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5. A importância da conservação da natureza em espaços florestais de montanha no contexto

5.2. A conservação em áreas protegidas de montanha

5.2.1. A importância da floresta autóctone no contexto atual

Como já foi referido no capítulo 2, a floresta autóctone que cobria a Serra da Estrela, tal como na maioria das montanhas do Norte e Centro, era dominada por carvalhais caducifólios, que coexistiam com muitas outras espécies florestais, sobretudo folhosas (Van der Knaap & Van Leeuwen, 1995; Jansen, 2002; Carvalho & Devy-Vareta, 2007). Destas, a ENF (2015) refere que o castanheiro ocupa hoje 1% da área total de floresta, incluindo soutos e castinçais. Alguns autores não consideram esta espécie como autóctone. Contudo, alguns estudos suportam a origem natural do castanheiro na Península Ibérica (López et al., 1996; Ramil-Rego et al., 1998; Krebs et al., 2004; García-Amorena et al., 2007). No âmbito deste trabalho considerar-se-ão apenas os castinçais como floresta autóctone, uma vez que os soutos constituem um ecossistema mais artificializado e com objetivos maioritariamente agrícolas e pastoris As “outras folhosas” ocupam 6%, sendo esta categoria constituída principalmente por espécies autóctones (bétulas, salgueiros, medronheiros, etc.) (ICNF, 2013). A área de carvalhal corresponde apenas a 2% da área total de floresta nacional (ENF, 2015), persistindo diversos fatores que contribuem para a sua degradação ou diminuição de área, tais como a

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instalação de monoculturas, a expansão de espécies invasoras, a proliferação de fogos e o corte desregrado para obtenção de combustível doméstico (Carvalho, 2005). No entanto, estes fatores não estão a impedir a lenta recuperação do bosque autóctone, que é propiciada pelo êxodo rural. Esta recuperação ocorre geralmente do fundo do vale em direção à meia encosta e ao planalto (Aguiar et al., 2005).

No ponto 5.1.mencionaram-se alguns dos serviços de ecossistema providenciados pela montanha e os seus vários habitats. No caso das florestas em geral, os serviços prestados são a produção de bens lenhosos e não-lenhosos, a fixação de CO2, a regulação e amenização climática, a melhoria da qualidade do ar, a regularização do ciclo hídrico, a conservação e melhoria da qualidade do solo e da água e a proteção contra a erosão(Carvalho, 2005). Já os carvalhais têm uma importância particular em certos serviços, tais como a conservação da biodiversidade, a produção de bens lenhosos e não-lenhosos e os valores paisagísticos e culturais. São mais resistentes e resilientes a perturbações como fogos (Carvalho, 2005). Uma floresta autóctone rica em biodiversidade é também mais resistente e resiliente a pragas e doenças e eventos extremos decorrentes das alterações climáticas, possuindo melhor capacidade de adaptação a estas(Noss, 2001). As galerias ripícolas destacam-se por fornecer importantes serviços ao nível da melhoria da qualidade da água e como refúgio de biodiversidade e da proteção contra incêndios e cheias (Silva, 2002; Grilo, 2013; Fremier et

al., 2015).

No entanto a sociedade e a administração não reconhecem ainda totalmente estes contributos positivos. A matriz estruturante da ENF não atribui o devido valor ao carvalhal ao não contabilizar diversos serviços de ecossistema por ele providenciados, o que conduz a um valor total por hectare de apenas 87€, o segundo mais baixo de entre os diversos tipos de floresta considerados (ENF, 2015). No caso do castanheiro, é-lhe atribuído um maior valor, de 849€/ha, o que poderá ser explicado pela predominância dos soutos sobre os castinçais. A categoria “outras folhosas” incluirá a floresta ripícola uma vez que as pescas e o regime hídrico são referidos na matriz como valores que lhe estão associados. É-lhe atribuído o maior valor de todos os tipos de floresta: 1553€/ha. No entanto, apesar de reconhecido o elevado valor desta floresta, não existirá por parte dos proprietários uma vontade de a proteger e recuperar, visto não serem remunerados pelos serviços por ela prestados à sociedade.

