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CAPÍTULO 1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.2 A importância do Recurso Água e a Sustentabilidade dos Sistemas

A importância do recurso Água para a vida e para as atividades económicas é inquestionável e por isso é essencial assegurar a gestão eficiente e sustentável dos sistemas de abastecimento (Vale, 2009; Castro, 2009). O objetivo central deste trabalho é estudar como é que o Regulador pode ser um interveniente ativo para promover essa sustentabilidade e a necessária e urgente melhoria significativa da Eficiência dos Sistemas de Abastecimento, tendo um foco especial nas Perdas de Água.

Quanto às Perdas de Água o objetivo do trabalho é propor novas abordagens metodológicas de cálculo, que permitam também saber quanto se poupará em recursos ambientais e também em recursos financeiros com a sua redução, em função de cada caso concreto em estudo (dimensão, idade e materiais que compõem a rede, número de ramais, pressões, etc.) que deverá resultar da análise da literatura consultada mas também da análise das Entrevistas, das Visitas realizadas a Entidades Gestoras e do tratamento dos três Questionários realizados.

As organizações internacionais e em particular as Nações Unidas (UN) e algumas das suas agências especializadas, têm dedicado particular atenção ao tema da água, à sua gestão e consumo, tendo em conta a sua importância no combate à pobreza, às doenças, à sustentabilidade ambiental e também ao relacionamento entre as nações (Albuquerque, 2012).

Segundo as Nações Unidas (UN-PNUMA, 2002), a agricultura é responsável pelo consumo de cerca de 79% da água doce retirada de rios, lagos e fontes subterrâneas.

A gestão inadequada dos recursos hídricos para a agricultura, resultou na salinização de cerca de 20% das terras irrigadas do planeta, reduzindo de forma significativa a produção de cultivos. Para agravar a situação, esta degradação dos solos é concentrada em regiões áridas e semiáridas. Por isso Zwarteven (2015) afirma que a gestão da água é um ato de conhecimento, mas também de intervenção.

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E as Alterações Climáticas são uma ameaça global e Portugal está situado numa região do globo onde, a médio/longo prazo, as águas junto ao litoral estão ameaçadas de intrusão salina, pela subida do nível do mar, podendo esse facto ter impactes muito negativos no abastecimento de água (Schmidt, et. al., 2012; Rodrigues et al., 2016). Outros autores referem riscos de qualidade e quantidade de água em todo o país, como resultado do aquecimento global (Oliveira, Matos e Monteiro, 2015; Ferreira, 2016)

Concretizando a importância da água nas necessidades humanas, as Nações Unidas (UN-PNUMA, 2002) organizaram, sobre este recurso, umas das primeiras conferências abrangentes, que se realizou em 1977 em Mar del Plata, na Argentina. O foco das Nações Unidas no recurso Água levou a decretar a Década Internacional de Água Potável e Saneamento (1981-1990).

Em “Our Commmon Future” (WCED, 1987) é de novo, e de forma bastante enfática, abordada a problemática da água, nomeadamente no capítulo “New Approches to

Environment and Development” quando se interligam os diversos “stresses” ambientais,

entre eles o do consumo e qualidade da água e se interliga o ambiente com o desenvolvimento e a resposta às necessidades da população e a equidade no acesso aos recursos.

Posteriormente, a Cimeira da Terra no Rio de Janeiro (UN, 1992), em 1992, dedica particular atenção ao recurso água. Todo o capítulo 18 da Agenda 21 é dedicado ao recurso água e são aí apontados um conjunto de atividades e indicados os meios para a sua implementação, tanto para o abastecimento de água como para a recolha e tratamento das águas residuais domésticas, fixando objetivos temporais.

Depois, os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e a Declaração dos países presentes na Cimeira do Milénio, em Nova Iorque, em 2000, de novo retomam, ainda com maior enfâse, a questão dos recursos naturais, e da água em particular, fixando algumas metas e definindo os meios para as alcançar. No 6º Fórum Mundial da Água, realizado em França, em Março de 2012, foi anunciado que a principal meta para este período, foi alcançada.

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Para que o objetivo de abastecer de água potável uma parte significativa da população mundial, fosse alcançado, foi necessário percorrer um caminho árduo e que corre o sério risco de poder ter retrocessos, se a atual situação financeira mundial se mantiver ou se se agravar e se o abastecimento de água não continuar a ser uma prioridade de quem tem poder de tomar as decisões.

