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5. A importância da conservação da natureza em espaços florestais de montanha no contexto

5.1. As funções da montanha

A montanha é um meio heterogéneo e, portanto, altamente multifuncional. À escala nacional, ocupa uma área muito extensa e produz serviços de ecossistema importantes, com ou sem valor de mercado. Consequentemente a montanha e os serviços por ela prestados não podem ser desvalorizados, face aos providenciados pelos ecossistemas das terras baixas (Aguiar et al., 2005; Hazeu et al., 2010).

Os serviços de ecossistema são benefícios que as populações humanas obtêm dos ecossistemas. Este conceito permite estabelecer uma abordagem integradora entre a ecologia e a economia (Madureira et al., 2013). Na tabela 2 estão listados alguns dos serviços mais importantes fornecidos por todo o sistema que é a montanha e seus habitats.

Tabela 2. Serviços de ecossistema socialmente mais importantes fornecidos pela montanha. Fonte: Aguiar et al. (2005)

Serviços dos ecossistemas Tipo de serviços

Produção de alimentos (inc. caça e pesca) Serviço de aprovisionamento

Produção de alimentos animais Serviço de aprovisionamento

Produção de materiais lenhosos Serviço de aprovisionamento

Produção de água Serviço de aprovisionamento

Regulação climática Serviço de regulação

Formação e retenção do solo Serviço de suporte

Ciclo de nutrientes Serviço de suporte

Sequestro de carbono Serviço de suporte

Refúgio de biodiversidade Serviço de suporte

Recreação e turismo Serviço cultural

Saber ecológico tradicional Serviço cultural

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A montanha tem um papel fundamental na regulação climática e no ciclo da água. Dela depende a qualidade, quantidade e regularidade da água fornecida às cidades e ao litoral, onde se concentra a maior parte da população continental portuguesa. A importância das montanhas na captura de precipitação em Portugal é acrescida pela disposição N-S dos principais maciços montanhosos (Aguiar et al., 2005; Hazeu et al., 2010). A montanha reúne ainda condições particularmente favoráveis para a retenção e sequestro de carbono no solo, devido às baixas temperaturas anuais, elevadas precipitações, solos ácidos e uma grande área de solos marginais com uma história recente de cerealicultura (Aguiar et al., 2005). Certos habitats, tais como os cervunais, as turfeiras ou a floresta, contribuem através da formação de solos ricos em matéria orgânica para melhorar estes serviços. A cobertura florestal das encostas permite a retenção dos solos diminuindo a sua erosão, o assoreamento dos rios e a possibilidade de desastres naturais a jusante, como enxurradas e inundações. Para além disso, as florestas de montanha contribuem para a amenização do clima e são as maiores fornecedoras de produtos lenhosos a nível global, contribuindo para a fixação de CO2 (Hazeu

et al., 2010).

Apesar de atualmente os alimentos serem produzidos, na sua maioria, em sistemas intensivos nas terras baixas, as práticas tradicionais extensivas de montanha continuam a fornecer produtos como lacticínios, carne e mel, e nos vales é realizada agricultura mais intensiva. Os alimentos silvestres, tais como caça e pesca, frutos e cogumelos são particularmente importantes para as comunidades locais, para consumo próprio e para comercialização com o exterior. A lã é outro produto exportado, tendo alguma relevância para as economias serranas, embora muito menos do que no passado (Hazeu et al., 2010).

A relevância dos serviços de refúgio de biodiversidade e dos serviços culturais justificou a concentração de áreas protegidas e das áreas da Rede Natura 2000 na montanha. Estes dois serviços fazem das montanhas um recurso turístico chave nos contextos regional e nacional (Aguiar et al., 2005). A maior riqueza em biodiversidade faz com que funcionem como um reservatório de recursos genéticos, tendo muitas espécies utilizações ainda não conhecidas de caracter medicinal, ornamental, alimentar, entre outras (Hazeu et al., 2010).

