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Gestão de espaços florestais em áreas protegidas de montanha: o caso do Perímetro Florestal de Manteigas

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Gestão de espaços florestais em áreas protegidas de montanha

O caso do Perímetro Florestal de Manteigas

Dissertação de Mestrado em Engenharia Florestal

Ana Teresa Lopes Alves de Matos

Filipa Conceição Silva Torres Manso

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Gestão de espaços florestais em áreas protegidas de montanha

O caso do Perímetro Florestal de Manteigas

Dissertação de Mestrado em Engenharia Florestal

Ana Teresa Lopes Alves de Matos

Filipa Conceição Silva Torres Manso

Composição do Júri:

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As doutrinas expressas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor.

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I

Agradecimentos

As poucas palavras que se seguem não conseguem exprimir o meu sentimento em relação a todos aqueles que, de um modo ou de outro, me ajudaram a concluir esta etapa da minha formação. O apoio que recebi tornou possível a elaboração desta dissertação. Agradeço por isso:

À Professora Doutora Filipa Torres Manso, o meu profundo agradecimento por ter aceitado ser a minha orientadora, por todo o acompanhamento e sugestões que tanto melhoraram o meu trabalho e por todo o apoio e incentivo.

Ao Engenheiro Rafael Neiva, do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro, pela simpatia com que me recebeu e acompanhou durante todo o meu trabalho e estadia em Manteigas, pelo empenho, pelas conversas enriquecedoras e por todo o conhecimento que me transmitiu.

À Engenheira Cláudia Salgueiro, do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro, pelo afetuoso acolhimento e simpatia que sempre me dispensou e pelos ensinamentos e apoio na recolha de informação.

Ao Engenheiro Rui Rosmaninho, Diretor do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro, por me ter dado a oportunidade de realizar o Plano de Gestão Florestal.

À coordenadora do Mestrado em Engenharia Florestal, a Professora Doutora Simone Varandas, pela simpatia com que me aceitou neste Mestrado, que muito contribuiu para o enriquecimento da minha formação.

À Professora Doutora Otília Correia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que me cativou para a Ecologia Vegetal e a quem devo um especial agradecimento pela boa vontade e disponibilidade que sempre dela senti em me ajudar a concluir esta etapa formativa.

Ao Professor Doutor Paulo Fernandes, pela valiosa documentação e imagens que me disponibilizou e por toda a boa vontade que sempre manifestou.

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II

Ao Professor Doutor Luís Lopes, pelo conhecimento transmitido e pela bibliografia que amavelmente me cedeu.

Ao Professor Doutor Armindo Martins, pelo generoso empenho e gosto que mostrou em me ajudar na obtenção de bibliografia.

À Dona Mª de Lurdes Rodrigues, sempre tão prestável e simpática, e que muito me ajudou em questões burocráticas.

A todo o pessoal dos Serviços do Parque Natural da Serra da Estrela, Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro, por me terem proporcionado um ambiente de trabalho amigável e acolhedor.

Ao Sr. José Cardoso e ao Sr. Manuel Isidro, dois dos poucos pastores que ainda existem na Serra e que continuam a exercer a sua atividade com tanta paixão e saber viver, pelo saber ancestral que guardam.

Aos amigos que fiz em Manteigas, à Diana e família, à Luísa, ao Sr. João Caramelo, ao Sr. Fernando e à Dona Luísa, pela sua amizade e por me terem feito sentir em casa.

Aos meus colegas de curso, pela camaradagem e amizade e pelos bons momentos que passámos.

À Elisabete, à Renata, à Sandra e à Ana, com quem partilhei não só a casa enquanto estudei em Vila Real, mas também bons momentos.

Aos amigos que tenho feito desde a infância até aos mais recentes, mas não menos importantes, todos de áreas diferentes e que até por isso me têm enriquecido, pela amizade duradora e verdadeira.

À minha família pela força que me deram quando mais precisava, por acreditarem nos meus objetivos e por me possibilitarem os meios para os concretizar.

Ao André por todo carinho e amor com que me apoiou diariamente ao longo desta etapa, pela paciência, pelo esforço que fez para a distância se tornar suportável e pela serenidade e confiança que me transmitiu quando estava presente.

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III

RESUMO

O Parque Natural da Serra da Estrela é uma área protegida de grande importância ecológica, principalmente ao nível da sua biodiversidade e capacidade de provisionamento de água em quantidade e qualidade. Tal como a maioria das montanhas portuguesas, diversos fatores têm levado à sua instabilidade e contínua degradação, implicando perda de serviços de ecossistema. Os incêndios florestais de grande dimensão e intensidade constituem o problema com maior visibilidade e devem-se sobretudo à ausência de uma gestão eficaz do território. Deste modo, é necessário encontrar formas de gestão que respondam aos desafios atuais e futuros, o que será possível através da compreensão dos constrangimentos que conduziram à situação atual.

Através da análise histórica da evolução da realidade nas montanhas, ressaltam dois períodos de estabilidade: um em que a ocupação humana ainda não tinha um impacto significativo nos ecossistemas e o período das sociedades agro-pastoris tradicionais. Uma vez que a conservação da natureza visa a proteção dos valores remanescentes destas duas situações contra as influências nefastas da globalização, faz todo o sentido procurar no passado soluções ao nível da gestão para os desequilíbrios presentes, adaptando-as à realidade atual.

O objetivo central deste trabalho consiste na elaboração do Plano de Gestão Florestal do Perímetro Florestal de Manteigas, com a proposta de medidas de gestão que tenham em atenção as condicionantes existentes, de forma a promover um desenvolvimento sustentável na região. Algumas das soluções encontradas foram a expansão da floresta autóctone em locais estratégicos e o fomento das atividades tradicionais, principalmente o pastoreio extensivo, de forma a promover um mosaico paisagístico mais resistente aos incêndios e a proteger importantes valores naturais e culturais.

Palavras-chave: Áreas protegidas, regimes de propriedade, Gestão Florestal, espécies autóctones, saber tradicional

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IV

ABSTRACT

The Serra da Estrela Natural Park is a protected area of great ecological importance, particularly in terms of its biodiversity and water provisioning service, in quantity and quality. Like most of the Portuguese mountains, several factors have led to their instability and continuous degradation, leading to loss of ecosystem services. The forest fires of great size and intensity are the most visible problem and are mostly related to the lack of an effective management of the territory. Thus, it is necessary to find management ways able to respond to current and future challenges, which is possible by understanding the constraints that lead to the present-day situation.

Through retrospective analysis of the evolution of the Portuguese mountain’s situation, two phases of stability can be highlighted: one in which human occupation still hadn’t a significant impact on ecosystems and subsequently the stage of the traditional agro-pastoral societies. Since the nature conservation aims to protect the remaining values of these two stages against the harmful influences of globalization, it makes sense to seek and adapt management solutions from the past as an answer to the current imbalances.

The main objective of this work consists in the development of a Forest Management Plan for the Forest Perimeter of Manteigas, proposing management measures that take into account the existing constraints in order to promote a sustainable development in the region. Some of the solutions were the expansion of the native forest in strategic locations and the promotion of traditional activities, especially the extensive grazing, in order to induce a landscape mosaic with greater resistance against fires and to protect significant natural and cultural values.

