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A IMPORTÂNCIA DA FÉ PARA O POVO VALONGUENSE

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2. O FATO RELIGIOSO NO SERTÃO DO VALONGO

2.3 A IMPORTÂNCIA DA FÉ PARA O POVO VALONGUENSE

Como levantou-se anteriormente, a religiosidade perpassa toda a estrutura de vida da cultura valonguense. A mudança do rumo religioso ocorrida na década de 1930 não arrefeceu à medida que anos e décadas se passaram; pelo contrário, se fortaleceu. Teixeira (1990, p. 81) observou que:

[…] este grupo rural encontrou na religião um sentido de união que estimulou formas de solidariedade e possibilitou a positivação de sua identidade enquanto grupo, pois se antes eram os ‘pretos do sertão’, hoje os valonguenses são conhecidos como ‘os adventistas’.

Esta percepção pode oferecer pistas acerca da maneira como o adventismo influenciou a cultura do quilombo, pois parece que emprestou a esses párias da sociedade um sentimento de estima e pertença que lhes serviu de auxílio para a existência sofrida. Cerca de quinze anos depois da apresentação da pesquisa de Teixeira, a observação de Castells (2006, p. 433,434) reforça a mesma questão e a amplia:

[…] a doutrina e os ritos religiosos impregnam a rotina comunitária no território do sertão e extrapolam suas fronteiras reforçando externamente laços sociais com outros integrantes da igreja. Nessas redes externas de sociabilidade propiciadas pela vida religiosa, os outros dois atributos característicos - etnia e regras de parentesco - se diluem em relação à identidade grupal, prevalecendo a identidade religiosa para os valonguenses.

Importante notar a menção às redes externas de sociabilização que a vivência adventista trouxe aos quilombolas. Apesar de serem negros inseridos numa Igreja de brancos ao redor, não se encontram indícios na literatura que tenham sofrido preconceitos por parte da irmandade, como aquele verificado entre a vizinhança do Sertão. De que formas se processou essa coexistência aparentemente pacífica e acolhedora até, se constitui em objeto de futuros estudos.

Em outro artigo que escreveu sobre o povo do Valongo, a pesquisadora Alícia Castells (2007, p. 71) frisou que: “A religião que professam - passaporte de sociabilidade com o mundo exterior e, foco de trocas e encontros na vida do Sertão - tem sido motivo de grande curiosidade dos estudiosos, inclusive de nossa própria equipe”. O termo que ela emprega para demonstrar a significância da religião dentro daquela cultura - passaporte de sociabilidade - é digno de nota, visto que muitas vezes a religião é encarada como fator de alienação. Aqui ela é apresentada como documento para inserção em outros ambientes culturais. Importante também o reforço da questão já abordada nesta pesquisa, de que a religião praticada naquele território, assegura ela, desperta uma “grande curiosidade”. Essa é uma ênfase que merece atenção.

Ressalta-se que, no mesmo período em que um forte despertamento religioso acontecia naquele território interiorano, longe dali, em Viena, na Áustria, Sigmund Freud escrevia uma obra provocativa intitulada O Futuro de Uma Ilusão, onde teceu algumas de

suas principais críticas à religião e pretendeu desmontar a muralha teórica que justifica a maior parte das ideias, doutrinas e formas de prática religiosa. Freud viu na religião algo destituído de qualquer futuro e a encarava como fruto da neurose que todo homem atravessa enquanto amadurece. Lançando mão de uma linguagem bastante didática para explicar o seu pensamento, Freud (2010, p. 21) diz:

Lembro-me de um de meus filhos que se distinguia, em idade precoce, por uma positividade particularmente acentuada. Quando estava sendo contada às crianças uma história de fadas e todas a escutavam com embevecida atenção, ele se levantava e perguntava: ‘Essa história é verdadeira?’ Quando se respondia que não, afastava-se com um olhar de desdém. Podemos esperar que dentro em breve as pessoas se comportem da mesma maneira para com os contos de fadas da religião.

Como se pode observar a previsão freudiana não pôde consolidar-se plenamente, mas é verdade, entretanto, que ela é expressão cristalina da realidade vivida em muitos segmentos das culturas modernas, onde quaisquer vestígios de espiritualidade podem ter, de fato, se extinguido. Ora, a existência de indivíduos ou povos que se apegam à religião e daqueles que a desprezam por completo, é fato sobejamente comprovado na história da humanidade. Afirmar que algum dia um desses grupos simplesmente deixe de existir pode se configurar numa predição com poucas chances de cumprimento real.

