• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II ILUMINAÇÃO CÊNICA – TEORIA E

2.4. ALGUNS EXEMPLOS DE PROJETO DE ILUMNAÇÃO 125

2.4.4 Darwin 141

O espetáculo Darwin114, concebido por Fábio Salvatti, que também dirigiu a peça, tinha como propósito inicial abordar vida e obra de Charles Darwin, considerando tanto suas façanhas científicas quanto particularidades de sua história pessoal. Mais do que representar ou contar uma história, foi solicitado aos atores e membros da equipe que compartilhassem suas próprias impressões a respeito das teorias de Charles Darwin, bem como passagens de suas vidas pessoais ou profissionais que pudessem estabelecer alguma relação com a temática proposta. O início do processo deu-se de forma mais conduzida e teve como referências indicadas o livro Além de Darwin115, recomendado igualmente para leigos e cientistas, defensores ou inimigos da teoria evolucionista de Darwin e o filme realizado sobre sua vida em 2010116. A ideia do diretor em nos indicar essas referências era a de inserir-nos nesse

114

Espetáculo teatral estreado em 23 de fevereiro de 2012 no TEUNI – Teatro Experimental Universitário da UFPR em Curitiba e remontado para a Mostra de Novos Repertórios no Festival de Curitiba e no Festival de Antonina, em março e julho do mesmo ano, respectivamente. Produzido pela Processo Multiartes, o espetáculo foi concebido e dirigido por Fábio Salvatti, com cenário de Paulo Vinícius, figurinos de Maureen Miranda, composição musical de Octávio Camargo e vídeos de Fábio Alon. No elenco, Alan Raffo, Andrew Knoll, Carolina Fauquemont, Chiris Gomes e Marísia Brüning.

115

Lopes, Reinaldo José. Além de Darwin: evolução: o que sabemos sobre a historia e o destino da vida. São Paulo: Globo 2009.

116

Creation – Criação, A Vida de Darwin – O filme, que conta a história da vida de Darwin e os conflitos causados pelas suas ideias, foi baseado no livro Annie’s Box de Rendall Keynes, bisneto de Darwin, a respeito de uma caixa que teria pertencido a Annie, filha de Darwin que morreu prematuramente aos 10 anos.

intervalo entre a curiosidade popular e a ciência, a pesquisa e as experiências de vida, ou seja, o lugar onde esses dois universos se misturam.

Neste percurso, foram encontrados temas paralelos e convergentes como herança (da genética à econômica ou cultural), primatas, fenômenos naturais, experimentos científicos, religião, preconceito, teologia, ciência e tecnologia, entre outros explicitamente visíveis no resultado do trabalho ou não. Para o público, ocorria um misto de incredulidade e identificação com o que era mostrado, pois ao mesmo tempo que parecia haver total incongruência entre as cenas e passagens do espetáculo, existia algo de inexplicável que relacionava os temas e sugeria um fio condutor da tessitura dramática desenvolvida pelos atores/personagens. Isso sem considerar a atração particular de algumas cenas, que cativavam individualmente os espectadores pelo seu espírito provocador, cômico, irônico ou encantador.

Figura 33 - Uso da contraluz para valorização dos painéis do fundo, usados como tela de projeção no espetáculo Darwin TEUNI - Curitiba/2012 – Foto: Rosana Roberta da Silva A cenografia foi bastante influenciada pela demanda original do uso da projeção, que levou à concepção de uma tela de fundo que dominava toda a cena e à consequente demarcação do espaço de cena à frente dela. O elemento surpresa ficou por conta da fragmentação da área de projeção em pedaços que sugeriam um conjunto de monitores ou pequenas telas que fragmentavam igualmente a imagem projetada e permitiam interessantes efeitos

de luz e sombra. O processo de criação do projeto de iluminação

teve início numa conversa particular com o diretor, na qual foi exposta a temática e os procedimentos que norteariam o trabalho. Depois disso, o acompanhamento dos ensaios aconteceu ainda enquanto quase nenhuma cena estava definida e apenas algumas experiências ou referências individuais haviam sido acrescentadas ao processo. A criação dos elementos do espetáculo se deu de forma colaborativa, na qual uma proposta é lançada ao grupo e os trabalhos são desenvolvidos conjuntamente por toda a equipe de criação, de maneira segmentada ou coletiva dependendo do momento. Tanto a luz quando o figurino e a composição musical ocorreram durante esse processo de colaboração mútua, com insights e soluções emergindo do mesmo procedimento.