Keywords: Protected areas, property regimes, Forest Management, native species, traditional knowledge

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V

Índice

Agradecimentos ... I Resumo ... III Abstract ... IV Índice ... V Índice de Figuras ... VII Índice de Tabelas ... VIII Lista de abreviaturas, siglas ou acrónimos ... IX

1. Introdução ... 1

2. A regressão das florestas no período Holocénico ... 3

3. As sociedades agro-pastoris das montanhas do Norte e Centro: breve apontamento histórico e evolução ... 7

3.1. Origens... 7

3.2. A influência das ideias liberais ... 9

3.3. Estado Novo ... 11

3.4. Pós 25 de Abril ... 13

4. Os espaços florestais de montanha na atualidade ... 15

4.1. Da emergência da consciência ambiental à situação atual ... 15

4.2. A situação atual da floresta ... 24

4.3 As alterações climáticas e os seus efeitos no espaço florestal ... 27

5. A importância da conservação da natureza em espaços florestais de montanha no contexto atual ... 29

5.1. As funções da montanha ... 29

5.2. A conservação em áreas protegidas de montanha ... 32

5.2.1. A importância da floresta autóctone no contexto atual ... 33

5.2.2. Mudança de paradigma na gestão de combustíveis e manutenção do mosaico paisagístico ... 49

6. Caracterização do Perímetro Florestal de Manteigas ... 53

6.1. Enquadramento: o Parque Natural da Serra da Estrela... 53

6.1.1. Geomorfologia, hidrologia e clima ... 53

6.1.2. Habitats e espécies presentes ... 54

(9)

VI

6.2. Caracterização geral da área de estudo ... 61

6.2.1. Enquadramento geográfico ... 61

6.2.2. Caracterização biofísica ... 62

6.2.3. Evolução histórica da gestão ... 74

6.2.4. Bens e serviços ... 77

7. Metodologia para a elaboração do PGF ... 83

7.1. Metodologia para o estudo do Perímetro Florestal de Manteigas ... 83

7.1.1 Sistema de Informação Geográfica ... 83

7.1.2 Inventário dos povoamentos florestais ... 84

7.2 Metodologia de realização dos inquéritos ... 85

8. Resultados e discussão ... 89

8.1 Avaliação Florestal do Perímetro ... 89

8.1.1. Caracterização do uso do solo ... 89

8.1.2. Caracterização dos povoamentos e habitats ... 91

8.1.3. Inventário dos povoamentos florestais ... 96

8.1.4. Caracterização das parcelas ... 97

8.2. Inquérito à população ... 98

9. Proposta de Plano de Gestão do Perímetro Florestal de Manteigas (PGF) ... 103

9.1 Enquadramento do PGF... 103

9.1.1 Regimes legais aplicáveis ... 103

9.1.2 Orientações do PROF BIN para o PGF ... 105

9.1.3 Áreas Classificadas abrangidas e respetivos objetivos de gestão ... 108

9.2. Definição de objetivos e medidas para o PGF ... 112

9.2.1 Objetivos e medidas ... 112

9.2.2. Adequação ao PROF ... 119

9.2.3. Definição de secções ... 120

9.2.4. Ações e respetiva justificação ... 122

10. Considerações finais ... 123

11. Referências bibliográficas ... 131

(10)

VII

Índice de Figuras

Figura 1. Áreas submetidas a Regime Florestal. ... 22

Figura 2. Área ardida na Serra da Nogueira. ... 38

Figura 3. O efeito de barreira contra o fogo de um carvalhal na Serra do Alvão. ... 38

Figura 4. Zona ardida de carvalhal na Serra do Alvão ... 39

Figura 5. Zonamento para a arborização do ponto de vista da prevenção de incêndios ... 40

Figura 6. Esquema de ordenamento da paisagem (em perspetiva) com vista à prevenção de incêndios. ... 41

Figura 7. A transumância no presente e no passado ... 75

Figura 8. Povoamento puro de carvalho-negral ... 91

Figura 9. Povoamento puro de faia ... 92

Figura 10. Povoamento misto de folhosas ... 93

Figura 11. Povoamentos mistos de folhosas e resinosas ... 94

Figura 12. Povoamento misto de pinheiro-bravo e carvalhos ... 95

Figura 13. Cervunal da Nave de Sto. António ... 96

Figura 14. Análise das respostas, por grupo de inquiridos, à 5ª questão: “Qual destas funções acha mais importante melhorar no baldio?” ... 101

(11)

VIII

Índice de Tabelas

Tabela 1. Paradigmas contrastantes na gestão de áreas protegidas ... 17

Tabela 2. Serviços de ecossistema socialmente mais importantes fornecidos pela montanha 29 Tabela 3. Lista dos promotores de alterações ... 33

Tabela 4. Habitats e flora presentes no sítio “Serra da Estrela”. ... 55

Tabela 5. Espécies da flora referidas no POPNSE (2008) com interesse para a conservação. 57 Tabela 6. Macrofungos identificados na ZEM de Fernão Joanes ... 59

Tabela 7. Fauna presente no sítio “Serra da Estrela” ... 60

Tabela 8. Distribuição percentual das classes hipsométricas ... 62

Tabela 9. Distribuição percentual dos declives ... 62

Tabela 10. Distribuição percentual das exposições ... 63

Tabela 11. Dados climatológicos da estação sismográfica de Manteigas ... 65

Tabela 12. Dados climatológicos da estação meteorológica das Penhas Douradas ... 66

Tabela 13. Dados climatológicos da estação meteorológica das Penhas da Saúde ... 66

Tabela 14. Espécies e habitats presentes no Perímetro Florestal de Manteigas ... 67

Tabela 15. Lista de Espécies Cinegéticas identificadas na ZCA de Manteigas ... 70

Tabela 16. Histórico dos incêndios no Perímetro Florestal de Manteigas ... 71

Tabela 17. Quantificação do efeito do incêndio de 2015 na ocupação da área ardida ... 72

Tabela 18. Quantificação do efeito do incêndio de 2016 na ocupação da área ardida ... 72

Tabela 19. Povoamentos selecionados no Catálogo Nacional de Materiais de Base ... 80

Tabela 20. Distribuição do uso do solo no Perímetro Florestal de Manteigas ... 87

Tabela 21. Ocupação atual do solo do espaço florestal ... 88

Tabela 22. Análise dos inventários realizados. ... 95

Tabela 23. Figuras Especiais de Proteção, Servidões Legais e Outras Restrições de Utilidade Pública e Ónus relevantes para a gestão ... 102

Tabela 24. Sub-regiões homogéneas presentes, suas funções e objetivos ... 105

Tabela 25. Incidência das tipologias de proteção ... 107

Tabela 26. Adequação dos objetivos do PGF aos do PROF ... 117

Tabela 27. Secções, sua descrição e funções ... 118

Tabela 28. Objetivos referentes a cada secção ... 119

(12)

IX

Lista de abreviaturas, siglas, símbolos ou acrónimos

AFN - Autoridade Florestal Nacional

DAP - Diâmetro à Altura do Peito

DFCI - Defesa da Floresta Contra Incêndios DOP - Denominação de Origem Protegida

DRAPC - Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro ENF - Estratégia Nacional para as Florestas

FGC - Faixas de Gestão de Combustíveis

ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change

NUTS - Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos PGF - Plano de Gestão Florestal

PMDFCI - Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios PNDFCI - Plano Nacional da Defesa da Floresta Contra Incêndios PNSE - Parque Natural da Serra da Estrela

POPNSE - Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela POSF - Plano Operacional de Sanidade Florestal

PROF - Plano Regional de Ordenamento Florestal

PROF BIN - Plano Regional de Ordenamento Florestal da Beira Interior Norte PSRN2000 - Plano Sectorial da Rede Natura 2000

RNAP - Rede Nacional de Áreas Protegidas SIC - Sítio de Importância Comunitária SIG - Sistema de Informação Geográfica

SNAC - Sistema Nacional de Áreas Classificadas SRH - Sub-Regiões Homogéneas

ZCA - Zona de Caça Associativa ZEM - Zona de Exploração Micológica

(13)

1

1. Introdução

Portugal é um país com características muito próprias no que toca à realidade dos seus espaços rurais. Esta especificidade resulta de uma interação de fatores desde o clima à geomorfologia, responsáveis por uma elevada diversidade de vegetação, não esquecendo a própria história e cultura intrínseca do seu povo. Todos estes aspetos em articulação com as transformações que têm ocorrido recentemente conduziram a uma realidade, nas regiões montanhosas do interior Norte e Centro, que não é desejável do ponto de vista da sua sustentabilidade. O problema com maior visibilidade são os incêndios florestais de grande extensão e severidade. Estes consomem as serras periodicamente, resultando na sua degradação contínua, não tendo havido até agora capacidade para inverter a situação.