Pode-se assim afirmar que o valor da floresta autóctone ainda não é completamente reconhecido, sendo geralmente relegados para segundo plano os seus aspetos produtivos e de proteção dos povoamentos florestais, que trariam benefícios económicos tangíveis. A

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valorização económica da floresta autóctone por esta via resultaria na sua expansão conseguindo-se assim os objetivos de conservação da biodiversidade, proteção do solo e regime hídrico e também paisagísticos e de recreio. O facto de estes objetivos não apresentarem atualmente interesse económico para os proprietários tem levado ao seu desinteresse pela expansão e preservação desta floresta.

Neste sentido, os tópicos expostos seguidamente pretendem realçar os aspetos mais importantes da floresta autóctone que a tornam interessante do ponto de vista da sua compatibilização com a existência de atividades económicas.

5.2.1.1. Aumento da resistência e resiliência contra incêndios

A gestão florestal deve ser compatível com o piroambiente (condições climatéricas, topografia e combustível), ou o fogo será inevitável. A especificidade de Portugal no que toca ao seu regime de fogo deve-se a uma combinação de condições climáticas características do clima mediterrânico com influência atlântica, responsáveis por uma grande produtividade. Dá-se portanto uma grande acumulação de biomassa, o que combinado com o tipo de vegetação presente (maioritariamente vegetação pirofítica, tantos os matos como as florestas de produção), a topografia e as épocas de clima quente e seco, resulta num piroambiente muito favorável à ocorrência de fogos frequentes, intensos e de grande extensão (Fernandes, 2007; Moreira et al., 2010). Por este motivo os esforços para contrariar o atual regime de fogo devem ser exercidos ao nível da alteração da vegetação presente e não apenas do seu controlo, prolongando a situação atual.

As monoculturas mais comuns nas montanhas do Norte e Centro são compostas por eucalipto e pinheiro-bravo, espécies de elevada combustibilidade que acarretam a necessidade de uma gestão ativa e dispendiosa para defender os povoamentos da ocorrência de incêndios. Se a probabilidade de ocorrência durante a vida do povoamento for baixa, a criação de infraestruturas de acesso e apoio ao combate e a compartimentação com faixas corta-fogo poderão ser suficientes. No entanto, se a probabilidade de ocorrência de pelo menos um incêndio grave for grande, será necessária uma proteção intensiva através da gestão de combustíveis e da silvicultura preventiva. Contudo, o custo de manutenção de uma defesa adequada é muitas vezes excessivo e compromete a rentabilidade do investimento (Fernandes, 2007; Fernandes et al., 2010), o que deveria ter inviabilizado a arborização à partida. Por isso,

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a ponderação das espécies a utilizar e das atividades silvícolas e de exploração a efetuar ao longo da vida do povoamento deve ser feita de forma a compatibilizá-lo com o piroambiente. A situação ideal, dispensando tratamentos dispendiosos, surge quando a floresta instalada modifica naturalmente o comportamento do fogo, como é o caso das florestas de folhosas caducifólias (Fernandes, 2007). Desta forma a sua expansão poderá otimizar a prevenção (Azevedo et al., 2013) contribuindo para alcançar os objetivos da ENF e do PNDFCI no que respeita à minimização dos riscos associados aos incêndios e ao aumento da resiliência do território contra os incêndios florestais (Carvalho et al., 2007)

