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A Estruturação da Imagem 99

CAPÍTULO I DESIGN CÊNICO 41

1.3 FUNDAMENTOS DO DESIGN APLICADOS AO TEATRO 57

1.3.5 A Estruturação da Imagem 99

O processo de criação de qualquer mensagem visual tem sua expressão máxima na composição, ou seja, na estruturação da imagem bi ou tridimensional idealizada. Esse é o momento em que são feitas as definições relativas à distribuição, uso e interação dos elementos e fundamentos do design, levando em consideração os objetivos e soluções que se pretende alcançar. Estas decisões compositivas terão papel fundamental no resultado da percepção por parte do espectador, influenciando diretamente na leitura e

interpretação do que lhe será dado à contemplação. As possibilidades de escolha são infinitas e é nas opções que faz que o designer encontra as soluções visuais que apresenta. Os resultados dependerão ainda, porém, da resposta do espectador, que as modifica conforme seus critérios subjetivos de percepção. Aumont classifica o espectador como “parceiro ativo da imagem, emocional e cognitivamente” (AUMONT, 2012, p. 80-1) ao explicar a sua relação com as imagens, destacando seus valores e sua relação com o real, ou seja, sua função de estabelecer, pelo caminho simbólico, epistêmico e estético, a relação desse espectador com o mundo. Garantir que o sentido almejado para a mensagem visual atinja seus propósitos e seja compartilhado entre criador, performer e espectador na experiência visual resultante é o grande desafio do design e a sintaxe da imagem revela-se como o instrumento que pode tornar isso possível.

Figura 22 - Composição de formas e cores no concerto da Camerata Antiqua de Curitiba Percepções Capela Santa Maria - Curitiba/2010 – Iluminação: Nadia Luciani Foto: Alice Rodrigues Arnheim (2012, p. 69) afirma, com base no axioma popular para o qual o todo é maior do que a soma de suas partes, que “a aparência de qualquer parte depende, em maior ou menor

extensão, da estrutura do todo e este, por sua vez, sofre influências da natureza de suas partes.” Ele ainda complementa que nenhuma das partes de uma obra de arte é autossuficiente, o que reforça o entendimento de que é na estruturação da forma e na composição no espaço, que se define sua expressão e significado. Nenhum estudo da forma pode ser considerado completo sem uma análise do espaço que ela ocupa. A especialidade do design, que se realiza na ação, demonstra que criar ou projetar não é um processo lógico apenas, no qual basta seguir determinadas regras ou etapas para alcançar um bom resultado final. Todo designer se submete, durante o processo de criação, a um ato contínuo de exploração da intuição, da sensibilidade, do sentido formal e da experiência visual conjugados numa única ação. A forma, para Aumont (2012, p. 287), é um organismo vivo, uma abstração identificável com a estrutura dos elementos visuais que compõem um objeto visível, mas cuja relação com a matéria pictórica, o tempo e o espaço lhe conferem um valor pessoal, significações e qualidades fisionômicas.

Ao diferenciar pensamento em linha e pensamento em superfície, Flusser também colabora com o entendimento da leitura formal da cena. Segundo ele, enquanto no primeiro é seguida uma estrutura imposta, no segundo é permitida a liberdade de leitura (FLUSSER, 2007, p. 104) que permite vagar pelos sentidos e interpretações. Comparativamente, é necessário ler um texto sequencialmente para captar sua mensagem, mas na bi ou na tridimensionalidade da forma e do plano é possível apreender a mensagem de uma só vez, numa relação de tempo que envolve o presente, o passado e o futuro simultaneamente (p. 106). A leitura de uma cena ou mensagem visual se dá no tempo e no espaço. A esse respeito, Guénoun cita Riccoboni70: “subindo à cena, o ator se apresenta antes de falar, os senhores convirão que a postura é a primeira coisa a respeito da qual é preciso instruir-se” (RICOBONI apud GUÉNOUN, 2004, p. 58), para afirmar que a visualidade da

70

Antoine-François Riccoboni (1707-1772) – Dramaturgo e ator francês que defendeu, à sua época, que a arte do teatro (L’Art du Théâtre. Paris, 1750) deveria referir-se à arte de representar o que foi escrito e não mais à arte de escrever com vistas à representação, deslocamento que introduz ao pensamento da época a emergência da atuação e da encenação (GUÉNOUN, 2004, p. 58).

cena é o primeiro aspecto do palco a atingir o espetador, ou seja, sua concepção deve requerer boa parte da atenção do encenador. A arte do teatro, da encenação e da representação cênica determina forte responsabilidade ao aspecto visual, área de domínio e propriedade do design e de seus princípios.