Figura 34 - Cena inicial da apresentação, cujas coxias imaginárias são definidas pela luz, usada também para a entrada do público no espetáculo Darwin

TEUNI - Curitiba/2012 – Foto: Rosana Roberta da Silva A definição do espaço em frente à tela de projeção como área de representação forneceu importantes informações para a definição do conceito geral da luz, que acabou por explicitar essa diferenciação entre área de representação (dentro de cena) e

coxias imaginárias (fora de cena), visto que não havia nenhum tipo

de roupagem cênica definindo esse espaço. Logo no início do espetáculo, o público era recebido por uma luz construída com

refletores set light bem demarcada, que recortava a área de

projetada atingia igualmente essas coxias imaginárias e a plateia, integrando-as numa mesma tonalidade de luz quente que excluía a

caixa cênica. O resultado era a confirmação de que o espetáculo

ainda não havia começado, mesmo que os atores circulassem por essa área enquanto cantarolavam o tema musical do espetáculo. Essa mesma luz também denotava que as “cenas” do espetáculo aconteceriam nesse espaço assim que as luzes mudassem, reservando para as “não-cenas” os locais externos à área de atuação definida pela “não-luz”. Tida como coxias imaginárias do

palco, era usada também durante o espetáculo para trocas de

figurino e espera do atores antes de entrarem “em cena”.

A escolha das cores da luz constituiu um aspecto importante do processo. Neste momento, a palheta de cores do figurino já estava definida com tons ocre e verde musgo, seguindo uma tendência rústica, lembrando selva, safari, vegetação e terra. Os cenários, em sentido complementar e oposto, tendiam fortemente para o branco, sugerindo assepsia e limpeza. Nesse contrastante contexto, a luz deveria encontrar o meio termo que unisse de forma coesa os dois conceitos. A descoberta de duas cores do catálogo da fabricante de gelatinas Rosco™ foi decisiva para a definição do universo cromático do espetáculo117. O que eu buscava para a realização do projeto de iluminação eram cores que, ao mesmo tempo que fizessem alusão aos tons âmbar e verde do figurino, não apresentassem a luminosidade e o brilho característicos dessas cores nas tonalidades normalmente disponíveis para iluminação. Os tons amarelado e esverdeado encontrados nos filtros de correção Urban Vapor e Industrial Vapor, respectivamente, eram perfeitos para imprimir as cores esmaecidas e desbotadas, ao mesmo tempo que com certa carga tecnológica e cibernética, às cenas. Esses tons também valorizaram as tramas e tonalidades dos tecidos dos figurinos, ressaltando-os. O contraponto dessa palheta, acrescida do filtro de

correção CTB, com tonalidade levemente azulada que esfria a

117

As gelatinas esverdeadas e amareladas encontradas para dar as tonalidades desejadas para a luz do espetáculo Darwin foram os filtros de correção da linha Cinegel Vapor da marca Rosco™, usados para simular a tonalidade das lâmpadas de sódio: Industrial Vapor #3150 e Urban Vapor #3152, respectivamente.

cena, ficaram ao encargo dos focos e luzes gerais brancos (sem

cor) para imprimir a clareza que certas cenas exigiam e que

convinha à conjunção com os cenários.