Mas o desenvolvimento económico, na medida em que promove o crescimento dos bens materiais disponíveis, pode conduzir a uma progressiva degradação do ambiente natural, e em particular da água (Cunha et al., 1980).

Assim, a defesa de um desenvolvimento sustentável e a defesa dos recursos hídricos em particular, pode obrigar a alterar paradigmas de produção e em especial de consumo, e isso passa pela atitude de todos e de cada um.

O objetivo de reduzir a pobreza extrema e a fome tem que ver com o desenvolvimento da agricultura.

No 6º Fórum Mundial da Água, realizado em 2012 em Marselha, o Primeiro-Ministro francês afirmou: “Os desafios são imensos”, reconheceu François Fillon, no seu discurso de abertura perante chefes de Estado e de Governo, ministros e representantes da indústria e da sociedade civil de 140 países. Fillon convidou os presentes a “refletir sobre os meios para tornar universal o acesso a água potável até 2030”. Mais de dois mil milhões de pessoas vivem sem água potável e contam-se aos milhões os mortos, todos os anos, por causa de riscos sanitários. “Esta é uma situação que não é aceitável”, disse, apelando à comunidade internacional para se mobilizar e resolver o problema.

O direito à água, proposto na cláusula 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), é especialmente importante, explica Jean Ziegler, relator das Nações Unidas, por definir claramente o papel do Estado em relação aos recursos hídricos e à sua gestão.

Segundo ele, o documento detalha a obrigação de todos os governos de protegerem, respeitarem e fazerem cumprir a legislação internacional referente à água com o objetivo de garantir o acesso universal da população a esse recurso.

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No entanto, apesar de ter 80% dos países do mundo como signatários, a DUDH vem sendo sistematicamente não respeitada: nas últimas duas décadas, acusa Ziegler, o mercado logrou impor a lógica do poder privado sobre todos os bens materiais. “É a lógica de que o

mercado, e só ele, pode pôr preço em tudo, seja nos grãos, no conhecimento, seja serviços, seja a água”, diz. A ambientalista canadiana Maud Barlow completa: “É por isso que a

Organização Mundial do Comércio (OMC) rechaça o conceito de água como direito humano ou bem público, e defende que a água seja tratada como necessidade humana. Até para o mercado é um pouco forte impor a ideia da comercialização de direitos”2.

Também Banerjee e Duflo (2012), quando definem os caminhos para uma saúde global, dizem que o acesso à água potável e ao saneamento são dois desses caminhos. Ao todo, em 2008, de acordo com as estimativas da OMS e da UNICEF, aproximadamente 13 por cento da população mundial não tinha acesso a fontes de água tratada (em geral, significando uma fonte ou um poço) e cerca de um quarto não tinha acesso a água que pudesse ser bebida com segurança. E os autores referem também que a maioria dos especialistas concorda em que o acesso à água canalizada e ao saneamento pode ter um impacte muito positivo na saúde. Um estudo concluiu que a introdução de água canalizada, de melhorias no saneamento e de cloração das fontes de água foi responsável por algo como três quartos da diminuição da mortalidade infantil entre 1900 e 1946 e por quase metade da redução global da mortalidade durante o mesmo período (Banerjee e Duflo, 2012).

Contudo, como diz Sen (1999) a pobreza conduz a um intolerável desperdício de talentos. Para Sen a pobreza não é apenas a falta de dinheiro, é não ter a capacidade para realizar o potencial de cada ser humano. Para isso, o ser humano, precisa de estímulos e ajuda, pelo menos numa primeira fase.

Estudos no terreno numa zona urbana de Marrocos, conduzidos por Devoto et al. (2011), concluíram que 68% das habitações na zona de intervenção, onde foi disponibilizado um apoio financeiro de médio e longo prazo, decidiram proceder a ligação de água

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domiciliária, após um trabalho de informação e acompanhamento no terreno, mas que os agregados habitacionais, com iguais condições, mas onde não houve campanhas de incentivo e de acompanhamento (marketing social), o nível de ligações à rede de água se ficaram somente pelos 10%, no mesmo período.

Shiva (2002:24) enfatiza: a água não só é um bem comum, “Water is a commons

because it is the ecological basis of all life and because its sustainability and equitable allocation depend on cooperation among community members”.

Também Langford e Winkler referem:

Water is a multifaceted subject: it constitutes a social, environmental, economic and political good and is intricately connected with sanitation, hygiene and safe wastewater disposal as well as food production and livelihoods. The price of narrow target setting is the loss of these holistic dimensions.