Os espaços florestais são um potencial motor do desenvolvimento nestas regiões, tanto pela sua extensão como pela capacidade de criar emprego e riqueza, através da sua gestão e dos bens produzidos, fornecendo também diversos serviços de ecossistema não comercializáveis, mas indispensáveis ao bem-estar humano. No entanto, hoje em dia a sua gestão depara-se com diversas dificuldades, entre as quais o abandono rural, a estrutura da propriedade, os conflitos de interesses e outros problemas de cariz político e social, tornando-a desinteresstornando-ante ptornando-artornando-a os proprietários, que possuem tornando-a mtornando-aior ptornando-arte dos esptornando-aços floresttornando-ais nacionais, levando ao seu abandono e aumentando a sua vulnerabilidade aos incêndios (Radich & Baptista, 2005). Segundo Rego (2001), os fogos são uma evidência de que atualmente as florestas instaladas não correspondem às expectativas para as quais foram criadas, nem às novas exigências sociais e ecológicas.

A consciência ambiental tem vindo a aumentar, trazendo novas exigências por parte da sociedade para os espaços florestais, tais como o fornecimento de serviços de recreação e a salvaguarda dos valores ecológicos e culturais, levando à criação de Áreas Classificadas. No entanto, estas não conseguiram ainda cumprir os objetivos pelos quais foram criadas, nomeadamente travar a perda de biodiversidade e fomentar o desenvolvimento sustentável. Uma das razões para tal, para além das já mencionadas, tem sido a incompatibilidade entre as atividades económicas convencionais e a conservação da natureza.

Esta dissertação tem por objetivo o traçado de um conjunto de medidas de gestão adaptadas aos problemas e expectativas atuais, cuja aplicação contribui para a criação um espaço demonstrativo de boas práticas e da possibilidade de compatibilização entre objetivos

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2

de conservação e dinamização económica, com concretização através da elaboração do Plano de Gestão Florestal do Perímetro Florestal de Manteigas.

Para tal começa-se por analisar retrospetivamente a situação atual das montanhas do Norte e Centro de Portugal. Esta etapa é necessária para a compreensão dos mecanismos que levaram ao seu estado atual, possibilitando as melhores decisões ao nível da gestão. Ignorar este conhecimento tem vindo a resultar ao longo dos tempos em políticas e ações práticas que, não considerando os fatores históricos, sociais e ambientais das regiões em que se atua, têm vindo a pôr em causa a sustentabilidade do sistema, trazendo instabilidade ao mesmo. De seguida é feita uma revisão sobre a importância da montanha no contexto atual, com um foco especial sobre a floresta autóctone. Serão abordadas as suas vantagens em relação a outros tipos de floresta e as suas funções na paisagem. Serão também apresentados exemplos de modelos de gestão alternativos que conciliem a mesma e outros habitats de importância para a conservação com atividades económicas, criando sistemas sustentáveis a nível ecológico, económico e social.

Posteriormente será apresentado o Plano de Gestão do Perímetro Florestal de Manteigas. Para tal, foi caracterizado o espaço florestal por meio do recurso a Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Por fim, algumas das soluções identificadas ao nível da gestão são propostas através da formulação dos objetivos e medidas.

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3

2. A regressão das florestas no período Holocénico

Anteriormente às atividades humanas terem tido um impacto significativo nos ecossistemas, as montanhas portuguesas do Norte e Centro eram ocupadas por mosaicos paisagísticos bastante ricos em biodiversidade, nos quais o habitat dominante era a floresta de folhosas. Esta ocupação resultou da interação de diversos fatores, entre os quais as alterações climáticas que levaram à alteração da distribuição das espécies conduzindo-as para maiores altitudes e latitudes desde o final da última glaciação (há cerca de 10.000 anos) (Rego et al., 2011).

No caso da Serra da Estrela, tal como em muitas outras regiões montanhosas, na entrada do presente período interglaciar, o Holoceno, deu-se a substituição dos pinheiros esparsos, provavelmente pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris), por florestas de folhosas com domínio das quercíneas (género Quercus) (Van der Knaap & van Leeuwen, 1995; Jansen, 2002), que estavam até então refugiadas nas zonas litorais e de menor altitude (Rego et al., 2011). Observa-se de facto uma diminuição abrupta da quantidade de pólen de Pinus sp. nos estudos polínicos de Van der Knaap e van Leeuwen (1995, 1997) realizados a partir de amostras provenientes de várias lagoas de altitude da Serra da Estrela. Observa-se também, nos diagramas polínicos obtidos, um grande aumento de Quercus e também de vidoeiro (Betula pubescens), embora em menores proporções. Verificou-se igualmente um aumento de espécies como Frangula alnus, salgueiros (Salix spp.), tramazeira (Sorbus aucuparia), aveleira (Corylus avellana), teixo (Taxus baccata) e amieiro (Alnus glutinosa), espécies menos abundantes. Jansen (2002), que também defende o domínio de Quercus, refere a presença de bosques de vidoeiro ou de teixo, por vezes misturados com azevinho (Ilex

aquifolium). Refere também a presença de bosques de freixo (Fraxinus angustifolia) em

zonas mais húmidas e galerias ripícolas de amieiro. As zonas de maior altitude, previamente desprovidas de vegetação arbórea, foram colonizadas por pinheiro-silvestre e vidoeiro, espécies de clima mais frio e húmido (Aguiar & Pinto, 2007; Rego et al., 2011). Também Jansen (2002) defende o caracter autóctone do pinheiro-silvestre no planalto da Serra da Estrela. Segundo os diagramas polínicos, os matos, que já não eram muitos, viram a sua área de ocupação bastante reduzida após o início do Holoceno. Também as herbáceas, em maior quantidade e com domínio das gramíneas, sofreram uma grande redução, provavelmente devido à expansão de Quercus (Van der Knaap & van Leeuwen, 1995).

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4

No entanto, estas conclusões são discutíveis, pois as comunidades presentes e a sua linha de sucessão temporal são específicas para cada situação pontual. É difícil definir as dinâmicas de distribuição das espécies a partir de estudos polínicos, uma vez que o pólen pode ser proveniente de áreas a dezenas de quilómetros de distância, entre outros enviesamentos (Van der Knaap & van Leeuwen, 1995).

O Holoceno foi de facto o apogeu da expansão das florestas de folhosas desde o último período glaciar, especialmente dos carvalhais (van der Knaap & van Leeuwen, 1995; Aguiar & Pinto, 2007; Rego et al., 2011). Eram poucos os fatores naturais que propiciassem a expansão de habitats que não as florestas. Para além de limitações de clima ou substrato, que condicionavam a colonização arbórea de certas linhas de cumeada (Rego et al., 2011), apenas perturbações tais como fogos, deslizamentos de terra, enxurradas ou o pastoreio e pisoteio por grandes herbívoros (como cavalos, auroques e bisontes) criariam condições para a permanência de vegetação herbácea ou arbustiva (Aguiar & Pinto, 2007).

Vera (2000), assim como outros autores (Bullock, 2009; Johnson, 2009; Smit et al., 2015), defende o papel predominante dos grandes herbívoros na manutenção do mosaico paisagístico na Europa Central e Ocidental temperada antes da domesticação antrópica da paisagem. Segundo o autor a dominância de espécies de luz, como os carvalhos (Quercus spp.), nas terras baixas da Europa Central e Ocidental resulta do pastoreio por grandes herbívoros: uma vez que estes eliminam árvores jovens através do pastoreio e pisoteio, os carvalhos regeneram apenas na presença de arbustos espinhosos que os protejam desta pressão. Certas aves dispersoras de sementes, como o gaio, têm um papel fundamental na dispersão destas árvores. Mais tarde os carvalhos evoluem para uma floresta fechada, onde, pela ausência de regeneração arbórea de espécies de sombra devido à pressão mencionada, acabam por definhar devido à idade, voltando o sistema à etapa inicial. Porém, na ausência de herbívoros de grande porte, como acontece nas florestas virgens das montanhas dos Balcãs ou artificialmente em florestas das terras baixas da Europa Central e América do Norte, o carvalhal acaba por dar lugar a florestas dominadas por espécies de sombra. Em Portugal, o exemplo da Mata do Solitário, no Parque Natural da Arrábida, ilustra o anteriormente exposto. Aqui assiste-se à colonização do carvalhal centenário (Quercus faginea) por zêlha (Acer monspessulanum) e à ausência de rebentos de carvalhos, antecipando o desenvolvimento de uma floresta dominada por zêlha (Catarino et al., 1981). Segundo outros autores (Archer, 1989; Covington & Moore, 1994; Fuhlendorf & Smeins, 1997) os grandes

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5

herbívoros reduziriam a quantidade de material inflamável pela ação do pisoteio e pastoreio, reduzindo assim a frequência dos incêndios, e promovendo a regeneração arbórea.