Três questões se apresentam, desde já, a partir da história da conversão dos valonguenses ao adventismo e a intensidade com que essa fé é praticada. Entende-se que tais temas necessitam de uma pesquisa específica que vão além dos objetivos desse trabalho. A primeira delas diz respeito a como uma comunidade constituída de negros, descendentes de antigos escravos, se introduz em uma Igreja, cujo projeto de evangelização esteve intimamente ligado aos povos alemães da região, que são, em sua maioria, os membros e líderes da Igreja onde esses negros se encaixam. Alcântra e Oliveira (2008, p. 45) afirmam que: “De modo geral, a liturgia, a música e a educação das igrejas ditas evangélicas no Brasil são brancas, e o negro, para ter acesso a elas, tem que sofrer um processo de branqueamento”. Percebe-se, a partir das fotos históricas do Valongo que, de alguma forma, foram também afetados por esse processo.

A segunda averiguação investiga os tipos de impactos que essa conversão quase integral de uma população negra pode ter causado nas comunidades alemãs rurais que habitavam a região naquele mesmo período. Analisando a convivência entre negros e

europeus no Rio Grande do Sul, Weiduschadt, Souza e Beiersdorf (2013, p. 260) narram histórias de negros que aprenderam a falar o pomerano e de muitos que se converteram ao luteranismo. Ao abordarem essa integração, dizem: “É possível afirmar que o espaço religioso possibilitou trocas entre as etnias: pomerana e africana. As aproximações ocorreram nas relações das pessoas, na busca da afirmação pela cultura da música e dos símbolos”. No caso do Valongo, ainda não puderam ser encontradas pesquisas que se dedicaram à questão de como foram recebidos pelos adventistas de origem germânica.

Um terceiro questionamento que carece de investigação: considerando que os antigos moradores do Sertão do Valongo se estabeleceram naquele lugar em busca de certa invisibilidade em relação às populações brancas, símbolos daqueles que os oprimiram com a escravidão, por que razões buscam exatamente uma comunidade religiosa cuja predominância é de gente branca? Entendendo-se como relevantes esses questionamentos, espera-se que novas pesquisas os esquadrinhem, especialmente através da metodologia de história oral, onde os valonguenses poderiam, através de suas narrativas, revelar importantes aspectos ainda desconhecidos da riqueza de informações que devem possuir. Como lembra Portelli (1997, p. 31): “Fontes orais contam não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que faz”.

Sendo que os antigos quilombos em sua origem foram lugares propícios para a invisibilidade de escravos fugitivos e mais tarde recém libertos, que almejavam um distanciamento da população branca, o Sertão do Valongo, por suas características de terras insalubres e indesejadas, fez-se um espaço ideal para os primeiros habitantes do lugar. Entretanto, percebe-se indícios de que o envolvimento dos conversos valonguenses com a irmandade adventista quebrou, de certa forma, essa pretensão de invisibilidade e fez com que o território que já foi denominado como Sertão da Miséria se convertesse, à medida que anos e décadas transcorreram, numa região onde a fé uma vez abraçada continuasse sendo a motivação central de seus moradores. A mudança de orientação religiosa no seio daquela gente simples é tida como tendo sido radical e foi geradora de “sensíveis transformações na vida do grupo” (TEIXEIRA, 1990, p. 47). Mesmo seis décadas depois, já sob a influência das novas gerações de quilombolas, Teixeira (1990, p. 72) relata que, para aquele povo simples, a fé é algo que “salta aos olhos, já no primeiro contato, tanto visualmente quanto no discurso, a

influência desta religião”. A expressão “salta aos olhos” é mais uma possível constatação de que existe naquele espaço uma espécie de religiosidade que merece atenção e estudos.

A força da religião encontrada no Valongo pode ser percebida também em estudos acerca de diferentes grupos da sociedade. Guimarães e Reis (2008, p. 173) observaram que:

A realidade vivenciada pelos valonguenses coincide, assim, com o pressuposto de Helman (2003) de que as pessoas que sofrem de algum tipo de desconforto emocional ou físico, contam, na maioria das sociedades, com sistemas de ajuda, obtidas por conta própria, ou por meio de outras pessoas que podem ser desde um amigo, vizinho ou parente, até um sacerdote, um curandeiro, ou um serviço médico sofisticado e tecnologicamente muito bem aparelhado.