Langford e Winkler (2013:4) Num trabalho sobre a caracterização do clima nos estados do sudoeste norte- americano, e as suas diversas influencias, Serrat-Capdevilla et al. (2012) referem que em todos os cenários estudados, as secas aparecem como um fenómeno cada vez mais frequente, longo e intenso, com fortes influências no abastecimento de água, a médio prazo.

No mesmo sentido se pronunciam Ramos et al. (2012) relativamente a Espanha. E Richter (2014) questiona se a Sustentabilidade para assegurar os crescentes consumos de água é obtida pela movimentação de grandes massas de água de umas regiões para outras, ou se pela utilização intensiva da água do mar, com recurso à dessalinização. A resposta depende de muitos fatores, mas passa sempre por uma boa e eficiente gestão dos recursos existentes (Richter, 2014). Nestes casos, as Perdas de Água assumem ainda uma maior importância, bem como a Sustentabilidade, em geral, dos sistemas de abastecimento de água.

Num estudo, Larson (2013) enaltece a decisão das Nações Unidas, quando na Assembleia Geral de 2010, adotou uma Resolução que considera o abastecimento de água como um direito humano, lembrando contudo que 41 países se abstiveram de votar esta

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Resolução. Alguns países transpuseram até o texto dessa Resolução para os seus textos constitucionais. Mas Larson, no seu estudo, coloca o “dedo na ferida” afirmando:

Formulations of the right to water often leave unanswered the most fundamental and important questions of water policy. How is water valued and priced? Who owns and provides the water? If water is subsidized, who should subsidize it and to what degree? If water is free or heavily subsidized, what are the implications for natural resource conservation and economic sustainability? How much water, what quality of water, is required to satisfy the right? Against whom is the right enforceable?

Larson (2013:3)

Tendo em conta as suas características próprias, a sua importância para a vida, como acima referem Esther Duflo e Vandana Shiva, a sua existência em termos de gestão como um monopólio natural, a Água não pode ser considerada como uma “Mercadoria” (Commodity).

Referindo-se ao recurso Água, Castro no seu artigo “Water is not (yet) a commodity: Commodification and rationalism revisited”, é muito assertivo:

From a long-term perspective, valuation is a component of rationalization processes, and therefore the interplay between coexisting rival and often incompatible rationalization processes is characterized by unstable balances between alternative forms and principles of water valuation…For instance, ecological rationalities in their diverse strands may foster understandings of water’s value that transcend the notion of water as a limitless economic resource and give centrality to such considerations as ecological limits, unsustainability, common, trans-specific and trans-temporal rights, or cultural concerns…In contrast, capitalist rationalities, also prone to internal tensions and contradictions, may center the valuation of water on such considerations as economic efficiency, cost-benefits, the existence of private property rights over water, the full privatization of water sources and water-based services, and the creation of water markets.

Castro (2013:13)

Dali (1992), chama a atenção para questões que em Portugal atingem características dramáticas do ponto de vista social e de sustentabilidade dos sistemas gestores do abastecimento de água (quase totalmente públicos e municipais) e que se prende com o facto das tarifas de água e saneamento do interior do país, pela crescente desertificação humana, serem muito mais elevadas no interior, do que no litoral, onde se concentram os grandes aglomerados populacionais. No interior, Portugal tem uma população envelhecida, com fracos recursos financeiros, com uma resiliência social baixa, mas onde os tarifários de abastecimento de água e saneamento são consideravelmente mais elevados do que no litoral (ERSAR, 2012).

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Conforme referem Marlow, Beale e Burns (2010) o conceito geral de sustentabilidade pode ser entendido como a tomada de decisões e a ação, que permita que no futuro a comunidade possa fazer igual ao que faz no presente. Mas refere que este conceito é muito genérico e citamos: “The water sector is arguably in a unique position to take the lead on

sustainaility issues”.

E Marlow, Beale e Burns (2010) consideram que a sustentabilidade do setor da água está intimamente ligada à Gestão de Ativos ou Gestão Patrimonial de Infraestruturas de um sistema, que define deste modo:

A combination of management, financial, economic, engineering and other practices applied to (physical) assets with the objective of maximizing the value derived from an asset stock over the whole life cycle, within the context of delivering appropriate levels of service to customers, communities and the environment, and at an acceptable level of risk.

Marlow, Beale e Burns (2010:1248)