• Nenhum resultado encontrado

Significados, finalidades e processos das Políticas Públicas

2. POLÍTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS

2.2 Significados, finalidades e processos das Políticas Públicas

O estudo das políticas públicas busca o entendimento da ação das autoridades públicas na sociedade, ou seja, o que os governos produzem para se alcançar resultados, que meios utilizam, como tomam decisões, alocam recursos e impõem obrigações nos variados âmbitos, dentro dos quais se efetivam as estratégias políticas de conflito e consenso. A importância desse campo é que nos permite compreender a conformação das políticas públicas em geral (nacional, estadual ou municipal) e a complexidade que lhe é intrínseca. Por isso, a análise de política, ao focar-se no comportamento dos atores sociais e no processo de formulação da agenda e da política, busca entender o porquê e para quem aquela política foi elaborada e não somente olhar o conteúdo da política pública em si.

Durante algum tempo, a ciência política (tradicional) só tinha a preocupação de estudar as instituições e as estruturas de governo, assim como os comportamentos políticos e os processos associados com a policy making9. Não eram preocupações dessa

ciência as relações entre os arranjos institucionais e o conteúdo das políticas públicas. As questões essenciais baseavam-se em entender de que maneira ocorria a distribuição do poder, em que consistia o conflito, e, quem ganhava e quem perdia em cada alternativa. Um exemplo dessa visão está nas ideias behavioristas, que se preocupavam com os processos e os comportamentos associados com o governo, em que as relações entre comportamentos e o conteúdo das políticas públicas não faziam parte do seu interesse central. Por essa razão, a preocupação estava no campo dos fenômenos políticos em sua significação restrita: eleições, partidos, parlamentos e governos. Seu interesse principal era o sistema político (politics) e por isso, via as políticas públicas como variáveis dependentes da política (FARIA, 2012)

Atualmente, novas visões foram incorporadas, e o foco das Ciências Políticas modificou-se. As investigações são voltadas aos resultados que um dado sistema político vem produzindo, ou seja, o interesse central consiste em avaliar as

contribuições que certas estratégias escolhidas podem trazer para a solução de problemas específicos. O seu sucesso decorrerá da clareza dos objetivos, pois é imprescindível que os implementadores compreendam a política. Sendo assim, a atividade política do Estado se concretiza sob a forma de políticas públicas, agindo ora no bloqueio, ora em sua implantação, a partir dos resultados das coalizões, dos acordos dos grupos de interesse.

Conceituar política pública é uma tarefa complexa, sobretudo porque não existe uma única forma de abordar, compreender e estruturar o tema. A maioria das definições aponta para a ideia de que política pública é uma ação do Estado, para solucionar e/ou amenizar uma situação apresentada como problema pelos atores ou pelos agentes políticos. O tema é vasto e difícil de condensar, do ponto de vista teórico, conceitual e metodológico. São inúmeros os fatores que se entrelaçam nessa teia, dos quais ressalto os seguintes: as bases conceituais das formalizações mudam constantemente (são acrescidas novas variáveis) na medida em que os sistemas políticos e as sociedades se tornam mais complexos e se interpenetram por força da transnacionalização das economias, da globalização dos problemas sociais, custeado pelo atual modelo capitalista e pelos avanços tecnológicos. Nesse sentido, sua conceituação está em constante processo de produção de pensamentos com o intuito de adicionar novas contribuições.

Dias e Matos (2012) argumentam que, para se debater políticas públicas, deve- se, antes de tudo, entender o conceito de público. Nesse sentido, público é tudo aquilo que é contrário à ideia de “privado”, individual, ou seja, são ações que envolvem o domínio da atividade humana, necessitando de uma intercessão governamental ou de uma atuação em comum. As decisões, nesse âmbito, devem afetar os indivíduos em comunidades, não devendo pertencer a ninguém e o seu controle deve ter objetivos públicos bem clarificados, independentemente do seu alcance e dimensão.

Souza (2006) e Rua (2009) definem política pública como todas as ações do governo e não apenas aquelas com intenções explícitas, assim como também a inação (o que os governos decidem não fazer). Souza (2006) conceitua a política pública como sendo um “campo de conhecimento que busca, ao mesmo tempo, colocar o „governo em ação‟ e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações” (p. 69). A política pública permite uma distinção entre o que o governo pretende fazer e o que de fato faz, a partir de procedimentos formais e informais. Isso

porque, embora a política pública implique a tomada de decisão política, nem toda decisão política constitui-se em política pública (RUA, 2009), uma vez que sua implementação e consequente execução, em qualquer área, dependerá do jogo político (coalizões dos grupos a partir de um processo de barganha e negociação política), que exerce influência sobre a agenda governamental, bem como de essa se tornar prioridade.