Ou seja, o que é verificado na dimensão da fé nas cercanias do Valongo, pode ser visto também em outros espaços da sociedade.

A Igreja adquire tanta importância para aquela gente que até hoje, todas as 28 casas onde seus moradores habitam são construções simples, de madeira (Figura 10). Elas foram apresentadas por Albuquerque (2008, p. 237) como sendo: “[…] do tipo ‘popular’, uma forma arquitetônica que é produto de um longo processo de adaptação ambiental e cultural (op. cit.). Foram construídas por carpinteiros e construtores das localidades vizinhas”.

Figura 10 - Umas das 28 casas onde moram os quilombolas valonguenses. Construção de madeira

Fonte: Acervo do pesquisador

Durante muitos anos não havia templo no Valongo e as reuniões religiosas aconteciam na casa do líder do grupo, Marinho Caetano. No dia 23 de novembro de 1962 foi inaugurada uma capela de madeira (Figura 11), que ainda permanece até hoje no local (BORGES, 2000).

Figura 11- Primeira Igreja do Valongo, construída em 1962

Fonte: Acervo do pesquisador

E então, segundo Borges (2000, p. 151): “O templo atual, de alvenaria, foi inaugurado em 12 de novembro de 1994”. Essa construção em alvenaria permanece sendo diferente de todas as 28 residências de madeira que abrigam os seus moradores. Albuquerque (2008, p. 251, 252, 256) apresenta, em seu estudo acerca da estética no Valongo, uma descrição do Templo:

Esta construção é o único prédio público no núcleo da comunidade do Valongo […]. O templo atual é da década de 1990 e é de grande estima para os locais […]. Sua fachada apresentava uma formada por um quadrilátero superposto por um triângulo que esconde e segue as duas águas do telhado […]. Junto à fachada há uma pequena estrutura independente, um átrio coberto mais estreito e baixo simetricamente disposto aos eixos da fachada […]. Esta varanda faz as vezes de local intermediário entre o espaço sagrado e o mundo, escondendo a porta principal do templo […]. O interior da Igreja

é amplo para abrigar os adventistas locais nos diversos cultos semanais e os fiéis neles vêm participar com vestuário esmerado e sempre discreto.

Naquele espaço de fé (Figura 12), a irmandade realiza seus cultos, canta suas músicas e reverencia o seu Deus, fazendo daquele lugar o espaço principal para a vida em comunidade e o consequente fortalecimento da fé que seus antepassados abraçaram e que as gerações atuais vêm mantendo, como apontam os levantamentos mais recentes realizados no Sertão.

Figura 12 - Igreja Adventista do Valongo, que se ergue no centro do território Construção de alvenaria

Fonte: Acervo do pesquisador

A crença adventista que passou a ser desenvolvida naquela comunidade desperta a atenção exatamente pela forma e pela convicção com que é praticada. Essa pesquisa procurou buscar referências à fé desse povo nos registros oficiais mais amplos da Igreja. Realizou-se, então, uma extensa busca na Revista Adventista, que é o órgão oficial da denominação no Brasil, cujas edições mensais estão preservadas e digitalizadas desde 1906, quando começou a sua publicação, contando também com ferramentas de busca. Sendo que a cultura existente no

Valongo despertou pesquisas acadêmicas, haveria alguma menção a ela nos registros históricos da Igreja? E havendo, como seriam tais referências? Utilizando os descritores Sertão de Santa Luzia (nome dado à região onde está a comunidade) e Sertão do Valongo, (nome específico das terras valonguenses), foram encontrados importantes históricos e referências acerca do grupo de crentes registrados em diferentes reportagens da Revista. O período de tempo foi recortado entre os anos de 1938, quando ocorreu a primeira mênção ao grupo, a 2013, onde se registra uma importante reportagem sobre o Valongo. Serão descritos a seguir alguns desses registros que são julgados como relevantes para a pesquisa. Resgatadas dos registros de arquivo digital do periódico, estão anexadas ao trabalho imagens das páginas originais onde aparecem os textos sobre a comunidade, entendendo-se que são importantes documentos históricos e que foram muito bem preservados pela instituição.