Desta forma, com base no acima exposto, pode-se construir um cenário em que a paisagem da Serra da Estrela antes da influência humana seria dominada por carvalhais, intercalados com galerias ripícolas e com pastagens de herbáceas em zonas de maior pressão pelos herbívoros de grande porte e florestas de espécies tolerantes à sombra nos locais mais inacessíveis e em situações particulares do ponto de vista edáfico e climático. A maior altitude prevaleceriam os pinheiros e, nas zonas mais húmidas, as bétulas (Betula pubescens). A dominância dos carvalhos seria explicada pelo fenómeno que Vera (2000) descreve, em relação à presença de grandes herbívoros, e pela presença de condições edafoclimáticas não propícias ao fecho total das copas, permitindo a entrada de luz e a regeneração desta espécie. Isto poderia acontecer, por exemplo, em encostas pedregosas, nas quais as más condições do solo resultariam num menor crescimento das árvores.

A partir do Neolítico, o uso do fogo para a criação e renovação de pastos para o gado provocou a regressão das florestas e ao longo do tempo as montanhas passaram a ser dominadas por matos e herbáceas. Os estudos de van der Knaap e van Leeuwen (1995) mostram que na Serra da Estrela se verificou esta regressão acompanhada de um aumento de todos os tipos de matos, com destaque para Erica e herbáceas, principalmente gramíneas. Segundo Aguiar e Pinto (2007) o corte direto de árvores para lenha não é suficiente para justificar esta transição, uma vez que ocorreria regeneração das mesmas. Apenas a alteração do uso do solo poderia ser responsável pela regressão das florestas. Desta forma considera-se que a agricultura e o aproveitamento da lenha tiveram um efeito menor na regressão do coberto arbóreo, tendo sido o pastoreio o grande motor da domesticação da paisagem. O longo uso do fogo em ciclos curtos (para a renovação das pastagens) implicou perdas de solo por erosão, o empobrecimento do solo em nutrientes e exerceu uma pressão seletiva acentuada na flora. A paisagem tornou-se monótona e com baixa biodiversidade relativamente à situação pristina (Aguiar et al., 2005; Vera, 2002), sendo dominada por arbustos pirófitos e plantas herbáceas de baixo valor nutritivo. Os vales tornaram-se “ilhas de fertilidade” e as encostas com maior declive tornaram-se esqueléticas (Aguiar & Pinto, 2007). Ao longo do tempo as florestas sofreram períodos de recuo e de recuperação em resposta aos níveis de pressão humana, mas a tendência para a desarborização predominaria (Rego, 2001).

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3. As sociedades agro-pastoris das montanhas do Norte e Centro:

breve apontamento histórico e evolução

3.1. Origens

Ao longo dos tempos as sociedades que se estabeleceram na montanha portuguesa desenvolveram esquemas de apropriação e gestão dos recursos naturais muito complexos, resultando na estratégia mais eficiente, do ponto de vista económico, para os referidos espaços. Até à revolução industrial a sua ocupação seguiu um padrão espacial que resulta da acomodação dos sistemas tradicionais de aproveitamento dos recursos naturais às restrições ambientais. Nos pontos de estabelecimento das populações verificava-se uma estrutura aureolar com um gradiente de fertilidade e intensidade de uso da terra crescente no centro. Desta forma, as povoações encontravam-se envolvidas pelo espaço agrícola, em solos com elevada fertilidade, e estes por sua vez estariam envolvidos pelos baldios (Aguiar et al., 2005; Lopes et al.,2013). Estes consistem, desde então, num tipo de propriedade comunitária, isto é, os seus direitos de posse, gestão e usufruto pertencem tradicionalmente e legalmente aos moradores ou pessoas que desenvolvam atividades agroflorestais ou silvopastoris na(s) freguesia(s) a que pertencem (Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro; Gralheiro, 2002). São por norma compostos por zonas marginais incultas, a maior altitude, com declives mais acentuados ou em litologias particulares, onde se encontram solos mais pobres ocupados por vegetação arbustiva, herbácea e bosquetes residuais (Aguiar et al., 2005).

A origem dos baldios perde-se no tempo, e ainda hoje continua por esclarecer completamente. Segundo Gralheiro (2002) existem várias correntes que explicam a sua génese. A corrente “germanista” sugere que os baldios são de origem autóctone e que têm muito a ver com a propriedade coletiva dos germanos, podendo ter sido reintroduzida na altura das invasões bárbaras. Em oposição existe a corrente “românica”, que defende que foram os romanos que implementaram este esquema de utilização das terras incultas. A adotada pelo autor acima citado defende que os primeiros baldios surgiram nas comunidades primitivas como resultado da transição entre o período nómada e o período sedentário. Assim, pressupõe-se que o território acabou por dar lugar a formas de propriedade individual, hereditária e transacionável, nos espaços mais produtivos (vales, junto às residências,…), enquanto grande parte da restante área, que era pertença ancestral do grupo, continuaria a ser usufruída coletivamente. Este esquema de apropriação manteve-se até aos dias de hoje,

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podendo ter sido afetado pelas várias invasões mas, mantendo a sua base autóctone (Gralheiro, 2002).

Comparando com a sua condição pristina, antes das atividades humanas terem impactos visíveis, as zonas incultas dos baldios devem a sua menor fertilidade a uma longa história de canalização ativa de solo e nutrientes para as auréolas interiores dos sistemas mencionados (hortas, lameiros e culturas de sequeiro), através da recolha de matos, da herbivoria ou do fogo. O gado possuía uma função dupla: a de principal produto de exportação do sistema, através da venda dos animais ou dos produtos derivados dos mesmos, e a de mobilizador de nutrientes dos incultos para as áreas de cultivo, através do estrume que serviria para fertilizar os campos agrícolas (Aguiar et al., 2005).

Desta forma, estes sistemas eram sustentáveis na medida em que, do ponto de vista ecológico, eram autossuficientes uma vez que não existia input de produtos externos ou de fontes de energia não renovável (as fontes de energia eram a água e o vento, captada através de moinhos, mas principalmente o sol, cuja energia seria transformada em alimentos, lenha e força braçal e de tração animal) (Lopes et al., 2013). A paisagem mantinha-se estável, sendo constituída por um mosaico rico em biodiversidade com dominância dos matos, etapa de regressão dos bosques, mantidos nesta fase da sucessão ecológica através da gestão humana. Do ponto de vista socioeconómico, a maior diversidade dos territórios de montanha permitiu garantir a sua estabilidade face a anos climaticamente extremos, ao contrário das terras baixas, onde os sistemas mais simplificados comportavam riscos de anos de fome e apropriação desigual da riqueza (Aguiar et al., 2005). Esta vantagem será explicada em maior detalhe no ponto 5.1.

Contudo, de acordo com Aguiar et al. (2005) esta sustentabilidade só pode ser considerada a uma escala temporal reduzida: o uso do território pelas sociedades orgânicas de montanha foi secularmente meta-estável, tendo no entanto deixado sequelas severas na diversidade biológica e nos serviços dos ecossistemas mediados pelo solo. Da mesma forma, Vera (2002) defende que, ao contrário do que muitos conservacionistas tendem a assumir, as práticas agrícolas tradicionais não foram as responsáveis pela criação e manutenção do mosaico paisagístico e sua biodiversidade na Europa. Este papel seria desempenhado, antes da dominância humana dos ecossistemas, pelos grandes herbívoros, tal como foi explicado no capítulo anterior.

