• Nenhum resultado encontrado

2. POLÍTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS

2.3 Como são formuladas as agendas

Na literatura, é possível encontrar diferentes modelos que buscam explicar como as demandas são transformadas em ações governamentais. Neste estudo, me interessa entender como se forma a agenda (agenda-setting) e as alternativas no processo de formulação de políticas (policy formulation). Além disso, também interessa debater como ocorre o processo de implementação, a partir da decisão dos formuladores de políticas públicas. É intenção, mesmo não sendo objeto desse estudo, fazer uma breve discussão do processo relativo à avaliação das políticas públicas, a fim de compreender o contexto e como sua problemática tem sido tratada pelos autores da área.

Kingdon (2003), no modelo de múltiplos fluxos (multiple stream), tenta explicar a conformação para formação de uma agenda e suas alternativas de formulação. O autor busca entender o porquê alguns problemas se tornam importantes para um governo e como uma ideia se implanta no conjunto de preocupações dos formuladores de políticas e se transformam em uma política pública. Ainda, avalia as políticas públicas como um conjunto constituído por quatro processos que abrangem: o estabelecimento de uma agenda de políticas; a especificação de alternativas a partir das quais as opções vão ser realizadas; a escolha dominante entre o conjunto de escolhas disponíveis e, finalmente, a implementação da decisão. Kingdon (2003) ressaltou os dois primeiros momentos que chamou de “estágio pré-decisório”: a formação da agenda (agenda-setting)12 e a especificação de alternativas (policy formulation).

O modelo preconizado por Kingdon (2003) foi, primeiramente, proposto para analisar as políticas públicas nas áreas de saúde e transportes do governo federal norte- americano, mas transformou-se em referência para os estudos voltados à análise da formulação das demais políticas governamentais. Baseado em dados empíricos obtidos por meio de entrevistas com funcionários públicos de alto escalão, Kingdon (2003) definiu que a agenda governamental é formada por um conjunto de questões sobre os

12 O processo de agenda-setting de Kingdon (2003) tem suas raízes no “modelo lata de lixo” (garbage can model) sugerido por March, Olsen e Cohen (1972), ou seja, é como as opções, de políticas públicas estivessem em uma “lata de lixo”, porque existem vários problemas e poucas soluções. Para esse modelo, as organizações são consideradas “anarquias organizadas”, que operam em condições de insegurança e equívoco. Os autores tomaram como base as universidades e governos nacionais a partir de três características comuns entre esses referidos atores: participação fluida, preferências problemáticas e tecnologia pouco clara. O modelo “garbage can” apresenta, em suas estruturas de decisões, fragilidades e pouca consistência pela dificuldade de conciliação das preferências individuais dos atores (CAPELLA, 2004; SOUZA, 2006).

quais o governo e pessoas vinculadas a ele prendem sua atenção por um determinado período. Assim, um assunto passa a ser componente da agenda governamental, quando chama a atenção e o interesse dos formuladores de políticas. Todavia, por causa da complexidade e da quantidade de demandas que se apresentam a esses formuladores, poucas serão consideradas num determinado momento. As questões que sobrevivem a esse processo seletivo e competitivo farão parte da agenda decisional. É composta assim a agenda decisional: um subconjunto da agenda governamental, que considera assuntos acabados para uma decisão ativa dos formuladores de políticas, ou seja, prontas para se transformarem em políticas (policies).

Segundo Kingdon (2003), toda essa distinção se faz indispensável, porque ambas as agendas são comprometidas por procedimentos distintos. O autor ressalta que existem ainda as agendas especializadas, ou seja, agendas específicas, que refletem a natureza setorial da formulação de políticas públicas (das áreas de saúde, transportes e educação).

Kingdon (2003) caracterizou o governo federal norte-americano como uma “anarquia organizada”, na qual três fluxos decisórios (streams) acompanham seu curso de formato relativamente independente, transpondo toda a organização. Em momentos nevrálgicos, esses fluxos convergem e é precisamente nessa ocasião que são produzidas alterações na agenda. Desse modo, a mudança da agenda é o resultado da convergência entre três fluxos: problemas (problems); soluções ou alternativas (policies) e políticas (politics). O primeiro fluxo ocorre quando surge uma questão para, em seguida, configurar-se como problema, e esses, por sua vez, são construções sociais envolvendo interpretação. Três mecanismos são apontados pelo autor, para que as questões se tornem problemas: (1) indicadores; (2) eventos, crises e símbolos; e (3) o feedback13.

