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Mudança de paradigma na gestão de combustíveis e manutenção do mosaico

5. A importância da conservação da natureza em espaços florestais de montanha no contexto

5.2. A conservação em áreas protegidas de montanha

5.2.2. Mudança de paradigma na gestão de combustíveis e manutenção do mosaico

Como tem vindo a ser explicado, a gestão de combustíveis por métodos repetitivos e dispendiosos tem sido a principal estratégia para o aumento da resistência da paisagem aos incêndios. No entanto, olhando para o passado, a eliminação de combustíveis e a criação de um mosaico paisagístico eram conseguidos através de meios sustentáveis. Esta função consistia numa externalidade positiva, resultando de atividades de elementos que simplesmente cumpriam o objetivo de sobrevivência de forma integrada no ecossistema. Na história do território podem-se reconhecer dois sistemas em que tal sucedia: os ecossistemas

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“pristinos”, com a presença de grandes herbívoros selvagens, e os sistemas agro-pastoris tradicionais.

A contribuição da agricultura tradicional e do pastoreio extensivo para o aumento da resistência do território aos incêndios e fornecimento de outros serviços de ecossistema tem vindo a ser explicada ao longo dos capítulos anteriores. A forma saudosa como os locais falam dos seus antigos costumes que deixaram nalguns casos pela idade, noutros pela procura de atividades que lhes fornecessem melhores condições de vida, mostra o valor que ainda hoje lhes continuam a atribuir, apesar das alterações tecnológicas e sociais que ocorreram. A própria sociedade reconhece o valor destas atividades e delega às áreas protegidas a função de as preservar. No entanto, esta tarefa tem sido difícil por vários motivos que têm tornado as atividades tradicionais desinteressantes, entre os quais a falta de competitividade com os produtos obtidos através da agricultura industrial, a dureza do trabalho em si, o isolamento territorial, a falta de um mecanismo de distribuição eficaz ou mesmo o excesso de burocracia. O estabelecimento de parcerias entre os organismos gestores das áreas protegidas e os agricultores seria uma forma de promover a continuidade das práticas tradicionais. Por exemplo, alocando recursos que são habitualmente direcionados para a gestão de combustíveis, aos agricultores e pastores que praticassem a sua atividade de forma tradicional, contribuir-se-ia para a existência de um mosaico paisagístico que limitaria a expansão dos incêndios e simultaneamente preservaria valores culturais e naturais importantes, tendo também um efeito positivo ao nível da atratividade turística da região. Este financiamento contrariaria a pouca atratividade destas atividades, podendo ser realizados outros tipos de parcerias que atuariam no mesmo sentido, como por exemplo a criação de atividades destinadas ao público em que os locais poderiam divulgar o seu saber ancestral, ou a criação de meios para a distribuição e valorização dos produtos tradicionais.

Navarro e Pereira (2012) defendem que em regiões suficientemente afetadas pelo êxodo rural, se deve considerar o “rewilding” ou “renaturalização”, ou seja, a gestão passiva da sucessão ecológica com o objetivo de restaurar os ecossistemas naturais e diminuir o controlo humano da paisagem. Isto implica a regeneração passiva da floresta natural em conjunto com o retorno da megafauna, sobretudo dos grandes herbívoros os quais desempenham um papel essencial ao nível da promoção do mosaico paisagístico, como já foi referido no capítulo 2.

Neste sentido, poder-se-ia considerar a introdução de herbívoros de grande porte, ou o incremento dos existentes, nos locais mais despovoados e com dimensão e potencial

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ecológico para tal (ex: aptidão para o desenvolvimento de pastagens adequadas, presença de locais de abrigo e água). Pela sua dimensão e características, alguns baldios em áreas protegidas oferecem uma excelente oportunidade para pôr em prática esta forma de gestão. Contudo a aplicação deste tipo de gestão não é apropriada em qualquer situação, e tem de ser feita de forma cuidada e com recurso à participação pública, evitando eventuais conflitos com os stakeholders presentes (Lorimer et al., 2015).

Nas áreas com regimes de proteção mais limitativos das atividades humanas também é de considerar esta solução. Tal viabilizaria os objetivos de conservação mais restritivos, a par de uma gestão de combustíveis e da manutenção do mosaico paisagístico. Isto permitiria o aumento ou a manutenção da biodiversidade, assim como a defesa dos valores naturais contra incêndios de maior intensidade.

Apesar de os grandes herbívoros selvagens estarem dados como extintos (auroque, cavalo selvagem ou bisonte), muitas das raças autóctones, por exemplo as vacas maronesa, barrosã ou mirandesa e o cavalo garrano, não são mais do que o resultado da domesticação ao longo de milénios destes animais pré-históricos (auroque e cavalo selvagem). Estes animais mantêm atualmente as mesmas funções ecológicas e possuem boa capacidade de adaptação ao meio, dispensando em estado selvagem quaisquer cuidados por parte do homem (Vera, 2000; Caetano, 2011; Caetano et al., 2013). No entanto, seria necessário acautelar eventuais conflitos com atividades humanas na vizinhança, dada a elevada capacidade de mobilidade destes animais e a sua constante procura por alimento, principalmente nas épocas de maior escassez. Têm vindo a ser realizados vários projetos pioneiros nesta área. Em Portugal, a Reserva da Faia Brava no distrito da Guarda, tem sido apoiada tal como muitos outros casos a nível europeu, no âmbito do projeto Rewilding Europe (Rewilding Europe, 2016). Outro exemplo é o Parque Natural de Pagoeta no País Basco. Nestas áreas a solução encontrada para evitar conflitos com atividades adjacentes à reserva foi a sua vedação.

Deste modo, para além do aumento da resistência destes espaços ao fogo, consegue-se um aumento numa série de serviços de ecossistema, tais como os de refúgio de biodiversidade, serviços de lazer e recreio, produção de bens não lenhosos ou o sequestro de carbono. A gestão passiva associada à ”renaturalização” possui custos de manutenção muito mais baixos do que outras opções de gestão, pelo que se obtém um significativo aumento de serviços de ecossistema resultante de um baixo nível de investimento (Navarro & Pereira, 2012).

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A revitalização das atividades tradicionais, ou seja, pastorícia e culturas agrícolas, ou mesmo o fomento dos herbívoros selvagens em regiões despovoadas, tendo em conta especificidades e constrangimentos locais, seriam uma solução viável: ao mesmo tempo que se cumprem os objetivos de controlo de combustíveis e de manutenção do mosaico paisagístico sem custos, é criada riqueza associada e são fornecidos diversos serviços de ecossistema importantes.

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