1.3.5.1 O Espaço Bidimensional

A criação da forma no espaço bidimensional explora graficamente os elementos e princípios do design aplicados ao plano. O espaço bidimensional pode ser concebido como um plano no qual é possível inserir elementos em estruturas variadas.

Figura 23 - Uso de formas bidimensionais na criação do espaço em profundidade no show Brasileirão convida Joyce Teatro Guaíra - Curitiba/2010 – Iluminação: Nadia Luciani – Foto: Lucas Rachinski No momento em que o primeiro elemento é inserido (pode ser um ponto, uma linha ou qualquer outro elemento), são colocadas em ação as forças de relação dos valores de ritmo, tensão, contraste e equilíbrio da relação dimensional. Ao acrescentar um segundo elemento surge um segundo contraste, principalmente se este segundo elemento for maior ou menor que o primeiro, influenciando a atenção visual pelo contraste de tamanho que cria um aspecto da percepção de profundidade. Mesmo no

plano, os valores de tom dão sua contribuição para a ilusão de dimensão e profundidade, pois, para a percepção humana, as imagens mais escuras parecem mais próximas que o fundo claro, produzindo um tipo de contraste entre forma e fundo. Desta e de outras maneiras é que o designer interfere nos resultados da experiência visual, alterando tamanho, proporção e nível de

contraste entre as formas.

Para Aumont (2012, p. 33), a percepção do espaço nunca será apenas visual, seja na experiência cotidiana ou com a arte. A ideia de espaço está vinculada ao corpo e seu deslocamento, real ou virtual. Seu conceito é de origem tátil e cinésica, e refere-se, do ponto de vista perceptivo, a uma relação do espaço em virtude de sua ocupação por um corpo humano móvel (p. 221). Quando os elementos visuais são conformados por linhas e figuras, entram em ação outras forças visuais. Se vertical, a linha divide o espaço a acrescenta à qualidade bidimensional uma dado imediato da experiência sensorial, a gravidade. Quando é acrescentada outra, horizontal, que a cruza, são criadas forças de contraste e tensão que se estabelecem entre a energia do elemento vertical e a passividade do horizontal. Cruzá-las simétrica ou assimetricamente também resulta em relações formais diferentes, porém ainda mantendo a bidimensionalidade do plano. A inserção de linhas diagonais e transversais nessa composição pode fazer emergir a sugestão de profundidade. Uma das extremidades parecerá mais próxima do que a outra e ao se somar uma nova linha ou um conjunto delas, direcionadas para um mesmo ponto de fuga, cria-se a noção de perspectiva. Além da clara ilusão de perspectiva, se obtém também a determinação do primeiro e do segundo plano e uma possível sensação de movimento.

1.3.5.2 A Perspectiva Tridimensional

A composição no espaço tridimensional segue as mesmas regras e princípios, pois, assim como é possível transformar visualmente o espaço bi em tridimensional, pode-se, por meio do uso da forma, da proporção e do contraste na organização do espaço tridimensional, percebe-lo bidimensionalmente. A perspectiva é uma transformação geométrica que consiste em projetar o espaço tridimensional em um espaço bidimensional ou

uma superfície plana (AUMONT, 2012, p. 222). A perspectiva é a forma simbólica da relação do homem com o espaço e representa a percepção visual ilusória do espaço tridimensional (PANOFSKY, 1974, apud AUMONT, 2012, p. 224). O ato de manipular os elementos e os princípios do design para configurar o espaço tridimensional não só é possível como bastante explorado pela

cenografia em representações cênicas. É por meio dessa

manipulação que se opera sobre a percepção do espectador e conduz sua relação sensorial com o espetáculo. O espaço representado é sempre o espaço de uma ação, mesmo que virtual, o espaço de uma encenação.