Um exemplo de decisões que não se tornaram políticas públicas é o da emenda constitucional para reeleição presidencial, ou a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), ou, ainda, a criação de um novo estado da federação. No entanto, a reforma agrária, o Sistema Único de Saúde, o financiamento da educação básica ou a adoção de mecanismos de transferência de renda se concretizaram como políticas públicas. Portanto, as políticas públicas tornam-se como tais quando são institucionalizadas, ou seja, quando são sancionadas/regidas por uma lei, tornando-se uma política de Estado e não somente de governo.

Nesse sentido, o processo decisório de uma política pública depende de inúmeros fatores. Dentre esses, estão o volume de decisões e a sua incapacidade de resolver todos os problemas ao mesmo tempo, levando os formuladores de políticas a fazerem suas opções a partir de suas percepções e interpretações. É importante enfatizar que embora as políticas públicas possam ocorrer sobre o domínio privado (família, mercado e religião), elas não são privadas. Mesmo que entidades privadas possam tomar parte de sua formulação ou compartilhem sua implementação, a possibilidade de o fazerem está salvaguardada por decisões públicas, ou seja, decisões tomadas por burocratas governamentais com base no poder imperativo do Estado (RUA, 2009).

Para Easton (1970), a política pública é como um sistema, ou seja, é uma relação entre formulação, resultados e o ambiente: “é uma teia de decisões que alocam valor” (p.130). Segundo o autor, políticas públicas recebem inputs10 (demandas e apoios)dos

partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos. As demandas para formulação das agendas de políticas públicas podem se apresentar

10Inputsé uma expressão da língua inglesa que significa entrada e é utilizado na área da Tecnologia da

Informação (TI), como também em outras áreas da atividade humana. Na política pública, usa-se o termo para as demandas e apoios da sociedade na formulação das agendas. Os inputs afetam o sistema político e se originam do meio ambiente, por exemplo, reivindicações de bens e serviços, como saúde, educação, estradas, transportes, segurança e controle de produtos alimentícios. Podem ser, ainda, demandas de participação no sistema político, como reconhecimento do direito de voto dos analfabetos, acesso a cargos públicos para estrangeiros, organização de associações políticas, ou, ainda, demandas de controle da corrupção, de estabelecimento de normas para o comportamento dos agentes públicos e privados.

ora da sociedade – inputs – ora do próprio sistema político – withinputs11

. Elas são resultados da atividade política do Estado e, por isso, são revestidas de um caráter “imperativo”, ou seja, uma de suas principais características é que são decisões e ações revestidas da autoridade do poder público, além do que envolvem alocação de recursos. De acordo com Easton (1970), os inputs e os withinputs podem expressar demandas e suporte. As demandas podem ser, por exemplo, reivindicações de bens e serviços, tais como saúde, educação, transportes, segurança pública, controle de produtos alimentícios, previdência social. Enquanto as de suporte ou apoio dizem respeito à obediência e ao cumprimento de leis e regulamentos, atos de participação política, como o ato de votar e apoiar um partido político. Easton (1970) afirma ainda que as demandas estão categorizadas em três seguimentos: demandas novas – entendidas como aquelas resultantes de novos problemas ou de novos atores políticos; demandas recorrentes – aquelas em que os problemas deixaram de ser resolvidos e/ou mal resolvidos; e, por fim, demandas reprimidas – compostas por um estado de coisas ou pela falta de tomada de decisões do governo.

Hofling (2001) conceitua as políticas públicas como as “formas de interferência do Estado, visando à manutenção das relações sociais de determinada formação social” (p. 30). Se o entendimento de políticas públicas é o “Estado em ação”, fica subentendido que é o Estado colocando em prática suas ações de governo, por meio de programas para esferas específicas da sociedade, pois as políticas públicas tratam de um fluxo de decisões públicas, a fim de conservar e manter o “equilíbrio social”. Na atualidade, o processo de política pública desponta como forma de lidar com as precariedades decorrentes das aceleradas mudanças nas sociedades, com a finalidade de responder, de forma mais eficiente, às demandas, anseios e necessidades sociais. Logo, as políticas públicas não podem ser mero discurso político e tecnocrático em períodos eleitorais e/ou em épocas de calamidade pública.

