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O procedimento de execução tem como finalidade proporcionar ao credor a satisfação de seu crédito não adimplido voluntariamente, conforme já estudado anteriormente. Essa finalidade justifica as reformas mais recentes ocorridas no CPC, promovidas pelo legislador com o objetivo de tornar o procedimento mais célere e eficiente.

Acontece que, mesmo depois de efetivadas essas reformas, com as mudanças trazidas pelas Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006, resta evidente que os objetivos do legislador ainda não foram alcançados.

Vários motivos podem ser apontados como colaboradores para a conhecida inefetividade do procedimento de execução. Além daqueles motivos que norteiam o sistema jurisdicional brasileiro como um todo, a exemplo da notória “morosidade do judiciário”, que ocorre por várias razões, existem outros motivos específicos e inerentes ao procedimento executivo.

Dentre eles, o que parece ser o mais grave e que traz mais obstáculos à efetividade do procedimento executivo é o exagerado protecionismo do legislador em relação ao devedor, em detrimento do credor, como, por exemplo, nas hipóteses de impenhorabilidades trazidas pelo art. 649 do CPC.

Importa destacar que dentro desse contexto de impenhorabilidades (relativas e absolutas), na realidade, dentro do procedimento de execução como todo, parece haver um olhar maniqueísta do legislador, e da sociedade, sobre as partes do procedimento executivo, da relação entre credor e devedor, como se o executado sempre fosse hipossuficiente, o lado fraco, e o credor sempre o explorador, o lado forte da relação jurídica.

Entretanto, essa visão é ultrapassada e já não condiz com a realidade atual das partes do procedimento executivo. Ideal é que haja um equilíbrio entre elas, para que o devedor pague apenas o que deve, sem que se caracterize qualquer ato punitivo na execução,

nenhuma forma de “castigo” pelo inadimplemento, nem que haja uma proteção tão grande ao devedor que o credor não tenha seu crédito satisfeito e seja prejudicado.

São vários os motivos que justificam as impenhorabilidades estabelecidas. O principal fundamento, sem qualquer dúvida, é a proteção da dignidade do executado, como extensão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O objetivo é garantir que o mínimo necessário para a sobrevivência do devedor seja protegido da execução. Dessa forma, muitas das regras de impenhorabilidade têm como fim proteger o executado de excessos nessas ações. Nas palavras de Abelha:

O “móvel” ou justificativa dessas limitações previstas na lei processual, é, em tese, o resguardo da dignidade do executado, conservando um mínimo no patrimônio do devedor, que mantenha a sua dignidade, evitando que a tutela jurisdicional executiva satisfaça o exeqüente à custa da desgraça total da vida alheia. O bem jurídico tutelado pelo legislador ao prever “a exclusão legal dos bens expropriáveis” é a proteção da dignidade do executado, e, nesses casos, considerou-se-a mais importante que o direito do credor ao crédito exequendo.83

O referido artigo 649 do CPC, portanto, revela já a ponderação feita pelo legislador entre os princípios da dignidade da pessoa humana e efetividade da execução, realizando um prévio juízo entre os interesses envolvidos na tutela jurisdicional executiva e optando, por óbvio, pela mitigação do direito do exequente, em favor dos direitos do executado. A redação do referido artigo é a constatação de que a efetividade do procedimento de execução é princípio mitigado pelo exacerbado protecionismo despendido ao devedor.

Por mais cuidadoso que tenha sido o legislador ao elaborar o rol do artigo 649 do CPC, basta uma breve leitura para constatar a extensa lista dos bens classificados como absolutamente impenhoráveis, somados à regra estabelecida na Lei nº 8.009/90 e nos arts. 1711 a 1722 do Código Civil, de 10 de janeiro de200284, que trata dos bens de família. Essa situação explica, em grande parte, a inefetividade da execução, visto que o referido rol não condiz com a realidade social da população brasileira.

Uma pequena parte dos cidadãos brasileiros possui bens que excedam os descritos nos incisos do art. 649, o que basicamente impossibilita que essas pessoas sofram qualquer tipo de constrição patrimonial em execução. Some-se a isso a facilidade que os devedores têm em fraudar credores e a execução.

83 ABELHA, 2009, p. 91.

84 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >. Acesso em: 01out 2014.

Portanto, mesmo que haja um sistema processual perfeitamente elaborado, o art. 649 traz uma grande proteção ao devedor, o que praticamente inviabiliza a satisfação do crédito em execução.

Prova disso é que, de acordo com o art. 791, inciso III, do CPC85, caso não sejam encontrados bens passíveis de penhora, a execução é suspensa, tem seu prosseguimento prejudicado, ou seja, o credor arca com o prejuízo e ponto. Em consequência, é muito comum ver processos de execução tramitando por vários anos, com seguidos insucessos de constrição de bens, deixando o devedor sem qualquer alternativa por não querer desistir de recuperar seu crédito, mas não encontrando meios de reavê-lo.

Esse exagerado protecionismo ao devedor traz consequências que ultrapassam a relação entre exequentes e executados.

Ao dificultar a satisfação do crédito, o legislador, de certa forma, premiou a inadimplência do devedor que, fora a inscrição do seu nome em cadastros de restrição ao crédito, não sofre qualquer outro tipo de coerção que o “motive” a efetuar pagamento de seu débito, o que o estimula a permanecer devendo.

Esse comportamento gera uma reação em cadeia na economia do país: o investidor, preocupado com o alto índice de inadimplência e com as baixas garantias que a lei lhe proporciona, além de diminuir a oferta de crédito no mercado, exige maiores garantias para emprestar e, como consequência, a taxa de juros acaba se elevando. Em outras palavras, a sociedade como um todo tem seu crescimento e desenvolvimento prejudicado e o bom pagador arca com os prejuízos causados pelos inadimplentes.

A consequência dessa sucessão é facilmente identificada na economia brasileira. Basta observar os altos juros cobrados no cheque especial, nos financiamentos e, principalmente, nos empréstimos feitos sem garantia real ou pessoal. Quem precisa desse tipo de crédito acaba refém de juros absurdos, que se justificam pelo grande número de inadimplentes e a baixa garantia dada pelo legislador aos credores.

Diante de tal quadro, que afeta inclusive a segurança jurídica, os doutrinadores e o próprio judiciário passaram a questionar o teor das impenhorabilidades, principalmente a que diz respeito o inciso IV do art. 649 do CPC, que parece ser a que mais inviabiliza a efetividade da execução.

85“Art. 791 - Suspende-se a execução: [...]