Capella (2006), ao analisar o modelo de multiple stream de Kingdon, afirma que os atores são importantes na formulação de agenda. Existem dois tipos de atores: os visíveis (recebem atenção da imprensa e do público), os quais podem ser o presidente do país, indivíduos nomeados pelo presidente, poder legislativo, participantes do processo eleitoral, grupos de interesse, mídia e opinião pública, e todos atores estão

13 O primeiro mecanismo (indicadores) ocorre quando é apontada uma situação que necessita de uma

solução como a falta de médicos para preencher uma lacuna no interior dos estados do Norte e do Nordeste, ou as altas taxas de mortalidade infantil; o segundo (eventos, crises e símbolos) vem ao debate e pode ser incorporada à agenda de demandas, como crises ocasionadas por situações de desastres naturais (terremotos, enchentes prolongadas). Nesse sentido, a ação do governo é imperativa, pois o cidadão não deve correr riscos. E, por fim, o feedback, que ocorre quando há uma avaliação (monitoramento) positiva e/ou negativa das ações do governo.

diretamente relacionados ao fluxo de problema; e os atores invisíveis (forma as comunidades nas quais ideias são geradas e postas em circulação), que são os servidores públicos, analistas de grupos de interesse, assessores parlamentares, acadêmicos, pesquisadores e consultores. Os atores invisíveis estão relacionados ao fluxo das alternativas (ideias) e são determinantes, assim, sua participação ocorre principalmente sobre a agenda de decisão.

Baumgartner e Jones (1993) desenvolveram outro modelo, que intitularam teoria do equilíbrio pontuado (punctuated equilibrium). O objetivo do modelo era criar mecanismos que permitissem aos formuladores de políticas uma análise da situação, tanto nos períodos de estabilidade, como nos que ocorrem mudanças rápidas no processo de formulação de políticas públicas. Por isso, a teoria procura explicar como os processos políticos são, na maioria das vezes, conduzidos por uma lógica de estabilidade e incrementalismo, mas, em outras situações, provocam mudanças em grande escala. Os autores tomaram como base dois eixos: estruturas institucionais e processo de agenda-setting.

Baumgartner e Jones (1993) afirmam que longos períodos de estabilidade, em que as mudanças se processam de forma vagarosa, incremental e linear, são obstruídos por momentos de acelerada mudança (punctuations). Essa ideia é aproveitada nas agendas, que alteram de forma acelerada devido ao que os autores chamam de feedback positivo: algumas questões se tornam importantes, atraindo outras que se difundem rapidamente, num efeito cascata (bandwagon). Isso acontece quando algumas ideias se tornam conhecidas e se disseminam, assumindo o lugar antes ocupado pelas velhas ideias, abrindo espaços para novos movimentos políticos.

As multiplicidades de questões que estão envolvidas num processo político levam os governos a agirem de forma limitada. Em função disso, delegam poderes aos seus agentes governamentais, os quais processam as questões em subsistemas políticos. Esses subsistemas incorporam as questões de forma equivalente, enquanto os líderes governamentais (microssistema) ocupam-se de questões relevantes de forma sequencial. Portanto, de acordo com o modelo de Baumgartner e Jones (1993), muitas ideias recebem atenção nos subsistemas, formados por comunidades de especialistas (à semelhança das policy communities), e permanecem; e outras integram o microssistema, originando alterações na agenda. Os autores criam o conceito de policy image, como forma de instrumentalizar o modelo. As policy images (ideias que dão suporte aos

arranjos institucionais) são disseminadas entre os integrantes de uma comunidade, e esse processo é essencial para modificação rápida e, consequentemente, seu acesso ao macrossistema.

Assim, esses diferentes modelos apresentados como parâmetros para a formação, formulação de agendas e implementação devem ser apreciados como “ferramentas” analíticas, úteis no entendimento do fenômeno estudado. Na verdade, a ação pública é caracterizada por incoerências, ambiguidades e incertezas em todos os estágios e em todos os momentos. Por isso, qualquer política pública é, um esforço de coordenação de forças centrífugas que operam no interior da própria máquina estatal e na sociedade.