Lowi (1972) apresenta um modelo de política pública que exemplifica as razões porque o governo realiza ou deixar de realizar determinada ação que ecoará na vida da população e/ou das pessoas. Lowi (1972) desenvolveu, nesse campo, uma máxima, a

11Withinputs são também demandas e apoios. No entanto, se diferenciam dos inputs pelo fato de aqueles

serem originários do próprio sistema político vigente, dos agentes do executivo (ministros, burocratas, tecnocratas) dos parlamentares, do judiciário. Enquanto os inputs emergem dos indivíduos ou grupos, em resposta às condições ambientais ou problemas observados e agem para afetar o conteúdo da política pública. O withinput de demanda são aquelas originárias do próprio sistema político e o withinput de apoio são os atos geralmente direcionados para o sistema político ou direcionados para a classe governante.

qual o deixou conhecido, que é “a política pública faz a política”, ou seja, cada tipo de política pública vai encontrar formas de apoio e de rejeição e que as disputas em torno de sua decisão passam por campos de disputas diferenciadas. O autor sugere quatro modelos de política pública: distributiva – decisões do governo, que desconsidera os recursos restritos, causando impactos mais individuais do que universais, ou seja, deliberações de ações públicas definidas pelo próprio governo; regulatórias – as mais palpáveis ao público, pois envolve a burocracia, os políticos e grupos de interesses. As suas ações são desenvolvidas e realizadas para a população, após terem sido debatidas pelo governo e seus membros (parlamentares, políticos); redistributivas – entendidas como sociais, universais, como, por exemplo, o sistema tributário e o sistema previdenciário; e, políticas constitutivas – as que lidam com procedimentos, pois pensa a política pública mais na sua formatação do que na aplicabilidade de ações na realidade.

Baseada em Souza (2006), Rua (2007) e Capella (2006), ressalto que a política pública é estudada a partir das seguintes etapas e fases: formação da agenda, em que se determina e se escolhe o pleito ou a necessidade social; lista de prioridades do poder público e elaboração, que consiste na identificação e delimitação do problema atual ou potencial da comunidade. Essa também é a fase em que os implementadores de políticas avaliam os custos e efeitos de cada uma delas e elegem as prioridades. A etapa seguinte é a formulação, a que inclui a seleção e especificação da alternativa considerada mais conveniente, em que se decidem os objetivos, marco jurídico, administrativo e financeiro. A terceira fase do processo é a implementação, que é constituída pelo planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos (burocratas), recursos financeiros, materiais tecnológicos necessários para a execução da política, preparação dos programas e projetos da política pública. A quarta fase é a execução, a qual consiste em pôr em prática o conjunto de ações estabelecidas pela política. Nessa etapa, ocorre o estudo dos obstáculos que podem impedir a transformação da proposta em um bom resultado, consistindo no acompanhamento, visto como processo de supervisão da atividade, a fim de corrigir eventuais distorções. Por fim, ocorre o monitoramento e a avaliação compreendendo a mensuração e a análise, a posteriori, dos efeitos ou não, produzidos na sociedade, podendo, nesse último estágio do ciclo, resultar uma nova política e/ou a adequação da atual.

Ressalto, no entanto, que essa divisão por fases e etapas das políticas públicas é uma esquematização teórica, e que o processo nem sempre segue essa sequência. No entanto, segundo os estudos de Saravia e Ferrarezi (2006), as etapas e suas fases constitutivas estão quase sempre presentes na política pública, e elas são distintas, porém não estanques e se autoalimentam continuamente.

Diante desse contexto, me arrisco a afirmar que o papel desempenhado pelas políticas públicas, a partir de suas prerrogativas e de suas possibilidades e/ou potencialidades, pode ser reduzir a pobreza e as desigualdades sociais, alargar a cidadania e tornar-se via de acesso para uma forma de integração da sociedade. Isto porque elas também animam as pessoas a operarem de uma determinada maneira, criando em muitos casos redes econômicas e sociais. Embora não sejam capazes de eliminar as causas estruturais da pobreza e das exclusões sociais do cotidiano das cidades e/ou dos países, porque, com a complexidade das sociedades, há uma diversidade de novas demandas requerida para que o Estado programe ações de políticas públicas, exigindo um elevado grau de inovações. Por isso, as estruturas administrativas de intervenções das instituições públicas devem ser revistas, reinventadas, sair desse modelo arcaico, tradicional nos seus diversos níveis de atuação e administração, que dificulta a resolução e/ou solução dos problemas.

É preciso pensar as políticas públicas a partir de uma visão multissetorial, porque permite maior e melhor agilidade nas respostas às demandas da sociedade, enxerga o cidadão na sua totalidade e estabelece uma nova lógica para a gestão da cidade, extinguindo a forma dicotomizada e desarticulada em que frequentemente são elaboradas e executadas as políticas públicas. Só assim será possível converter as intenções em produtos que gerarão efeitos e impactos esperados.

É necessário não perder de vista que as políticas públicas são o “estado em ação”, por conseguinte o processo de interação entre os objetivos e as ações definidas para atingi-las dependerá das decisões dos implementadores e das coalizações dos atores sociais envolvidos.

Para melhor entendimento do processo de constituição e consolidação das políticas públicas, procuro, a partir do próximo tópico, explicitar os passos que uma política pública percorre até a sua implementação, execução, avaliação, acompanhamento e monitoramento com o propósito de compreender a totalidade do processo.