qual se expressará e se comunicará com o espectador.

A intensão em relatar e descrever os estímulos, procedimentos, orientações e pesquisas envolvidos num processo de criação de luz para um espetáculo cênico foi demonstrar a iluminação cênica como aplicação possível dos fundamentos e procedimentos metodológicos do design. Esse processo abrange todas as percepções e escolhas do iluminador a respeito do trabalho de todos os membros da equipe de produção, criação e execução do projeto, sendo que nenhuma atividade pode ser dissociada da outra e é o conjunto de seus resultados que será levado a público, sempre composto e indissociável, numa mesma experiência sensorial. Essa amplitude holística da atividade de cada profissional denota a semelhança e afinidade do processo de criação cênica com o processo de criação em design.

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Considerando aqui não só a visualidade ou sonoridade da cena, mas a capacidade da expressão cênica em sensibilizar o espectador por meio de estímulos que o atingem e despertam em todas as esferas do sensível.