O carvalho e outras espécies autóctones de montanha, especialmente as folhosas caducifólias, têm menor combustibilidade relativamente aos matos e a espécies florestais de produção, como o pinheiro-bravo e o eucalipto. O carvalhal tem também influência na regulação climática, uma vez que tende a criar ambientes de maior humidade, frescura e abrigados do vento (Carvalho, 2005; Carvalho et al., 2007; Fernandes, 2007). Também possui boa regeneração após o fogo pela rebentação de gemas dormentes. A velocidade da recuperação depende do seu estado de maturação e da severidade do fogo. No caso de fogos mais severos ou árvores mais jovens dá-se a rebentação apenas de toiça, criando formações densas e de menor tamanho com maior suscetibilidade aos incêndios. Quanto mais madura for a floresta, maior a sua resistência e resiliência ao fogo (Carvalho, 2005; Fernandes et al., 2010). Por este motivo é importante, na fase inicial de regeneração, proceder à sua gestão para a proteger de incêndios e favorecer o seu desenvolvimento. O pinheiro-silvestre, sendo uma resinosa de agulha curta, possui também menor combustibilidade, desde que em plantações densas (Fernandes, 2007).

Da mesma forma, as formações constituídas por espécies ripícolas, como amieiros, freixos, ulmeiros (Ulmus minor), vidoeiros ou choupos (Populus spp.), têm grande interesse na compartimentação florestal, uma vez que se caracterizam por manterem um elevado teor de humidade ao nível do solo e da copa durante a época seca, diminuindo assim a sua combustibilidade. Estas podem ser consideradas verdadeiras barreiras higrófilas, muito eficazes na contenção do fogo, pelo que as linhas de água devem ser arborizadas para este fim (Silva, 2002).

Proença et al. (2010) compararam a resistência e resiliência ao fogo de uma floresta de folhosas autóctones (carvalho-roble (Quercus robur) e azevinho (Ilex aquifolium)) com uma plantação de pinheiros, no Parque Nacional da Peneda Gerês, e concluíram que ambas são maiores na floresta autóctone, uma vez que a severidade do fogo ao nível das copas foi baixa,

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que houve menor mortalidade das árvores, e que a diversidade em espécies florísticas se manteve, ao contrário do que aconteceu nos pinhais. Os resultados de Fernandes et al. (2010) vão no mesmo sentido. Segundo os autores, a resistência e resiliência da paisagem aos incêndios poderiam ser aumentadas promovendo a expansão das florestas de folhosas e a maturação dos carvalhais que se encontram em regeneração devido ao êxodo rural.

O exemplo da mata da Margaraça, na serra do Açor, demonstra a eficácia da floresta autóctone como barreira de propagação ao fogo. Esta consiste numa floresta relíquia mista com cerca de 50 hectares, cruzada por diversas linhas de água (algumas permanentes), dominada por carvalho roble e castanheiro, acompanhados de viburno (Viburnum tinus), medronheiro (Arbutus unedo), azevinho e azereiro (Prunus lusitanica) (Almeida, 1991). No ano de 1987 um grande incêndio atingiu a região, dizimando cerca de 10.900 hectares, principalmente de matos e plantações de pinheiro-bravo (Lourenço, 1990). Ao contrário da sua envolvente, a mata da Margaraça foi heterogeneamente afetada, refletindo a boa resistência destas espécies ao fogo, em conjunto com o efeito das linhas de água, que serviram de obstáculo à propagação do fogo. Posteriormente a floresta apresentou uma boa recuperação, com rebentação das árvores queimadas, à exceção de alguns castanheiros severamente queimados (Almeida, 1991), denotando a melhor resistência ao fogo dos carvalhos em relação a esta espécie, apesar de serem ambas folhosas autóctones.

A figura 2 retrata o mesmo fenómeno, desta vez na Serra da Nogueira, no ano de 2011. Pode-se ver a progressão do fogo através de matos e plantações de resinosas, tendo sido travado pelo carvalhal e pela linha de água a Sul. Esta serra é ocupada pela maior mancha de carvalho-negral (Quercus pyrenaica) do país, tendo desde a sua plantação apenas ardido nas zonas limítrofes (Fernandes et al., 2014).

Também nas figuras 3 e 4 se pode observar o efeito de dois carvalhais diferentes na propagação do fogo, desta vez na Serra do Alvão. Em ambos os casos o fogo entrou nos carvalhais, onde foi perdendo intensidade e se extinguiu.

