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Nesse momento, cabe analisar com maior cautela o inciso IV, do art. 649, do CPC, objeto do presente trabalho, que elenca os rendimentos de natureza alimentar. O mencionado artigo teve sua redação modificada pela Lei nº 11.382/2006, que ampliou sua abrangência, observe-se:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: [...]

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;66

É possível aduzir a montagem que o legislador fez nesse inciso. Existem doze figuras de impenhorabilidades, de gêneros e espécies diferentes. Visualizando uma dificuldade de classificação dessas figuras, a doutrina convencionou chama-los de rendimentos de natureza alimentar, por entender que esta é uma característica comum a todas elas.

De acordo com Dinamarco, “é lícito enxergar algo comum a todas essas doze hipóteses de impenhorabilidades contidas no inc. IV que será a destinação de todas essas verbas ao sustento da pessoa e da família – ou seja, uma natureza alimentar”.67 Nesse mesmo sentido, Abelha:

É interessante registrar que, nesse dispositivo – também com vistas à proteção da dignidade da pessoa -, o legislador procurou referir-se a todos os tipos de remuneração que se destinem ao caráter alimentar.

Assim, os subsídios, os proventos de aposentadoria, pensões, montepios, etc. e até mesmo as aplicações financeiras que se refiram à verba alimentar e se destinem ao sustento do executado e sua família, especialmente para aqueles que já as recebe em

64 BRASIL, 1973. 65 BRASIL, 1973. 66 BRASIL, 1973.

conta bancária; igualmente os honorários dos profissionais liberais e até mesmo as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família não são objeto de penhora, porque a intenção do legislador é a manutenção do sustento do executado e da sua família. Assim, aí se incluem todas as modalidades de verbas de previdência pública e/ou privada, bem como seguro- desemprego, auxílio-moradia e demais benefícios da seguridade social, bem como indenizações trabalhistas por infortúnios de trabalho. Também aqui o legislador valorizou a proteção do executado, impedindo a penhora de valores oriundos da seguridade social.68

A recente reforma do CPC, trazida pela Lei nº 11.382/2006, ampliou bastante o rol de rendimentos considerados impenhoráveis. Pode-se citar, como exemplo, o reconhecimento, por parte do legislador, da natureza alimentar dos ganhos de trabalhador autônomo e honorários de profissional liberal, devido à importância desses valores para a sobrevivência desses indivíduos e de suas famílias. Além de incluir, também, a comissão do Leiloeiro. Para Assis:

O art. 649, IV, na redação da Lei 11.382/2006, ampliou a impenhorabilidade da remuneração da pessoa natural. [...] para abranger a comissão do leiloeiro -, o texto vigente deixou de abranger tão só a retribuição decorrente de vínculo trabalhista ou de relação estatutária, passando a tutelar prestações feitas aos trabalhadores autônomos (p. ex. o pagamento do pequeno empreiteiro) e aos profissionais liberais (p. ex., o médico, o advogado, o sapateiro). A impenhorabilidade envolve a renda da pessoa natural.69

Portanto, ao ampliar a extensão do mencionado inciso, a Lei nº 11.382/2006, estendeu o benefício de maneira a atingir diversas categorias que na redação anterior não eram alcançadas, como os profissionais liberais, por exemplo. É interessante destacar, também, que a impenhorabilidade é absoluta, não havendo qualquer limite de valor. Na redação original, havia uma previsão de relativização dessa regra, no entanto, o que deveria ser o § 3º, do art. 649, do CPC, foi vetado pelo presidente da república, veto esse que será debatido oportunamente.

Agora, importa analisar cada uma das doze figuras apresentadas no supramencionado inciso.

Provento de aposentadoria é o nome dado à prestação pecuniária devida aos

agentes públicos em geral, que estão inativos70.

Pensão é o nome da prestação pecuniária, de caráter previdenciário, paga ao

dependente quando do falecimento do segurado. É interessante ressaltar que pensão foi

68 ABELHA, 2009, p. 97. 69 ASSIS, 2013, p. 296.

colocada no rol sem qualquer identificação ou especificação, o que leva a presumir que esta figura não diz respeito apenas à prestação previdenciária, mas também, à pensão alimentícia.

Pecúlio era o valor devolvido ao cidadão que continuava contribuindo para a

previdência social mesmo depois de se aposentar. O pecúlio foi extinto pela Lei nº 8.870 de 15 de abril de 199471. Pela regra atual, o aposentado que volta a trabalhar não tem suas contribuições devolvidas, pois serão utilizadas para o custeio da Seguridade Social.

Montepio é uma espécie de seguro de vida instituído pelo Estado ou alguma

associação que se compromete a dar ao contribuinte ou associado um valor para prover sua subsistência.

Ganhos de trabalhadores autônomos e honorários de profissional liberal, são

duas das novidades trazidas ao inciso IV pela Lei nº 11.382/2006. Nesse caso, o estudo deve ser concentrado para buscar uma definição para essas duas figuras. Trabalhador autônomo, de acordo com a alínea h, do inciso V, do art. 12 da Lei nº 8.212/91, é “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não”. Profissional liberal é aquele que exerce com independência ou autonomia profissão ligada à aplicação de seus conhecimentos técnicos e para a qual possua diploma legal que o autorize ao exercício da respectiva atividade. Honorário é o pagamento que os profissionais liberais recebem pela prestação de seus serviços.

As quantias recebidas por liberalidade de terceiro são aquelas doadas para proveito do donatário e de sua família. Essa medida protege tanto o donatário, quanto respeita a vontade do doador que praticou a liberalidade, tendo em vista o benefício e proveito daquele72.