A tela de projeção representava um elemento cênico visualmente forte. Para neutralizar sua presença nas cenas em que não recebia projeção e atuava como pano de fundo da encenação, o painel foi colorido com luz filtrada pela gelatina corretiva urban vapor, que lhe conferia um aspecto, ao mesmo tempo que aquecido, suavizado e sutil. Esse efeito foi bem explorado na cena da evolução da espécie, em que os atores retratavam a conhecida imagem da evolução do homem de Darwin em movimentos repetido e sequenciados, numa brincadeira competitiva entre eles. A cena toda foi apresentada em silhueta, valorizando formas e movimentos e ajudando na identificação da referida imagem.

Figura 35 - Cena da evolução da espécie em silhueta contra o fundo iluminado no espetáculo Darwin TEUNI - Curitiba/2012 – Foto: Rosana Roberta da Silva Em contraponto com o fundo quente, uma luz de contra

fria, feita com o uso da gelatina corretiva industrial vapor

preenchia, em algumas cenas, o palco todo com uma luminosidade levemente colorida em um tom verde-amarelado.

Quanto aos efeitos e à movimentação das luzes, esses foram sendo definidos à medida que personagens e cenas vinham surgindo da mente criativa dos diferentes participantes do processo. A operação da luz acompanhava o desenrolar das cenas, muitas vezes apenas indicando, dentro da estética pré- definida, para onde os espectadores deveriam olhar, ou seja, antecipando onde, na área do palco, aconteceriam as cenas. As cenas eram alternadas entre luzes setorizadas, que limitavam a área de atuação e orientavam a atenção do público, e gerais, que iluminavam o palco todo de maneira uniforme. No primeiro caso, cada cena recebia um tratamento especial condizente com a temática, marcação e sentido da encenação.

Figura 36 - Uso da forma geométrica do triângulo para representar conflito no espetáculo Darwin TEUNI - Curitiba/2012 – Foto: Rosana Roberta da Silva Outro momento importante da luz do espetáculo foi a cena que abordava a questão da herança e sucessão, para a qual foi usada uma cena do texto Rei Lear, de Shakespeare118. O triângulo de tensão formado pelas três filhas de Lear foi desenhado com a luz, formando uma área delimitada por três refletores elipsoidais com o uso das facas de recorte e do ângulo de projeção da luz,

118

Rei Lear, tragédia de William Shakespeare, escrita e encenada pela primeira vez em Londres no ano de 1606.

que permitia a variação de luminosidade sobre elas. No início da cena, as três atrizes, cada uma em um dos vértices do triângulo, ficavam completamente fora da luz, levemente iluminadas pela sua reflexão no chão de madeira clara. Em seguida, avançavam e eram perceptíveis apenas pela penumbra de contraluz que delineava levemente suas silhuetas. Por fim, antes de seus textos, entravam no reinado de Lear, majestosamente sentado em seu trono ao centro super iluminado do triângulo de luz. A subjetividade das condições de iluminação da cena ficava expressa pelas variações de intensidade e ângulo, na cor e temperatura naturais da lâmpada incandescente desse tipo de refletor.

Figura 37 - Efeito de flutuação com o uso de luz lateral recortada e destaque com foco cruzado no espetáculo Darwin TEUNI - Curitiba/2012 – Foto: Rosana Roberta da Silva Os refletores do tipo elipsoidal também foram usados para cenas fechadas e focos de destaque de ações ou textos específicos e alguns refletores PAR36 para destacar os rostos dos atores em uma cena que exigia isolamento e concentração total para as expressões faciais e para o conteúdo do texto dado. Ao final do espetáculo, uma cena com texto, projeção e coreografia foi resolvida com um conjunto de efeitos, composto de um foco

cruzado na narradora do texto declamado, feito com um elipso,

como também é chamado o refletor elipsoidal e uma luz lateral, que permite valorizar as formas e os movimentos coreográficos, feita com quatro refletores fresnel, com o chão, a frente e o fundo recortados por barndoors. Esses recortes tinham o propósito de sugerir um efeito de “flutuação” dos atores (recorte inferior) e impedir a interferência da luz da coreografia no texto (recorte frontal) e na imagem projetada (recorte posterior).