Na edição do mês de outubro de 1938 (Figura 13) encontram-se as primeiras informações acerca do Sertão do Valongo, chamado na época Sertão de Santa Luzia:

Com o mesmo irmão, visitei o Santa Luzia, perto do Sertão da Miséria. Lá tive ocasião de constatar a transformação que o evangelho produz na vida dos filhos de Deus. Quando voltávamos para Tijucas, encontramos na estrada um moço que nos interrogou e quis saber qual era a nossa ocupação, para depois prosseguir. Não demorou muito e êsse moço de novo voltou e apressou-se em ir à cidade, adiante de nós. Quando íamos entrando na cidade, numa encruzilhada, ouvimos alguém gritar: ‘Parem, moços’. Quando parámos estavam em nossa frente seus homens de revólver engatilhado. Depois de um interrogatório permitiu-se que fôssemos adiante. (RITTER, 1938, p. 8).

Figura 13 - Primeira menção aos valonguenses da Revista Adventista

Fonte: Revista Adventista, outubro de 1938, p. 8

A narrativa tem como contexto o relato de uma viagem missionária feita por um líder adventista ao estado de Santa Catarina, Germano Ritter (1938). Ele era alemão! É ele quem apresenta o grupo pela primeira vez ao mundo adventista. Esse dado tem importância inicial no sentido da percepção de que um grupo de negros tenha sua espiritualidade mencionada por esse europeu.

Nota-se que a menção aos crentes do Sertão está inserida com outras notas referentes às comunidades visitadas. Todos estão no mesmo nível e os valonguenses não aparecem como um apêndice ao texto, mas integrado a este, como parte da caminhada missionária do narrador. Dois aspectos do fato noticiado podem ser salientados, por apresentarem um tom contrastante: na primeira nota, Ritter (1938) menciona a transformação que o evangelho havia provocado no seio da comunidade de convertidos que visitara. No relato a seguir, ele apresenta o dissabor do encontro com pessoas que, pelo visto, se opunham a desconhecidos que andavam na região. Ora, quando se pesquisa na atualidade a religiosidade vivida no

Valongo e a importância que a fé tem para aquele povo, torna-se digna de reflexão a existência de uma notícia narrada há mais de sete décadas e que ressalta exatamente este mesmo aspecto, ou seja, a maneira como a religião provocou mudanças que não podiam deixar de serem notadas. Especialmente levando-se em conta a etnia alemã do narrador.

Na mesma edição da Revista, encontrou-se outra notícia relacionada à comunidade (Figura 14), acerca de pessoas que foram batizadas ali: “Em Florianópolis foram batizadas cinco pessoas, membros do grupo local e o de S. José; sete no Sertão de Sta. Luzia, as quais pertenciam ao grupo de Trombudos, Tijucas e local […]” (LIMA, 1938, p. 12).

Figura 14 - Batismos de valonguenses noticiados na Revista Adventista

Fonte: Revista Adventista, outubro de 1938, p. 12

Não há nessa reportagem referência à etnia desses novos irmãos do Valongo, embora todos eles fossem negros, o que parece indicar que, mesmo numa época marcada por fortes movimentos discriminatórios, a etnia africana não parecia provocar sentimentos de rejeição por parte da liderança adventista. Seria essa uma pista para a compreensão da coexistência

desses negros no seio de uma Igreja branca, um lugar onde foram aceitos e construíram raízes?

Apenas um mês depois dessas publicações, encontrou-se nova referência ao Valongo. Agora a notícia vem acompanhada de uma foto do grupo (Figura 15), o que não era um fato tão comum para a realidade social de 1938. Um detalhe importante é que a foto abaixo foi tirada pelo líder adventista Germano Ritter, que, como mencionado acima, era alemão:

Figura 15 - Valonguenses em meio a outros adventistas, em 1938

Fonte: Revista Adventista, novembro de 1938, p. 9

Além do fato do aparecimento de negros do Valongo aparecerem em uma foto estampada no órgão de comunicação oficial da Igreja para o Brasil, é preciso notar, também, que estes aparecem ao lado dos irmãos brancos e se preparam para uma mesma cerimônia batismal, símbolo maior da aceitação dos indivíduos no seio de uma Igreja. Observa-se que suas roupas são semelhantes àquelas vestidas pelo grupo. Seria esse fato algum indício do processo de “branqueamento” dessa comunidade de negros ou existem aí elementos que vão para além dessa observação?

