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2. POLÍTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS

2.4 A implementação e seus limites

Os estudos sobre a implementação de políticas públicas no Brasil tornam-se frequentes, notadamente no setor público e no meio acadêmico, bem como em organizações da sociedade civil, especialmente nas ONGs e nas diversas mídias. É essencial entender que implementar algo, ou alguma coisa, significa, sobretudo, executar, planejar uma ação (programa, projeto), e fazer funcionar na prática por meio de atos palpáveis, concretos. Faria (2012), constata que, no Brasil, há uma fragilidade nos estudos dedicados à implementação, especialmente nos relacionados às políticas públicas, mesmo não descartando o boom ocorrido na área das políticas públicas na década de 2000, com a implantação dos cursos de pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado) proliferados no País.

Para Gontijo (2012), esse boom ocorrido na área acadêmica está relacionado ao aumento das demandas, da multidimensionalidade dos problemas a serem abordados, assim como do arrefecimento dos recursos necessários na execução das políticas. O autor afirma que, a partir das transformações políticas e culturais ocorridas no interior dos países ao longo dos últimos anos, bem como da crise fiscal dos anos de 1970, novas demandas foram legitimadas e incorporadas à agenda governamental. Em função desse contexto, houve a necessidade de encontrar modelos de gestão que melhorassem a administração em seus vários aspectos.

O conceito de implementação envolve menos debate e se entende como um processo caracterizado por uma etapa, em que atos e efeitos são gerados dentro de um marco normativo de intenções que reúne um conjunto de ações a partir de objetivos e metas constituídos por uma política e incluídos como almejáveis (SIMAN, 2005). Historicamente, os estudos ligados à implementação resultavam de campos teóricos: top down ou estudo da administração pública e o do enfoque da ciência política ou bottom up, que concentrava nos inputs ambientais e nos outputs gerados pelo sistema.

O modelo top-down obedece à visão tradicional do trabalho administrativo que cresce de cima (top) para baixo (down) ou do núcleo para a periferia. Dias e Matos

(2012) afirmam que as três bases principais desse modelo (seus postulados) são: “a primazia hierárquica da autoridade, a distinção entre o universo político e o mundo administrativo e, por último, a busca de eficiência” (p.81). O modelo pressupõe uma nítida separação, tanto de conceito como de tempo, entre a formulação e a deliberação da política, por um campo, e por outro, entre o ato de executar e decidir. Na abordagem botton-up, o pensamento é contrário, de baixo (nível técnico) para cima (nível político), bem como considera que se deva construir uma política pública de maneira gradativa, com regras, procedimentos e estruturas, ou seja, de baixo para cima, de modo ascendente.

Silva e Mello (2000) entendem a implementação como a execução de atividades das ações planejadas pelos governos, no intuito da obtenção das metas projetadas no processo de formulação de políticas. Para Minogue (1983), a implementação é uma etapa importante da ação política, porque é nessa fase que os objetivos planejados pelos governos devem ser atingidos, pois, se houver falha, a gestão é considerada inadequada, incompetente no processo de gerenciamento. Por isso, a implementação de política pública envolve escolhas e decisões a serem tomadas entre os vários objetivos e ações planejadas. Também envolve a vinculação entre a intenção de um governo e os seus resultados na prática, bem como expectativas versus resultados alcançados da política.

Por isso, a implementação é uma etapa que exige dinamismos, e seu processo demanda significado próprio, pois não se restringe à tradução de uma dada política em ação, mas na transformação da política em si. É a etapa em que a política formulada se traduz em programa e, em geral, obedece aos objetivos e diretrizes. É a fase cuja ação é estipulada durante a formulação das políticas e que produz, do mesmo modo, certos resultados e impactos.

As políticas públicas são arquitetadas, definidas e implementadas por pessoas, que, por sua vez, são comprometidas de vários modos por elas. Toda a execução de uma política pública é um processo imbricado que revela a estruturação e o modo de funcionamento de um sistema político-institucional, assim como também a repartição do poder político entre os vários interessados na deliberação ou envolvidos nela.

Duas são as abordagens hegemônicas que transitam na literatura sobre implementação de políticas públicas. A primeira toma como foco de análise o processo de formulação, e suas variáveis se referem às normas que as constituem, descrita por D‟ancenzi e Lima (2013) como sequencial. A política pública é vista como um

encadeamento de etapas distintas e conduzidas por lógicas desiguais. O segundo, modelo analítico, ressalta elementos dos contextos de ação nos quais a política será implementada, e suas variáveis são as qualidades dos ambientes (espaços) e as burocracias implementadoras. D‟ancenzi e Lima (2013) afirmam que o modelo (analítico) apresentado é limitado por centrar ou focarem suas análises nas estruturas normativas e nos atores implementadores e em suas ações, deixando brecha para a inclusão de variáveis ligadas às ideias, aos valores e às concepções de mundo dos diferentes autores. Assim, políticas públicas nascem de ideias, que são perenes. Por isso, os modelos propostos devem introduzir variáveis cognitivas, como, por exemplo, as ideias e visões de mundo dos atores, porque elas interferem nos resultados de uma implementação de políticas públicas.