Aplicando os conceitos apresentados em relação ao espaço bidimensional nos elementos do cenário ou da iluminação, é possível fazer com que os fachos de luz colorida que atravessam o espaço vazio e pareçam mais abstratos ou concretos conforme o tratamento que lhes é dado. São esses princípios e suas aplicações que permitem conceber imagens e resultados visuais expressivos e comunicativos. O ponto de partida da criação pode ser o espaço vazio (palco nu), da mesma forma que poderia ser um palco tomado por elementos cenográficos, o que traria novos elementos e informações compositivas. Voltando ao espaço vazio, é possível permitir a visualização dos fachos luminosos com o uso de fumaça, névoa ou fog para que se transformam em pontos, linhas e figuras, “preenchendo” o espaço e dando conformação a qualquer objeto que se interponha em seu caminho. Perceber a luz como massa permite estruturar o espaço tridimensional com seus formatos, cores e texturas, criando equilíbrio, movimento, contraste, tensão, dramaticidade, ritmo e proporção.

O processo de interferência e inter-relação entre os elementos visuais da cena é dado pela posição que ocupam, tamanho, tons, cores, proporção e profundidade, resultando em

contrastes que são determinados pelas forças de tensão visual

estabelecidas. A busca da significação e expressão da forma pode atingir diferentes graus de padrão estético e poético no espaço tridimensional. Desenhar ou grafar com luz no palco significa expor e interagir com todos os outros componentes da cena, explorando a composição da massa luminosa no espaço cênico por meio das técnicas visuais.

É preciso lembrar, como já foi dito anteriormente, que a comunicação visual é um processo multidimensional, cuja principal característica é a simultaneidade. No teatro, além do processo de percepção visual, o público recebe, por um tempo determinado, grande carga de informações, estímulos e sensações, aos quais reage em conformidade com suas próprias referências culturais e psíquicas, individuais ou coletivas. Em conjunto, os componentes físico e psicológico da comunicação visual na manifestação teatral são relativos, nunca absolutos. As interferências do meio, a variação de repertórios, o contexto subjetivo de cada espectador, as condições técnicas, entre tantas outras, são variantes da manifestação teatral, por definição, efêmera e única.

Figura 24 - Uso da luz, da sombra e de elementos luminosos na composição do espaço no concerto da Camerata Antiqua de Curitiba Capela Santa Maria - Curitiba/2010 – Iluminação: Nadia Luciani Fotos: Alice Rodrigues Aumont afirma que a ilusão representativa é um erro de percepção, uma confusão entre a imagem e o real, cuja dupla realidade perceptiva é consentida e consciente. Ela é produzida por uma imagem cênica que engana o espectador, uma ilusão parcial da realidade, que não constitui, no entanto, uma imitação ou um

simulacro dessa realidade. Ela é criada e realizada para representar, para significar, para estar no lugar da realidade que representa, mas não para ser confundida com ela (AUMONT, 2012, p. 97). Ter domínio sobre a organização da mensagem visual contida na cena e em cada um de seus elementos, dentre eles a luz, e os resultados obtidos por ela junto ao público constitui um grande desafio do designer cênico.

A ação do artista, criador ou designer, reflete sua impressão e visão de mundo conjugados na atividade técnico/criativa de expressar suas ideias e realizar o objeto de sua criação. Os resultados são consequências dessa ação e devem ser constantemente submetidos a análises que conduzam à permanente revisão de potencial das suas criações e projetos. Além da capacidade compositiva e do aprimoramento técnico e conceitual, o design é também uma atividade ligada à criatividade, à fantasia cerebral e ao senso de invenção e inovação. “Cada objeto de design é resultado de um processo de desenvolvimento, cujo andamento é determinado por condições e decisões, não apenas por configuração.” (BÜRDEK, 2006 apud ROHENKOHL, 2012, p. 46). Por trás da conformação estética e poética da imagem sensorial da cena teatral, encontram-se as fundamentações e os princípios que a regem e justificam. É no encontro dessas habilidades que está a atividade do designer.