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Figura 2. Área ardida na Serra da Nogueira. Repare-se nas manchas verdes resultantes da combustão heterogénea dentro de um núcleo de carvalhos. Fonte: Google Earth (imagem datada de 28/08/2011).

Figura 3. O efeito de barreira contra o fogo de um carvalhal na Serra do Alvão. Cortesia do Prof. Paulo Fernandes.

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Figura 4. Zona ardida de carvalhal na Serra do Alvão. Pode-se observar a resistência dos carvalhos ao fogo, devido à sua baixa combustibilidade. Cortesia do Prof. Paulo Fernandes.

De facto, o zonamento da paisagem no que respeita ao tipo de floresta presente é da maior importância para aumentar a resistência aos incêndios, principalmente na presença de povoamentos de espécies de grande combustibilidade. A figura 5 apresenta um zonamento paisagístico com esta finalidade.

As linhas de cumeada constituem locais de interesse estratégico com vista à contenção de eventuais incêndios. A presença de tipos de ocupação que criem uma descontinuidade de combustíveis, como pastagens ou floresta autóctone de folhosas, é importante para aumentar o efeito de redução da velocidade do fogo, que acontece naturalmente devido ao menor declive. No entanto, segundo Gomes e Silva (2002), a ocupação que maximiza este efeito é uma arborização de baixa densidade, com espécies de baixa combustibilidade, de forma a permitir uma certa rugosidade no terreno que induza uma redução da velocidade do vento e, portanto, da propagação do fogo. A situação ideal seria conseguida se o subcoberto desta floresta fosse favorável ao pastoreio, uma forma eficiente de o gerir, resultando numa ocupação altamente

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eficaz na travagem da progressão do fogo. A compatibilidade da floresta autóctone com a pastorícia será explicada no ponto 5.2.1.3.

Nas encostas viradas a barlavento (considerando os ventos dominantes de verão), com exposição Sul-Este e/ou mais declivosas (>45%) é importante privilegiar a instalação da floresta autóctone, uma vez que a exploração madeireira é complicada nestas situações, de forma a evitar incêndios de difícil controlo (Gomes & Silva, 2002).

Tendo os incêndios, em geral, origem humana, também é útil a presença de formações de baixa combustibilidade na envolvente de potenciais focos de ignição, tais como parques de merendas, bordaduras de caminhos e na vizinhança de áreas agrícolas (Gomes & Silva, 2002). Nas faixas de proteção das linhas elétricas de alta e média tensão deve-se também privilegiar este tipo de vegetação, preferindo-se espécies de porte compatível com a altura dos fios, de forma a minimizar os riscos de incêndio e despesas com gestão de combustíveis. Como já referido, é igualmente importante a arborização das linhas de água e vales com espécies higrófilas constituindo-se barreiras eficazes à propagação do fogo.

Figura 5. Zonamento para a arborização do ponto de vista da prevenção de incêndios. A - Vales e linhas de água; B – Linhas de cumeada; C – Áreas de ocupação humana; D – Declives superiores a 45%; E – Encostas de exposição sul e leste quando viradas a barlavento (considerando os ventos dominantes de verão); P – Floresta de produção. Fonte: Gomes & Silva (2002).

Assim, a floresta autóctone pode vir a desempenhar um importante papel na diminuição da propagação dos fogos. Poderá ser utilizada como formação dominante da exploração ou na compartimentação de povoamentos florestais com maior suscetibilidade aos incêndios, contribuindo para a sua proteção e rentabilização. O investimento feito

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inicialmente para a proteção e fomento dos povoamentos jovens é compensado a longo prazo, pela baixa necessidade de manutenção na fase adulta e pelos benefícios gerados, que serão explicados nos pontos seguintes. Desta forma, torna-se vantajosa a sua implementação em detrimento da gestão de matos convencional, que necessita de intervenções continuadas e dispendiosas, sem externalidades positivas. A figura 6 esquematiza um ordenamento da paisagem com este fim, denotando a coexistência dos povoamentos de maior combustibilidade com a floresta mais resistente, e também com outros tipos de ocupação que criem obstáculos ao avanço do fogo, como áreas agrícolas e pastagens, como veremos em 5.2.2.