Vale ressaltar que a formulação de políticas é, com frequência, marcada pelo fato de que muitos decisores de política não sabem exatamente o que querem, tão pouco o seu possível resultado, além disso, as políticas adotadas são o resultado de um processo de negociação, por meio do qual o desenho original de um programa, de um projeto, é substancialmente mudado, para satisfazer os grupos de pressão. Por fim, ainda existe a alternância de governo (de grupos políticos, partidários), que afeta e influencia em seu processo de debate e de continuidade, pois expressa variadas preferências e percepções sobre os problemas e suas possíveis soluções a serem enfrentadas pelos governos.

Na formulação de políticas públicas, devemos considerar alguns parâmetros indispensáveis ao processo, que são: quem decide o quê; quando (prazo); quais as consequências e para quem. Todas essas questões estão intimamente ligadas à natureza do regime político em que se vive, bem como ao nível de organização da sociedade civil e à cultura política da atualidade. O processo de formulação também exige um planejamento, pois, em uma sociedade democrática, a participação dos vários grupos nas reuniões sistemáticas, nos debates, é um suporte elementar para as definições, porque a formulação de soluções e a tomada de decisões representam uma etapa determinante da produção de políticas públicas.

Rua (1997), por sua vez, apresenta três modelos orientadores para formulação de alternativas, ao se propor políticas públicas. São eles: incremental ou adaptativo; racional compreensivo e mixed-scanning. O primeiro modelo, de viés conservador, entende que a solução de problemas ocorre gradualmente, sem antecipação de modificações expressivas, permitindo, com isso, que o fluxo da política ocorra com facilidade, caso haja necessidade de mudança. Segundo a autora, o modelo não faz uma

análise profunda da realidade e dos conflitos envoltos nos processos decisórios, porque entende que a melhor decisão a ser tomada no sentido de produzir os resultados esperados, é aquela que assegura o acordo entre os interesses envolvidos, haja vista que a decisão de uma alternativa, por mais adequada e fundamentada tecnicamente, tem haver com as relações de poder.

A análise que Rua (1997) faz do modelo racional-compreensivo é que seu alcance é maior e que é admissível, antes de assumir decisões de impacto, conhecer o problema antecipadamente. Os decisores orçam os recursos a serem maximizados antes de apresentar as opções e suas respectivas implicações. A seleção da alternativa adotada e suas consequências são feitas a partir de uma análise ampla e detalhada. O modelo apresenta dois problemas, segundo a autora: o primeiro diz respeito à suposição da existência de um ambiente com acesso perfeito à informação, e o segundo relaciona-se a não levar em conta as relações de poder nas tomadas de decisão.

O último modelo analisado por Rua (1997) é o mixed-scanning, o qual consiste na distinção entre as deliberações estruturantes e incrementais. As deliberações estruturantes decidem os rumos das políticas em geral, assim como a estrutura e o contexto das decisões incrementais; que realizam uma revisão criteriosa sobre as soluções consideradas específicas da política. Rua (1997) sintetiza, assim, o modelo:

O mixed-scanning requer que os tomadores de decisão se engajem em uma ampla revisão do campo de decisão, sem se dedicar à análise detalhada da cada alternativa (conforme faz o modelo racional- compreensivo). Esta revisão permite que alternativas de longo prazo sejam examinadas e levem a decisões estruturantes. As decisões incrementais, por sua vez, decorrem das decisões estruturantes e envolvem análise mais detalhadas de alternativas específicas(p. 10). Depois dessas fases/etapas e a partir do momento em que as alternativas se configuram, outro momento se inicia: a etapa denominada implementação. Segundo Rua (1997), a etapa de implementação é considerada relevante, mas, na realidade, a separação entre elas é mais um recurso didático para fins de análise do que um fato concreto do processo político em si. Não é possível compreender a implementação de uma política pública dentro de um contexto social, se as etapas iniciais dessa política não forem seguidas em todas as suas dimensões. Por conseguinte, todos aqueles com pretensão política e desejosos de alcançarem determinados resultados e/ou produzirem certos efeitos na melhoria de um problema em um setor da sociedade devem saber dessa

sua complexidade, posto que a política pública origina as diferentes formas de política que implicam várias redes de atores, novas arenas, estruturas de decisões e situações diversas.