Há cerca de 150 anos, observou-se uma intensificação e complexificação do uso agrário da montanha, em grande parte devido ao crescimento da população resultante da

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Revolução Industrial. O aumento da pressão humana sobre os ecossistemas resultou em escassez de recursos e crises alimentares. Por exemplo, Coutinho (1888) refere o caso da utilização de esterco de bovino como combustível em Sendim e em algumas aldeias do concelho de Moncorvo, devido à falta de combustíveis. Esta tendência só se inverteu com as emigrações maciças nos anos 50 do século passado (Aguiar et al., 2005).

3.2. A influência das ideias liberais

A partir do século XIX, deu-se o triunfo do liberalismo, ideologia burguesa que defende a propriedade individual, livre e perfeita, em oposição aos bens comuns, que seriam vistos como imperfeitos, não económicos e obsoletos, incompatíveis com a modernidade e o progresso (Radish & Alves, 2000; Lopes et al., 2013). Esta ideologia em conjunto com o facto de grande parte do país estar coberto de matos (dois terços a metade), tanto nas serras como nas zonas planas, fez com que os incultos e os baldios se tornassem inaceitáveis aos olhos dos governantes. Eram vistos como “causa do marasmo e dos enormes atrasos da nossa agricultura”, impedindo o desenvolvimento das zonas rurais (Radish & Alves, 2000; Lopes et

al., 2013). De facto assistia-se a casos de pobreza extrema; no entanto esta era resultante do

excesso de população e não do modo de vida tradicional. Os baldios e a própria vida em comunidade, com princípios bem marcados de interajuda, asseguravam o essencial aos carenciados, pelo que todos viviam com o mínimo de condições. Com o crescimento da população e a escassez de recursos resultante é que surgiu a miséria nas comunidades rurais (Vallina, 2012).

Ignorando os valores existentes no modo de vida das comunidades agrárias tradicionais, os baldios consistiriam, portanto, numa forma de propriedade a extinguir e a transformar em propriedade individual privada, o modo de exploração perfeito. Esta mudança possibilitaria a chegada do “progresso” ao País, que consistia, na visão liberal, na industrialização e aumento da produção (Estêvão, 1983; Radish & Alves, 2000; Lopes et al., 2013).

A confiscação dos baldios, previamente inalienáveis, foi possível através da criação de leis que permitiram a sua divisão pelos compartes (proprietários coletivos do baldio), para que os pudessem cultivar ou a sua administração pelos municípios e freguesias, os quais teriam depois o poder de venda e usufruto (Lopes et al., 2013). No entanto, a privatização não se

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concretizou tão facilmente nos baldios do Norte como nos do Sul, devido ao seu isolamento geográfico e uma vez que a sobrevivência e os modos de vida das pessoas estavam intrinsecamente ligados aos mesmos (Gralheiro, 2002).

Os baldios ocupam atualmente cerca de 500.000 hectares, área que se tem vindo a manter desde os levantamentos realizados pela Junta de Colonização Interna (organismo criado durante o Estado Novo para a colonização de zonas incultas, como baldios, e fomento das atividades agrícolas), em 1939. Situam-se fundamentalmente acima do Tejo e correspondem a cerca de 5% do território continental nacional. No entanto, presume-se que anteriormente aos processos de privatização este valor fosse muito maior, podendo ter chegado aos 45% (Gralheiro, 2002).

Nos finais do séc. XIX, paralelamente ao processo de privatização dos baldios, deu-se o início das arborizações (Estêvão, 1983). Nesta altura, estimava-se que apenas 7% da superfície de Portugal continental teria um coberto florestal e que grande parte estaria em processo avançado de erosão (Aguiar et al., 2005). Isto fez com que os governantes vissem como solução para a rentabilização de áreas incultas sem aptidão agrícola, a arborização, para fornecimento de bens e serviços de utilidade pública como a proteção do solo, regulação do regime hídrico, melhoramento do clima e matérias-primas. Relativamente a estas últimas, com grande importância para o desenvolvimento industrial do País e exportações, destacava-se inicialmente o papel da floresta no fornecimento de combustíveis (lenha e carvão), destacava-sendo esta função prioritária posteriormente alterada para o provisionamento de madeiras grossas reclamadas pela indústria (Estêvão, 1983; Rego, 2001)

Em 1886 foram criados os Serviços Florestais, beneficiando estes da presença de um conjunto de técnicos de elevada capacidade, formados nos países da Europa desenvolvida. Este organismo veio substituir a antiga Administração Geral das Matas, que era responsável pela gestão dos 14.464 hectares das Matas Nacionais (Radish & Alves, 2000; Devy-Vareta & Alves, 2007). Assim, foram iniciados em 1888 os primeiros trabalhos de arborização de baldios, nas Serras da Estrela e do Gerês, com tumultos e protestos dos povos contra o desapossamento dos seus baldios. Os Serviços Florestais ganharam a fama de usurpadores dentro das comunidades rurais (Estêvão, 1983; Radish & Alves, 2000).

Em 1903 foi publicado o regulamento do Regime Florestal (Radish & Alves, 2000). Este consiste numa servidão que visa assegurar não só a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública e necessária para o bom

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regime das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias, no litoral marítimo (parte VI, artigo 25.º do Decreto de 24 de Dezembro de 1901).

Este Regime, inspirado no projeto francês com o mesmo nome, está dividido em três modalidades: o Regime Florestal Total, no qual se inserem as propriedades do Estado e cuja floresta tem como objetivo a utilidade pública; o Regime Florestal Parcial (obrigatório) para os baldios e propriedades das autarquias locais e outras instituições; e o Regime Florestal Parcial (facultativo) para os restantes terrenos particulares. Nas últimas duas modalidades (Regime Florestal Parcial), os objetivos da florestação são mais flexíveis podendo ser atendidos os interesses imediatos do possuidor (Radish & Alves, 2000). São também dadas indicações para que dentro dos baldios a arborizar se definam as partes destinadas ao logradouro comum dos povos e que se tenham em conta os seus usos e costumes, de forma a salvaguardar os direitos das populações (Estevão, 1983).

Quanto ao sucesso da implementação desta legislação, o Regime Florestal Total foi cumprido, com a execução de planos de ordenamento para todas as propriedades do Estado. Já a aplicação do regime nos baldios não teve grande sucesso no objetivo de expansão e melhoria dos povoamentos florestais (Radish & Alves, 2000). Foram os proprietários privados de pequena dimensão os principais responsáveis pelas arborizações realizadas desde finais do séc. XIX até 1938, principalmente os da região Norte e Centro (Radich & Baptista, 2005). Estevão (1983) refere que com o início das arborizações realizadas pelos Serviços Florestais em baldios os camponeses foram pressionados a ser eles próprios a arborizá-los de forma a manter a sua posse. Desta forma, deu-se uma partilha do baldio entre os compartes, em que cada um começava por ser proprietário de determinadas árvores, passando depois a figurar na matriz cadastral como proprietário do terreno onde as mesmas se situam. Também a instalação da indústria de resinosas pode ter tido influência na arborização dos baldios nesta fase. Este fenómeno deu-se com grande intensidade na região do Pinhal Interior (NUTS III).

3.3. Estado Novo

Durante o Estado Novo, o Plano de Povoamento Florestal (1939-1977) tinha como objetivo a aplicação do Regime Florestal de forma mais assertiva, principalmente nos baldios, onde a implementação da lei não tinha ocorrido. Desta forma, houve como que uma

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apropriação dos baldios pelo Estado, isto é, o Regime permitiu que este interviesse na gestão florestal de qualquer tipo de propriedade sem recurso à expropriação, de modo que as arborizações pudessem ser concretizadas pelos Serviços Florestais sem constrangimentos (Estêvão, 1983; Rego, 2001; Devy-Vareta, 2003). A sensibilidade para os direitos dos compartes e a tentativa de harmonização de interesses que estavam previstas na lei foram postas de lado. Esta subordinação era justificada por motivos de “interesse público”, uma vez que geraria riqueza para o País e forneceria também proteção contra a erosão do solo e melhoramento do clima, entre outros serviços ambientais. Contudo estes argumentos, que os técnicos transmitiam à população, não eram compreendidos pelas pessoas, para quem um pedaço de terra nunca seria mais importante do que os interesses de populações inteiras, cujo modo de subsistência dependia da utilização do baldio. Para os silvicultores da época, os locais eram vistos como “atrasadas” e “primitivas”. O modo autoritário como o processo se desenrolou contribuiu para um sentimento de usurpação, gerando por vezes revoltas, destruição de sementeiras e de plantações (Estêvão, 1983; Rego, 2001; Devy-Vareta, 2003).