Dentro dos serviços culturais fornecidos, englobam-se as oportunidades de recreio e de bem-estar espiritual (Ribeiro et al., 2011). O saber ecológico tradicional que persiste até aos dias de hoje nas aldeias serranas é também um importante recurso. A erosão do saber fazer agricultura, das subtis e complexas técnicas necessárias para criar animais e cuidar da floresta

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com sucesso, é, talvez, o maior risco do abandono agrícola (Aguiar et al., 2005; Berkes et al., 2000).

Ao longo da história, a montanha desempenhou um papel de refúgio e foi mais segura e eficaz na sustentação da população. A diversificação dos usos e complexificação da gestão surgiram como resposta à maior diversidade de recursos naturais e também à sua escassez. Ou seja, apesar das condicionantes ao uso do solo na montanha, a heterogeneidade ambiental permite um gradiente de produtividade no espaço e no tempo. A pastorícia extensiva, por exemplo, percorre o território fazendo o melhor uso deste gradiente: no inverno o gado pasta a menor altitude e no verão sobe a serra fazer uso das pastagens espontâneas, podendo pastar também no subcoberto dos carvalhais quando a erva já secou nos outros locais. As diferentes unidades territoriais são multifuncionais e interligadas pelas diversas atividades que delas dependem. Por exemplo, para além de pastagem, os matos e os carvalhais fornecem lenha, caça, espaço para a apicultura e outros recursos não lenhosos. Isto permitiu aos povos de montanha resistir melhor a anos climaticamente extremos do que os das terras baixas, evitando riscos de anos de fome e apropriação desigual da riqueza. Desta forma, no período agro-pastoril os ganhos de escala com a área não superavam as vantagens da diversificação (Aguiar et al., 2005). Apesar de a montanha estar atualmente em desvantagem na produção de alimentos em relação às terras baixas, no futuro, devido a alterações como por exemplo a ameaça das alterações climáticas ou sociais, essa situação poderá inverter-se, havendo o potencial de albergar sistemas com maior resiliência.

Sob os atuais paradigmas económicos, os serviços de regulação, de suporte e culturais, à exceção da recreação e turismo, fornecidos pela montanha não são remunerados pelo mercado (Aguiar et al., 2005), uma vez que há falta de direitos de propriedade bem definidos. Esta situação traduz-se numa falha de mercado, uma vez que as alterações que levam a reduções ou melhorias no fornecimento destes serviços não são incorporadas pelo mercado. Estes custos ou benefícios, colaterais à atividade que os desencadeou, designam-se por externalidades negativas ou positivas respetivamente. Por exemplo, se o proprietário de um terreno decide arborizá-lo, as externalidades positivas resultantes, tais como a fixação de carbono, a formação de solo ou a regulação climática, que beneficiam não só o proprietário mas também agentes externos ao sistema, não são remuneradas por quem delas beneficia. Desta forma o pagamento destes serviços seria uma forma de promover a conservação dos habitats de montanha que contribuem para o fornecimento dos mesmos (Madureira et al., 2013).

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O incremento dos serviços dos ecossistemas da montanha portuguesa depende, em grande medida, da cessação do abandono agrícola e da adoção de novas práticas agrárias (Aguiar et al., 2005). Num cenário de total abandono os serviços dos ecossistemas estagnam e a montanha perde a capacidade de responder às futuras variações da demanda de serviços por parte das terras-baixas. O estancamento do abandono agrícola, a diversificação espacial de usos e padrões de perturbação dos ecossistemas e, implicitamente, a complexificação da paisagem cultural de montanha, com manchas de vegetação natural sucessionalmente heterogéneas, em mosaico com múltiplos agroecossistemas, incrementa e diversifica a oferta de serviços de ecossistema. Uma paisagem diversa oferece um leque variado de opções de gestão, tornando-se mais resiliente perante perturbações extremas do que as paisagens simplificadas pelo abandono agrário (Aguiar et al., 2005).

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