Figura 6. Esquema de ordenamento da paisagem (em perspetiva) com vista à prevenção de incêndios. Fonte: Ilustração de João Tinoco em Silva et al. (2007)

5.2.1.2. Produção de bens lenhosos

O serviço de ecossistema fornecido pelas florestas mais valorizado pela sociedade tem sido a produção de matérias-primas (Carvalho et al., 2007), pelo seu valor económico e pela necessidade destes bens. Apesar de possuírem madeira de grande qualidade e elevado valor de mercado, os carvalhos, os castanheiros, as cerejeiras (Prunus avium) e outras folhosas autóctones têm um lento crescimento relativamente a espécies com vocação para a produção, como o pinheiro-bravo, o eucalipto ou a pseudotsuga (Pseudotsuga menziesii) (Carvalho,

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2005; Monteiro & Patrício, 2007) tornando-as desinteressantes de um ponto de vista económico. Em termos de produção de bens lenhosos o uso mais comum do carvalhal é o abate de árvores espontâneas para lenha (Paiva, 2007), sendo a madeira vendida a baixos preços. A forte procura para consumo doméstico em conjunto com más práticas silvícolas, como o excessivo corte de árvores de melhores diâmetros e um incorreto controlo da densidade dos povoamentos, têm delapidado os carvalhais (Carvalho et al., 2007).

A madeira de carvalho é considerada das mais valiosas madeiras nobres, sendo muito apreciada pela sua beleza, boas propriedades mecânicas e durabilidade. Estas características tornam-na muito apreciada para vários usos, tais como a marcenaria, a carpintaria, a construção, a parquetaria de revestimento e a tanoaria de envelhecimento (Carvalho, 2005; Paiva, 2007). O valor das árvores em pé pode variar entre 40€ e mais de 300€/m3, dependendo da qualidade das árvores. Por constituir uma madeira nobre com alta qualidade, por ser pouco abundante e necessitar de rotações mais longas, de cerca de 100 ou mais anos (Alves et al., 2012), atinge valores de mercado mais elevados do que outras espécies de crescimento mais rápido, como o pinheiro. Assim, o tratamento silvícola a que foi sujeito o povoamento é muito importante para assegurar a produção de árvores de qualidade suficiente para utilizações mais nobres (Carvalho et al., 2007). Já o castanheiro em povoamentos de alto fuste para produção de madeira de qualidade, com aplicações semelhantes às do carvalho, tem uma rotação menor, de cerca de 50 anos (Alves et al., 2012; Monteiro & Patrício, 2007). O grande valor destas madeiras permite um regime de cortes seletivos, promovendo a obtenção de rendimentos de forma faseada e minimizando o impacto no ecossistema (Kelty, 2006). Apesar de estas espécies possuírem rotações mais longas, o que lhe tem conferido desvantagem em relação a outras espécies, a vocação multifuncional da floresta autóctone, que será explicada nos pontos seguintes, permite outros aproveitamentos económicos à medida que as árvores ganham dimensão apropriada para corte. Estes usos complementares, se devidamente compatibilizados poderão torná-la competitiva em relação a outros tipos de floresta, aumentando o interesse dos proprietários pela mesma.

As florestas mistas apresentam vários benefícios em relação às monoculturas, apresentando uma estrutura mais eficiente. A produtividade é maior devido à existência de menor competição intraespecífica e de relações de facilitação, obtendo-se maiores diâmetros das espécies presentes em comparação com monoculturas das mesmas (Caldwell et al.,1998; Kelty, 2006; Unwin et al., 2006; Piotto, 2008; Pretzsh et al., 2012). Por exemplo, Nunes et al.