As preocupações com o fomento e salvaguarda das atividades industriais refletiram-se não só na intenção de criar maciços florestais, mas também na promessa de instalação de pastagens melhoradas (60.000ha), como medida compensatória, onde as indústrias dos lanifícios e dos lacticínios tinham maior peso. Também estava prevista a permissão de entrada do gado nos arvoredos, após estes atingirem uma fase de desenvolvimento adequada (Estêvão, 1983). No entanto, a maioria das prometidas pastagens melhoradas nunca foram implementadas. Nas serras do Centro os conflitos foram muito frequentes devido à grande importância da pastorícia na região. Os pastores viram a área de pastos reduzida, para além de que foi proibido o uso do fogo (para evitar incêndios nos povoamentos florestais), o que impedia a sua renovação (Rego, 2001).

O Plano de Povoamento Florestal resultou na arborização de cerca de 300.000 hectares pelos Serviços Florestais, na sua maioria constituídos por povoamentos de pinheiro-bravo (Mendes & Fernandes, 2007). Na documentação original é referida como uma das razões da utilização desta espécie, a criação de condições para a instalação das quercíneas, dado o estado de degradação em que se encontravam grande parte dos solos de montanha e a sua boa adaptação aos mesmos. Outro motivo que justificaria o uso do pinheiro-bravo em grande escala poderá ter sido a instalação das indústrias desta fileira (Estêvão, 1983; Rego, 2001).

Desta forma, as arborizações em conjunto com a escassez de inovações tecnológicas eficientes e a degradação dos termos de troca com as terras baixas contribuíram fortemente

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para a migração das populações. As vantagens agroecológicas existentes nas montanhas durante o período agro-pastoril foram transformadas pelas inovações tecnológicas da revolução industrial (mecanização e fatores de produção externos ao sistema, que aumentaram a produtividade nas terras baixas) em restrições à produção agrícola e animal difíceis de reduzir (Aguiar et al., 2005). Muitas pessoas emigraram em busca de oportunidades de vida nas cidades e no estrangeiro, iniciando-se assim o processo de despovoamento das serras. Estêvão (1983) alega que o despovoamento das áreas arborizadas foi do interesse do Estado, uma vez que proporcionaria abundância de mão-de-obra barata e não especializada, e causaria também o aumento das áreas consumidoras de adubos químicos através da extinção das matérias orgânicas de fertilização tradicional. Mais uma vez verificar-se-ia a preocupação do Estado com o sector industrial.

3.4. Pós 25 de Abril

Após a queda do Estado Novo em 25 de Abril de 1974, o V e VI Governos Provisórios lançaram os Decretos-lei nº39/76 e nº40/76, que visavam a devolução dos baldios às comunidades que deles tinham sido desapossadas, podendo estas retomar as formas tradicionais de gestão. Pretendia-se integrar esta entrega no quadro político da Reforma Agrária. Esta tinha por objetivo a destruição do poder dos grandes agrários e a distribuição de benesses aos pequenos agricultores para que fossem estes a tomar conta do processo produtivo e dos recursos naturais. Aquela legislação pretendia também institucionalizar formas de “organização democrática local” que possibilitassem a tomada de decisão e a definição dos modelos de administração pelos locais de forma antiburocrática (Gralheira, 2002; Baptista, 2010; Lopes et al., 2013). Assim, os baldios passariam a adotar uma de diversas modalidades de gestão, definidas pela combinação de dois critérios: a) tipo de órgão gestor (Conselho Diretivo eleito pelos compartes, ou Junta de Freguesia), e modo como este foi investido na gestão do baldio; b) existência, ou não, de uma colaboração do órgão gestor com os Serviços Florestais na gestão da área do baldio ou de parte dela (Baptista, 2010).

A devolução dos baldios não resultou na prevista gestão ativa e tradicional (Radich & Baptista, 2005) por parte das comunidades, uma vez que estas tinham sofrido alterações sociais profundas durante o período do Estado Novo. Por um lado, grande parte dos jovens tinha emigrado, tendo a população restante envelhecido. Por outro, as pessoas que lá

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permaneceram adotaram novas formas de vida, pelo que as populações se desligaram do baldio e não retomaram as atividades tradicionais aquando da sua devolução. A existência dos povoamentos florestais também entrava em conflito com a reintrodução das formas tradicionais de gestão. Isto resultou no desinteresse de muitas comunidades nos seus baldios, tendo a maior parte escolhido a modalidade de administração em associação com o Estado (Gralheira, 2002; Devy-Vareta, 2003; Radich & Baptista, 2005), passando desta forma a receber parte das receitas dos produtos lenhosos explorados nos baldios, que seriam geralmente aplicados na melhoria de infraestruturas e em equipamentos sociais (Devy-Vareta, 2003). Grande parte dos baldios não reuniu sequer a 1ª assembleia de compartes (Gralheira, 2002), sendo que, nestes casos, os terrenos mantiveram-se sob controlo dos Serviços Florestais ou das autarquias (Baptista, 2010). Deixaram, assim, de ser espaços utilizados em articulação com os sistemas de produção de cada comparte para se tornarem num espaço apropriado pelas receitas que proporciona ao povoado. Atualmente, para além da exploração dos produtos lenhosos, existe o arrendamento de parcelas para produção florestal, parques eólicos, caça, pedreiras, entre outras atividades (Baptista, 2010).

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4. Os espaços florestais de montanha na atualidade

4.1. Da emergência da consciência ambiental à situação atual

Desde a pré-história a humanidade foi moldando os espaços naturais. A sua marca cresceu lentamente para depois aumentar exponencialmente, convertendo-se no elemento mais perturbador e transformador dos ecossistemas (Rego et al., 2011). Com a revolução industrial as novas tecnologias, como as máquinas movidas a energias fósseis, permitiram à humanidade uma capacidade de intervenção no meio ambiente muito maior do que a que tinham anteriormente, em que as fontes de energia eram o sol, a força da água e do vento (Lopes et al., 2013). O crescimento populacional e a utilização destas tecnologias provocaram o aumento da exploração dos recursos naturais e níveis elevados de poluição. Esta degradação ambiental conduziu a um movimento mundial pela conservação da natureza que tem vindo a ganhar força e visibilidade, tendo resultado na criação de inúmeras áreas protegidas.

No entanto, se bem que a classificação destas áreas lhes tenha conferido certa proteção contra a pressão crescente sobre os ecossistemas, também, em certos aspetos, não trouxe os resultados esperados.

Até aos anos setenta do século passado as áreas protegidas eram vistas como independentes do meio envolvente humanizado e localizadas em áreas de baixo valor económico. Na Europa este conceito de área protegida teve as suas raízes nas primeiras reservas de caça e florestas reais criadas na Idade Média. A sua finalidade era salvaguardar esses espaços da crescente competição pela terra e pelos seus recursos, causada pelo lento crescimento da população durante a Idade Média na Europa. Estabeleceu-se, assim, o princípio da definição de uma área para gestão especial e proteção, incluindo retaliações para os infratores (Jones-Walters & Čivić, 2012). Mais tarde deu-se a criação dos primeiros Parques Nacionais nos Estados Unidos, nos finais do século XIX (Phillips, 2003; Jones-Walters & Čivić, 2012), onde a paisagem se encontrava “pristina”, uma vez que as populações indígenas tinham baixo impacto nos ecossistemas. Desta forma, bastou para a sua criação, a delimitação de áreas não colonizadas, cuja gestão se limitaria a evitar a interferência do homem nos processos naturais (Phillips, 2003). A partir daí, surgiu um movimento mundial de criação de Parques Nacionais, devido ao qual muitos países seguiram o exemplo americano.