Em 1953, há um relato que pode ser visto como fato de grande importância para esse rastreamento da religião praticada pela comunidade quilombola (Figura 16). A narrativa é acerca da participação de valonguenses numa festa promovida pela Igreja:

Queremos ainda salientar o entusiasmo de alguns irmãos do Sertão de Santa Luzia, que viajaram de carroça durante a noite tôda de sexta-feira para chegarem às 8 horas da manhã do sábado em Ribanceiras, enfrentando rigoroso frio e longa distância (BECHARA, 1953, p. 11).

Figura 16 - Entusiasmo dos valonguenses ressaltados na Revista Adventista

Fonte: Revista Adventista, novembro, 1953, p. 11

À medida que a sequência de menções aos valonguenses acontece na Revista Adventista, percebe-se claramente que há uma crescente valorização desse povo no ambiente religioso. Nas duas primeiras aparições (outubro 1938) na publicação oficial da Igreja encontram-se comentários acerca deles, o que não deixa de ser um fato notável, visto que o Brasil já contava com cerca de doze mil adventistas nessa época e naquele pequeno território ajuntavam-se uns poucos seguidores da crença. Como visto acima, em novembro do mesmo ano estampa-se na revista uma foto apontando a convivência dos descendentes de escravos com outros crentes, nativos brasileiros ou imigrantes europeus. São percepções, sem dúvida, que merecem atenção. Entretanto, a reportagem seguinte, datada de dezembro de 1953, vai mais longe, ao apresentar uma outra foto de um grupo de irmãos do Valongo (Figura 17).

Figura 17 - Foto de destaque dos valonguenses

Fonte: Revista Adventista, novembro, 1953, p. 11

A publicação desta foto ganha relevância no cenário desse estudo, por duas razões principais que serão narradas a seguir:

Primeiramente, essa pesquisa apresenta uma possibilidade de reflexão a partir da fotografia apresentada. Para Collier, (1973 apud Albuquerque, 2008, p. 227): “[…] uma foto é uma verdade não verbal”. Nessa imagem os valonguenses não são mostrados junto com outras pessoas, mas aparecem sozinhos, conduzindo um veículo de tração animal, provavelmente de propriedade deles mesmos, muito comum para o deslocamento das populações rurais naquele período. Percebe-se na imagem uma certa atitude altaneira por parte do grupo, um comportamento próprio daqueles que se portam como senhores de uma situação. Nessa imagem congelada pelo tempo, eles não se parecem com ex-escravos humilhados pelas circunstâncias, mas como cidadãos pertencentes a uma sociedade. As roupas que vestem parecem indicar uma completa integração ao ambiente aonde vão, uma festa religiosa, distante do pequeno território do Sertão.

Em segundo lugar, a nota que remete-se à foto estampada na revista. O comentário de Bechara (1953) é carregado de simbolismos que podem ser destacados. A característica que o narrador, importante líder adventista naqueles idos, enxerga neles, é o entusiasmo, um valor importante para os indivíduos em qualquer lugar onde estejam. A seguir, a relevância destacada pelo fato de haverem viajado uma noite inteira a fim de se apresentarem na festa

para a qual foram convidados a participar. Não estão nela como intrusos e a participação deles no evento foi percebida e valorizada pelos anfitriões, a tal ponto do fato tornar-se notícia que viajou pelas páginas da publicação por todo o território brasileiro. Também o final da nota é digno de atenção, onde são reforçadas as questões de clima desfavorável para a viagem e a distância longa percorrida pelo grupo. Olhados em conjunto, esses aspectos todos solidificam a percepção já enxergada de que a religião vivenciada por esse povo não apenas tem lugar central na vida comunitária, mas também emprestou a esses negros senso de dignidade e cidadania.

Na edição de janeiro de 1954, a revista destacou (Figura 18) o elogio do líder religioso ao estilo de vida dos valonguenses:

Existe um grupo de crentes no sertão de Santa Luzia, em Santa Catarina, composto sòmente de irmãos de côr. A maioria é cristã cem por cento, fervorosos e amam a verdade de fato […]. Todos os pastores que por aqui têm passado, dizem a mesma coisa, referindo-se a êsse grupo: ‘nunca deram trabalho ao pastor’. Apesar de todos os membros viverem como vizinhos,

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