Vencimentos são todas as verbas que integram a remuneração dos funcionários

públicos civis e agentes de todos os Poderes do Estado. Estão inclusas no conceito de vencimentos possíveis adicionais por tempo de serviço, vencimento em atraso ou créditos discutidos em juízo73.

Soldos são os vencimentos dos militares74.

Os Subsídios são as renumerações dos parlamentares, a saber: Senadores, Deputados Estaduais e Federais e Vereadores75.

71 BRASIL. Lei nº 8.870 de 15 de abril de 1994. Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8870.htm> Acesso em: 20 set. 2014.

72 DINAMARCO, 2009, p. 386. 73 DINAMARCO, 2009, p. 394. 74 DINAMARCO, 2009, p. 395. 75 DINAMARCO, 2009, p. 395.

Martins conceitua Remuneração como “o conjunto de prestações recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidades, provenientes do empregador ou de terceiro, mas decorrentes do contrato de trabalho76”.

Salário é um conceito de direito do trabalho. O art. 457 da Consolidação das Leis

do Trabalho não apresenta exatamente uma definição para salário, mas aponta todos os elementos que o compõem.77 Segundo Martins, “O salário correspondia ao valor econômico pago diretamente pelo empregador ao empregado em razão da prestação de serviços do último, destinando-se a satisfazer suas necessidades pessoais e familiares78”.

No entanto, para os fins do CPC, o conceito de salário inclui não só o valor ordinário, como também:

[...] todos os adicionais, percentuais, participação, verbas em atraso, indenizações e outras verbas decorrentes de despedida, créditos trabalhistas discutidos em juízo e mesmo valores pagos por pessoa diferente do empregador - como os salários indiretos e os valores devidos por instituições públicas ou privadas de previdência.79 A proteção ao salário tem também previsão no texto constitucional no Capítulo dos Direitos e Garantias fundamentais, em seu art. 7º, X, conforme abaixo colacionado:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;80 Dessa maneira, é de salutar importância a proteção dada aos salários e aos demais rendimentos de natureza alimentar, pois são eles que promovem o sustento do devedor e de sua família.

Cumpre destacar, ainda, que há uma única exceção à regra da impenhorabilidade dos rendimentos de natureza alimentar, do inciso estudado nesse tópico. Por essa razão,

76 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 230.

77 “Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

§ 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.

§ 2º Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedem de cinqüenta por centro do salário percebido pelo empregado.

§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.”

78 MARTINS, 2011, p. 230. 79 DINAMARCO, 2009, p. 395. 80 BRASIL, 1988.

muitos doutrinadores classificam a impenhorabilidade desse inciso como relativa. Essa exceção está descrita no parágrafo 2º do mesmo artigo, que é o caso da execução de crédito alimentar. Sobre esse ponto comenta Assis:

A penhorabilidade da retribuição pecuniária da pessoa natural, na execução do crédito alimentar, conforme o art. 649, § 2º, na redação da Lei 11.382/2006, revela- se relativa e limitada. Ela não atinge a parcela indispensável à subsistência do próprio executado e alimentante. Incube ao juiz arbitrar tal quantia. Em geral, o juiz protege setenta por cento dos rendimentos do executado, alicando, por analogia, o percentual máximo de comprometimento para descontos voluntários, instituído no art. 6º, § 5º da Lei 10.820/2003, quanto às prestações recebidas da Previdência Social. Por tal motivo, a penhora recairá sobre o excedente do valor líquido do salário ou dos vencimentos, já realizados os descontos obrigatórios.81

Isso ocorre, pois, na prestação de alimentos também deve ser ponderada a dignidade do alimentado, nesse caso, o alimentante tem seus rendimentos alcançados, no entanto, o magistrado irá decidir no caso concreto o valor a ser prestado. Em geral, o percentual máximo de 30% vem sendo utilizado. Nesse sentido:

Trata-se de regra de impenhorabilidade relativa. O § 2º do art. 649 determina que a regra não se aplique à execução de alimento (decorrentes de vínculo de família ou de ato ilícito). Se o fundamento da impenhorabilidade é a natureza alimentar da remuneração, diante de um crédito também de natureza alimentar, a restrição há, realmente, de soçobrar. Atente-se, porém, que não será permitida a penhora de parcela do salário de comprometa a sobrevivência digna do executado. É preciso, mais uma vez, fazer a ponderação entre direito do credor e a proteção do executado.82

Ocorre que, mesmo os rendimentos de natureza alimentar merecendo a proteção prestada pelo art. 649 do CPC devido a sua grande importância, pode-se observar que não existe qualquer limite de valor estipulado. Ou seja, qualquer dos rendimentos de natureza alimentar terá a proteção da impenhorabilidade, independente do seu valor.

Esse ponto específico da legislação traz um dos grandes debates sobre o procedimento de execução, pois, em sua grande maioria, os juízes e tribunais, optam pela aplicação “cega” do referido dispositivo, sem muitas vezes analisar o caso concerto, o que acaba muitas vezes por impossibilitar o êxito do procedimento executório nos objetivos a que se propõe.

81 ASSIS, 2013, p. 271.

4 A RELATIVIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE DOS RENDIMENTOS DE NATUREZA ALIMENTAR

Agora será apresentado o cerne central da questão desse trabalho, em que todos os conceitos e fundamentos estudados nos capítulos anteriores serão utilizados como base para sustentar os argumentos aqui apresentados.