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Na Europa este movimento deu-se em força a partir dos anos 30 do século passado (Jones-Walters & Čivić, 2012). No entanto, tendo sido os ecossistemas europeus fortemente intervencionados pelo Homem desde há milénios, a aplicação deste conceito trouxe conflitos com as populações. Como já foi mencionado, as pessoas desenvolveram atividades que alteravam os processos naturais, conduzindo a um equilíbrio diferente do que se observaria numa paisagem “pristina”, mas com valores culturais e naturais notáveis. Apesar deste equilíbrio se ter fragilizado após a industrialização, manteve-se até certo ponto nas regiões montanhosas (Aguiar et al., 2005; Vallina, 2012). De facto, as montanhas foram alvo da criação de uma série de áreas protegidas, uma vez que encerravam valores naturais dignos de preservação (Vallina, 2012). Os seus planos de ordenamento estabeleceram diferentes regimes de proteção e respetivo zonamento (usos e atividades a interditar, a condicionar e a promover, por regime de proteção) consoante os valores naturais presentes, para sua defesa contra ações destrutivas por parte do homem e fomento de um desenvolvimento sustentável. Os regimes de proteção vão do nível mais baixo, com menos restrições às atividades humanas e de acesso livre, até ao mais elevado, onde o acesso é proibido e dependente de autorização (Gonzallez, 1991; POPNSE, 2008; ICNF, 2016).

Tendo contribuído para inibir a industrialização e/ou a massificação turística destas regiões, este conceito de conservação ignorava muitas vezes, ou até excluía, as populações serranas que eram vistas como intrusas e perturbadoras dos processos naturais, apesar de terem contribuído para a existência de tais valores (Vallina, 2012). Este conceito tem vindo a mudar desde os anos setenta, reconhecendo-se cada vez mais o papel das comunidades locais em ecossistemas humanizados (Phillips, 2003; Jones-Walters & Čivić, 2012). A tabela 1 esquematiza esta mudança.

Em Portugal a criação de áreas protegidas foi implementada através da Lei nº 9 de 1970. Segundo esta lei, incumbe ao Governo promover o estabelecimento de áreas onde o meio natural deva ser reconstituído ou preservado contra a degradação provocada pelo Homem. Estas áreas, por serem de utilidade pública, ficariam submetidas ao Regime Florestal obrigatório, Total ou Parcial. A primeira a ser criada foi o Parque Nacional da Peneda Gerês, logo em 1971. Desde 1970 assistiu-se a uma evolução muito rápida na criação de áreas protegidas (Rego, 2001), tendo sido criadas 46 até hoje, que constituem a Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP) (ICNF, 2016).

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Tabela 1. Paradigmas contrastantes na gestão de áreas protegidas (adaptado de Phillips (2003))

No passado: como eram as áreas protegidas

No presente: em que se estão a tornar as áreas protegidas

Objetivos

 Postas de parte para a conservação

 Estabelecidas principalmente para a proteção das paisagens e da vida selvagem

 Geridas principalmente para turistas e visitantes

 Consideradas “regiões selvagens” e valorizadas por isso

 Foco na proteção

 Orientadas também para objetivos sociais e económicos

 Muitas vezes estabelecidas devido a razões científicas, económicas e culturais

 Geridas com os habitantes mais em mente

 Valorizadas pela importância cultural das chamadas “regiões selvagens”

 Foco também na restauração e reabilitação

Governança  Geridas pelo governo central  Geridas por muitos parceiros

Habitantes

 Planeadas e geridas contra os habitantes

 Geridas sem considerar as opiniões locais

 Geridas com, para e, em alguns casos, pelos habitantes

 Geridas de encontro às necessidades dos habitantes

Contexto mais amplo

 Desenvolvidas separadamente

 Geridas como “ilhas”

 Integradas em sistemas nacionais, regionais e internacionais

 Desenvolvidas como “redes” (áreas protegidas interligadas por corredores ecológicos)

Perceções

 Vistas principalmente como um bem nacional

 Vistas apenas como uma preocupação nacional

 Vistas também como um bem da comunidade

 Vistas também como uma preocupação internacional

Formas de gestão

 Geridas reactivamente numa escala temporal curta

 Geridas de forma tecnocrática

 Geridas adaptativamente e com uma perspetiva a longo prazo

 Geridas com considerações politicas

Recursos financeiros  Pagas pelos contribuintes  Pagas através de várias fontes

Competências de gestão

 Geridas por cientistas e especialistas em recursos naturais

 Lideradas por especialistas

 Geridas por indivíduos multiqualificados

 Gestão com base em conhecimentos tradicionais

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Em 1976, apenas seis anos após a primeira legislação, o Decreto-Lei nº 613 introduziu a conceção europeia de área protegida. Porém, na prática, a mudança de mentalidade na gestão das áreas protegidas portuguesas tem decorrido de forma lenta.

A predominância da antiga linha de pensamento e a crescente centralização do poder dentro dos órgãos administrativos levaram a que a gestão das áreas protegidas fosse cada vez mais baseada em restrições e processos burocráticos, ao invés da criação de relações de proximidade e cooperação entre responsáveis e populações locais. A diminuição progressiva do orçamento para a sua gestão também contribuiu para a falta de ação a nível local. As diversas restrições impostas sem quaisquer contrapartidas ou apoio por parte do Estado, a falta de participação pública e de extensão rural, e o desconhecimento por parte dos proprietários florestais dos regulamentos criaram um sentimento de desconfiança nas populações relativamente às instituições governamentais que tutelavam as áreas protegidas, agravado pela lembrança do modo autoritário da atuação dos Serviços Florestais. Todos estes fatores têm contribuído para afastar os locais dos objetivos das áreas protegidas (Lopes et al., 2013; Blicharska et al., 2016), dificultando uma gestão participada pela população.

Para além da criação das áreas protegidas, a gestão ambiental tem vindo a ser dotada de um grande número de dispositivos legais, com objetivos muito diversificados. A maioria destes dispositivos enquadra-se numa regulação ambiental centralizada no Estado, evidenciando quase sempre uma grande desconfiança na gestão local. Acaba por se impor uma subordinação dos poderes locais à ordem central. Para esta situação também contribui o facto de ser nas cidades que se concentram os dinamizadores dos principais movimentos ecologistas (Baptista, 2010).

Paralelamente, e sobretudo nos baldios, cuja área coincide em grande parte com áreas protegidas, deu-se uma diluição institucional da autoridade devido à introdução de numerosos instrumentos pala administração o que conduziu à falta de coordenação e regulação local, bem como ao desconhecimento da legislação e regulamentos em vigor por parte das pessoas (Lopes et al., 2013). Houve, assim, a instalação de vários interesses conflituantes e mutuamente exclusivos, que dificultaram a definição de uma estratégia de gestão, contribuindo para a subutilização dos recursos (Lopes et al., 2013; Mateus & Fernandes, 2014). Um exemplo típico são os conflitos entre a conservação da natureza e as atividades económicas ou entre o poder local e o central. Há falta de uma postura construtiva que possibilite a dinamização de estratégias que articulem os vários interesses mútuos (Neiva, R.,

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comunicação pessoal, 2016). Consequentemente, os baldios estão a ser convertidos de propriedade comunitária em espaços de livre acesso (Baptista, 2010; Lopes et al., 2013).

A partir da década de 80, sucessivas reformas na estrutura do Ministério da Agricultura mais desestabilizaram os Serviços Florestais, acentuando a descoordenação institucional e o adiamento de um consenso operacional na condução da política florestal (Devy-Vareta, 2003).