Silva e Mello (2000) examinam três modelos de implementação, que são: clássico do ciclo da política, que desconsidera a implementação e seus resultados retroalimentadores, ou seja, não considera a implementação um processo, mas um jogo de uma só rodada, em que o governo implementa suas ações de cima para baixo (top down); linear, em que o processo de formulação e implementação são complementares e não separados. Nesse sentido, o monitoramento e a avaliação das ações (políticas) são considerados instrumentos de reformulação das políticas. O terceiro e último é aquele em que a implementação é vista como um jogo, como: “redes, aprendizado institucional e stakeholders – é um jogo entre implementadores em que papéis são negociados, os graus de adesão ao programa variam e os recursos entre atores são objeto de barganha” (SILVA e MELLO, 2000, p.16).

É necessário entender que a implementação de políticas públicas deve ser compreendida como um processo, por meio do qual os objetivos previstos podem ou não ser implementados. São inúmeros os fatores que interferem nesse processo, e podem ser internos ou externos ao agente implementador como, por exemplo: a adequação da política, suficiência e disponibilidade de tempo e recursos; a característica da política em termos de causa e efeito; a comunicação, coordenação e a “obediência”. Segundo Carvalho et al. (2010), seu sucesso estaria ainda relacionado “à adequação de sua direção top-down ou botton-up ao tipo de política e ao ambiente onde é implementada. Do processo de negociação, à natureza do foco da política; às ações e relações entre os implementadores e sua capacidade de adaptação” (p. 10).

Por isso, é ímpar que os implementadores compreendam e considerem o desenho organizacional, as regras, as pressões e situações vividas pelos funcionários (técnicos) no cotidiano de seu trabalho, pois o Estado não é um ator unitário, mas fragmentado de cima a baixo. Assim, os estilos de uma implementação afetam os resultados de uma política pública. Lotta (2012), ao estudar as funções dos burocratas de rua, ou seja, o profissional que atua implementando as políticas públicas na ponta (professores, médicos e policiais) afirma que esses indivíduos nas democracias modernas são fundamentais no processo de implementação das políticas públicas, em função de suas relações direta com o público-alvo, pois é por meio deles que o cidadão consegue acessar a administração pública. Há uma interação contínua com a população em seu trabalho, bem como pela competência técnica e vivência na comunidade, se tornando o “locus da ação pública, na medida em que são responsáveis pela mediação das relações cotidianas entre o Estado e os cidadãos” (LOTTA, 2012, p. 25).

As ações públicas estão intimamente relacionadas às demandas apresentadas pelos atores sociais, que podem ser públicos (parlamentares) e burocratas (técnicos de carreira). Todavia elas precisam entrar na agenda governamental como prioridade. Em seu processo de constituição e consolidação, as políticas públicas percorrem caminhos de acordos, tensões, conflitos e etapas, até a sua decisão final, e é delimitada pela assimetria de recursos de poder entre os mesmos, assim como pela gama de informações e a capacidade de exercer pressão e de aliança.

Desse modo, as políticas públicas são colocadas em prática a partir de grupos multiorganizacionais, envolvendo diversos atores que edificam estruturas de implementações a partir de suas interpretações, afinidades, visão de mundo, ideias e, logicamente, negociações e conflitos. Por isso, ressalto que não é possível entender a produção das políticas públicas, tendo somente como referência os modelos tradicionais, haja vista as diversificações e complexidades dos processos, especialmente, pela participação de novos atores na arena política, como, por exemplo, as organizações não governamentais e a entrada de temas emergentes (a questão ambiental, o aumento da população de idosos, o turismo). Existe, portanto, uma infinidade de abordagens e teorização, as quais procuram “dar inteligibilidade à diversificação dos processos de formação e gestão das políticas públicas em um mundo cada vez mais caracterizado pela interdependência assimétrica, pela incerteza e pela complexidade das questões que

demandam regulação” (FARIA, 2003, p. 22). Por isso, as abordagens tradicionais se tornaram incapazes de entender e atender toda essa moderna construção.

Nesse sentido, é plausível afirmar que a participação efetiva na condução e no planejamento de políticas públicas (regionais e/ou municipais) dependerá muito do nível e dos padrões de cultura política dos seus integrantes, porque as desigualdades na representação política e social, sem dúvida, influenciam na composição da agenda social afetando, a democratização dos processos e suas instâncias no momento de definir as políticas públicas e, consequentemente, a alocação de recursos. Além disso, há uma visão social do Estado por parte da população, de pouco crédito. Vale ressaltar ainda que as políticas públicas são materializadas por intermédio de alguns instrumentos legais (Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentária – LDO, Lei Orçamentária Anual – LOA); pelas ações de governo (programas, projetos e ações) e por definições normativas, tais como leis, decretos, portarias e demais instruções (MATIAS-PEREIRA, 2012).

Com a globalização e o acesso, em ritmo acelerado, às informações de cunho administrativo e estatístico, a partir das tecnologias sociais de comunicação, como a internet, Disco Compacto de Memória Apenas de Leitura (CD-ROMS) inteligentes, arquivos de microdados, a sociedade organizada passou a ter maior poder de fiscalização e controle com o uso dos recursos públicos. Desse modo, é necessário que o Estado consolide e aprimore instrumentos de controle social condizentes com as mudanças institucionais da administração pública, com o intuito de tornar os governos mais eficientes e confiáveis nos serviços públicos, a fim de orientar suas ações e, assim, proporcionar níveis crescentes de bem-estar social da população. A seguir, enfatiza o último ciclo da política pública, que é o acompanhamento, monitoramento e avaliação. Esse momento se configura como elementar no contexto global de uma política pública, por ser a fase em que é possível conhecer sobre o êxito ou não de uma determinada política.