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(2010) demonstraram que florestas mistas de carvalho-negral e pinheiro-bravo possuem maior produtividade primária líquida que povoamentos puros destas espécies.

Também a maior quantidade e riqueza específica de fungos presente numa floresta autóctone trazem benefícios para a produtividade da mesma. Os micélios podem formar uma rede que protege e interliga os sistemas radiculares de várias plantas, possibilitando trocas de substâncias entre elas, protegendo-as de stress hídrico e agentes patogénicos, levando a um aumento da saúde e produtividade da floresta (Marques, 2005; van der Heijden & Horton, 2009; Barto et al., 2012; Jung et al., 2012). Para além disso têm diversos efeitos ao nível do melhoramento do solo, que também beneficiam a produtividade da floresta (van der Heijden & Horton, 2009).

5.2.1.3. Aproveitamento de sistemas silvopastoris

Os carvalhais têm especial vocação como componente florestal de sistemas silvopastoris (Carvalho, 2005; Castro, 2009). A pastorícia pode ser vista como uma atividade que interliga as diferentes unidades territoriais, apresentando cada uma delas função particular para os animais. Estes percorrem-nas em períodos específicos do ano, otimizando o uso dos recursos com benefícios recíprocos. Desta forma a pastorícia contribui para a existência de paisagens heterogéneas, multifuncionais e coesas (Castro, 2009).

O pastoreio no subcoberto é possível, sendo contudo necessária a sua harmonização com as outras funções do povoamento. No subcoberto dos carvalhais desenvolve-se uma vegetação herbácea e arbustiva que pode ter aproveitamento forrageiro (Carvalho et al., 2007). Um exemplo são os prados de Festuca elegans que podem dominar o subcoberto dos carvalhais e servir de recurso quando as outras pastagens já secaram. As bolotas são também um bom recurso forrageiro.

A floresta serve também de refúgio e local de descanso para o gado (Castro, 2009), o qual transporta nutrientes para as áreas agrícolas assegurando a produtividade das mesmas (Aguiar et al., 2005). Por sua vez, as florestas beneficiam de diversos efeitos desta atividade. O pastoreio nos matos e nas florestas diminui a carga de combustível e compacta-o pelo pisoteio, reduzindo o risco de incêndio (Castro, 2009). A gestão de combustíveis pelos pastores através das queimadas para renovação dos matos também pode ser útil na defesa da floresta contra incêndios, se bem efetuada. O fogo controlado pode ser utilizado para gerir o

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subcoberto, favorecendo a componente herbácea (Carvalho, 2005). Nas florestas o crescimento das árvores pode aumentar devido à redução da competição com a restante vegetação. São também beneficiadas pela incorporação de estrume no solo e pela compactação da manta morta, facilitando a sua decomposição (Castro, 2009).

5.2.1.4. Refúgio de biodiversidade e fomento de espécies cinegéticas

A floresta autóctone proporciona habitat a maior número de espécies comparativamente a florestas de espécies exóticas. Segundo Carvalho (2005) existem bastantes plantas raras ou de distribuição restrita que ocorrem nos carvalhais, tais como

Corydalis cava subsp. cava, o martagão (Lilium martagon), o mostajeiro (Sorbus torminalis)

ou o azevinho (Ilex aquifolium), protegido (Decreto-Lei n.º 423/89, de 4 de Dezembro). A diversidade florística destas florestas depende de diversos fatores, destacando-se a sua história de gestão, uma vez que a ação humana modificou o regime de perturbações naturais alterando a sua composição, estrutura e sucessão. A floresta autóctone é também rica em espécies da fauna com importância para a conservação, como a vaca-loura (Lucanus cervus), a marta (Martes martes), a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica), a toupeira de água (Galemys pyrenaica) ou diversas espécies de morcegos (Carvalho et al., 2007).

Muitas destas espécies estão classificadas como prioritárias na Diretiva Habitats,

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