O panorama atual dos terrenos comunitários evidencia as debilidades da modalidade de associação existente entre as unidades de baldio e o Estado (ver capítulo 3), a mais adotada (Baptista, 2010), ressaltando a dificuldade dos então “Serviços Florestais” (atualmente Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas (ICNF)) assegurarem a gestão das áreas florestais. O enfraquecimento do poder dos “Serviços Florestais” é responsável pela situação atual, uma vez que perderam grande parte dos recursos e legitimidade ganhos com o Plano de Povoamento Florestal durante o Estado Novo. Esta falta de meios é correntemente invocada para justificar esta situação, que também poderá decorrer do lugar atribuído aos baldios na hierarquização das prioridades (Radich & Baptista, 2005).

Outro problema que dificulta a gestão da floresta tem que ver com a dimensão da propriedade privada. Em 2004, a repartição da floresta portuguesa resultante das arborizações que ocorreram desde o séc. XIX evidencia o papel predominante da propriedade privada: Estado, 3%; baldios, 11%; grandes empresas industriais e exportadoras, 10%; um conjunto diversificado de entidades (câmaras municipais, juntas de freguesia, associações, Igreja, etc.), 3%; e proprietários privados, 73% (Radich & Baptista, 2005).

A maioria da floresta privada no Norte e Centro é constituída pelo minifúndio, propriedade particular de pequena dimensão e repartida por muitas parcelas, sendo incompatível com a gestão florestal pela sua extensão. Esta compartimentação da titularidade da propriedade florestal traduz-se num acréscimo de dificuldades no que respeita à prevenção e ao combate dos incêndios florestais e à implementação das medidas previstas nos vários instrumentos legais de ordenamento e de defesa da floresta contra incêndios (Torres et al. 2011). Segundo Mendes e Fernandes (2007), a floresta privada de minifúndio, só pode responder aos desafios atuais se se criarem formas de organização coletiva, de modo a reduzir os custos da gestão até níveis compatíveis com as receitas que a produção florestal pode gerar, otimizando o fluxo de input-output. Efetivamente, as operações florestais tornam-se demasiado dispendiosas para o rendimento que se pode retirar de uma pequena parcela, e até este é incerto devido à possibilidade de ocorrência de incêndios. Mesmo que o proprietário

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faça uma gestão adequada da sua parcela, ela estará sujeita à carga de combustível presente na envolvente, limitando a eficácia dos seus esforços. Neste sentido, o associativismo florestal assume atualmente um papel de grande relevância, pela possibilidade de uma gestão coletiva de parcelas florestais (Torres et al., 2011; Valente et al., 2013). Segundo a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B/2015), para além de permitir a constituição de unidades de gestão com dimensão suficiente para uma gestão florestal racional e sustentável, o movimento associativo reduz o isolamento técnico e económico da atividade florestal, confere maior poder negocial aos produtores, e contribui igualmente para a revitalização do meio rural. Acrescendo à pequena dimensão, a insuficiência de registo cadastral e a existência de múltiplos proprietários resultantes de heranças dificultam a dinamização da propriedade e da atividade florestal (Aguiar et al., 2005).

Na história dos usos e das paisagens da montanha continental portuguesa, a adesão à Comunidade Europeia, em 1986, foi de extrema importância (Aguiar et al., 2005). Até então, a floresta tinha uma função principalmente produtiva, aos olhos do Estado e da sociedade. A função ambiental, e mais recentemente de lazer, passaria a ser exigida pela sociedade e pelos acordos comunitários, tendo-se tornado o espaço rural como que um projeto-natureza para os urbanos (Radich & Baptista, 2005; Baptista, 2010). As políticas comunitárias consideravam as regiões de montanha espaços desfavorecidos, pouco adequados à agricultura, atividade que seria desenvolvida industrialmente nas terras baixas, onde se obteria maior produtividade. Esta visão teria como objetivo para estas regiões o desenvolvimento de economias baseadas na conservação da natureza, na produção florestal e no fornecimento de serviços de ecossistema de suporte às terras baixas (Aguiar et al., 2005; Hazeu et al., 2010; Lopes et al., 2013). Assim, estabeleceram-se medidas especiais de apoio às regiões desfavorecidas e de montanha: indemnizações compensatórias, majoração das ajudas ao investimento e ajudas a investimentos coletivos. Contudo a sua eficácia ficou comprometida, uma vez que as políticas compensatórias têm tido um reduzido suporte financeiro e que foi estabelecida uma hierarquização de territórios entre zonas produtivas, legitimamente apoiadas, e zonas marginais, que deveriam ser compensadas pelos seus handicaps naturais, agravando as assimetrias ao invés de as reduzir (Aguiar et al., 2005). Foi criada a Rede Natura 2000, uma rede europeia de áreas protegidas, resultante da aplicação da Diretiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979 (Diretiva Aves), revogada pela Diretiva 2009/147/CE, de 30

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de Novembro, e da Diretiva 92/43/CEE (Diretiva Habitats). Em Portugal mais de 60% desta rede sobrepõe-se a territórios comunitários (Lopes et al., 2013).

Pelo exposto, a produção de alimentos foi perdendo importância social no vasto leque de serviços produzidos na montanha. Uma vez que era esta a atividade na qual assentavam as comunidades rurais tradicionais, foi inevitável o agravamento do êxodo rural nestas regiões e o desligamento das populações das formas tradicionais de gestão (Aguiar et al., 2005). Sendo estas responsáveis pela manutenção de ecossistemas de importante valor ecológico e cultural, o seu abandono levou a uma homogeneização da paisagem e a perdas de biodiversidade. Pode-se dizer portanto que a Rede Natura 2000 não conseguiu ainda travar a perda de biodiversidade, um dos seus objetivos principais (Hodge, 2015).

O Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC) é hoje constituído pelas Áreas Classificadas que integram a Rede Natura 2000, pela Rede Nacional de Áreas Protegidas e pelas demais áreas classificadas ao abrigo de compromissos internacionais assumidos pelo Estado português. A criação de áreas classificadas em Portugal falhou em contribuir para o desenvolvimento sustentável das mesmas. Apesar de ter conseguido diminuir o impacto de atividades destrutivas e fomentado o turismo, falhou em recuperar e/ou incentivar atividades com benefícios ecológicos e culturais. O agravamento do êxodo rural continuou, com consequências a nível socioeconómico e ambiental. Neste contexto assumem particular importância os incêndios e a perda de biodiversidade, como veremos. A resolução dos desafios que a conservação da natureza enfrenta exige o reconhecimento da importância do contributo das ciências sociais (Blicharska et al., 2016).

O despovoamento das serras teve consequências trágicas. A floresta que até então tinha sido instalada nas serras devido às arborizações era sobretudo constituída por monoculturas de pinheiro-bravo, espécie bastante inflamável, cujos povoamentos necessitam de gestão de combustíveis para evitar fogos de alta severidade (Fernandes & Rigolot, 2007; Torres et al., 2011). Sem gestão por parte das populações locais, a carga de combustíveis foi acumulando, o que, em conjunto com a homogeneidade da paisagem, resultou em incêndios de grande dimensão e intensidade (Rego, 2001; Mendes & Fernandes, 2007), que seriam difíceis de acontecer antes das arborizações (Fernandes et al., 2014). O mesmo se passou em áreas incultas e agrícolas, cujo abandono levou ao crescimento dos matos e à homogeneização da paisagem (Lopes et al., 2013). Mas, para além das acumulações de combustível, também as tensões sociais existentes após o 25 de Abril contribuíram para o aumento brusco do número de incêndios (Rego, 2001). Por exemplo na Serra da Cabreira, no verão de 1975,

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Figura 1. Áreas submetidas a Regime Florestal. A vermelho: áreas ardidas entre 1975 e 2011; a verde: áreas que  nunca arderam
Tabela 2. Serviços de ecossistema socialmente mais importantes fornecidos pela montanha
Tabela  3.  Lista  dos  promotores  de  alterações.  Legenda:  Ex  –  exógeno,  EN  –  endógeno,  N  –  escala  nacional,  Eu/Mu – escala Europeia/mundial, D  – direto, I – indireto, Imp
Figura  3.  O  efeito  de  barreira  contra  o  fogo  de  um  carvalhal  na  Serra  do  Alvão
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