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A importância do sujeito para a compreensão das configurações

3.2 A teoria da subjetividade em uma perspectiva histórico-cultural

3.2.2 As configurações subjetivas na teoria da subjetividade

3.2.2.3 A importância do sujeito para a compreensão das configurações

González Rey (2003) sustenta que o entendimento de sujeito perpassa pelo aspecto dialético e complexo do homem, de um ser singular e social, não determinado pelo externo, mas que está em recursividade com uma configuração pluriderminada e permeada pela manifestação da ação do outro. Desse modo, não é possível estabelecer uma conversa entre a conceituação de sujeito e o determinismo mecanicista causalista, visto que não se pode prever a ação do sujeito. O que ocorre no momento presente constitui a configuração subjetiva da ação que acontece em determinado tempo.

A exclusão do sujeito significa a eliminação do pensamento, visto que é esse o criador de outras realidades a partir de seu momento de reflexão. Nesse processo, as configurações subjetivas exercem papel fundamental na elaboração de modelos para manifestar uma realidade permeada pelos sentidos subjetivos advindos das experiências individuais no decorrer da própria história individual e que estão configuradas subjetivamente na personalidade do sujeito (GONZÁLEZ REY, 2003). Ressalta-se, entretanto, que os sentidos subjetivos não caracterizam uma expressão linear de certa experiência do sujeito (GONZÁLEZ REY, 2007), desse modo:

O sentido subjetivo de uma experiência nunca vem dado pela condição objetiva daquela, mas por seu impacto sobre uma configuração de sentido que inclui de forma altamente diferenciada sentidos anteriores, produzidos mediante experiências associadas às mais diversas áreas da vida social do sujeito, e que têm entrado em relação entre si só como momentos da configuração subjetiva atual do sujeito, em cuja ação presente se produz a nova experiência (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 183-184).

Segundo González Rey (2003), a ação dos sujeitos que estão inseridos em determinado espaço social está imbricada de elementos de sentidos e significados produzidos no interior desses espaços, que acabam transformando em elementos da subjetividade individual. Esta é formada a partir de um sujeito ativo, portador de uma trajetória singular e produtora de sentidos e significações que produzem outras configurações subjetivas individuais. Essas configurações

apresentam elementos de sentidos que não seguem o status quo hegemônico nos espaços sociais em que o sujeito está inserido. Desse modo, o desenvolvimento humano ocorre a partir de um processo de integração e ruptura e também de constituído e constituidor que perfazem a relação entre o sujeito individual e a subjetividade social. Ou seja:

O indivíduo como sujeito da experiência está envolvido permanentemente em suas ações, que, ao mesmo tempo, são produções subjetivas. Porém, nem todas as produções subjetivas que definem o indivíduo se configuram na ação. O conceito de sujeito facilitou-nos sair de uma concepção determinista da personalidade, pois o ato humano não resulta dela mas, sim, do indivíduo ativo imerso na experiência, em cujo curso o ato se configura não a priori, como resultado de uma estrutura psicológica (GONZÁLEZ REY, MARTÍNEZ, 2017a, n.p.).

González Rey e Martínez (2017a) passaram recentemente a distinguir entre agente e sujeito. Esses concebem o primeiro como “o indivíduo – ou grupo social situado no devir dos acontecimentos no campo atual de suas experiências; uma pessoa ou grupo que toma decisões cotidianas, pensa, gosta ou não do que lhe acontece, o que de fato lhe dá uma participação nesse transcurso”. Já o segundo seria aquele que constitui um caminho próprio de subjetivação, ultrapassando as regras do espaço social no qual suas experiências são realizadas, construindo alternativas criativas ao longo dessas, que podem ou não ser expressas na atividade. Ainda segundo os autores, a compreensão de sujeito “é um tema central para a teoria das organizações e das instituições que, definidas por uma subjetividade social, são conservadoras com todas as formas de criação que ameacem o status quo dominante” (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 2017a, n.p).

Cabe ressaltar sobre a discussão acima que os atos e os posicionamentos não se separam das configurações subjetivas, sejam esses da condição de sujeito ou de agentes (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 2017b). Entretanto, o sujeito retrata a habilidade de os indivíduos e os grupos se posicionarem, limitados pela produção simbólica e dos recursos subjetivos, para admitir os desafios dos espaços existenciais da atividade. “A execução criativa configura-se subjetivamente no sujeito e na subjetividade social em que essa ação se desenvolve” (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 2017a, n.p.). Portanto, para González Rey e Martínez (2017a) o entendimento de sujeito não se desprende da ideologia, conforme explicam:

[…] toda criação que ameaça o status dominante de um grupo e/ou o funcionamento institucional é rejeitada por esse grupo social. Em face dessa tensão, o sujeito criador

pode ou não se tornar sujeito do processo social que seu ato criativo inicia. A capacidade de ruptura e de opções acontece em dos níveis simultâneos, o social o individual. Uma coisa é a criação de uma ideia ou um projeto e outra é seu desenvolvimento consequente dentro de um espaço social instituído, seja na política, na cultura, na ciência, assim como em qualquer outra instituição concreta, todas elas portadoras de uma subjetividade social instituída que pode se sentir ameaçada pela novidade (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 2017a, n.p.).

Nesse ínterim, os eventos e princípios fundadores que estão institucionalizados substituem o pensamento por sistemas de crenças, prevalecendo primeiramente e em detrimento das “confrontações múltiplas da pesquisa, da prática e das próprias tensões do pensamento criador”. Logo, o sujeito pode, por exemplo, optar por um percurso que o prejudique, mas que será capaz de ajudá-lo a desenvolver e superar certas circunstâncias extremas (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 2017a, n.p.). Já o agente, destacado por González Rey e Martínez (2017a), não está relacionado somente à agência em um transcorrer específico da ação. Para os autores, esse refere-se ao indivíduo enquanto ser ativo no decorrer de uma atividade, mesmo não conseguindo abrir outros processos de subjetivação ao experimentá-la.

Na concepção dos autores, o agente e o sujeito “não são a-históricos, não são estáticos, não estão substanciados numa condição subjetiva original”. O indivíduo ou o grupo são capazes de elaborar um posicionamento e, a partir deste, conceber processos fora do seu controle e da sua consciência. O indivíduo configurado subjetivamente produz sentidos subjetivos para lá de suas representações, assume decisões e posicionamentos, constrói produções intelectuais e firma compromissos. Esses levam a sentidos subjetivos e desenrolam outros processos de subjetivação (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 2017a, n.p.).

No decorrer do processo acima, novos caminhos são abertos levando, a alterações nas configurações subjetivas que predominaram em seus posicionamentos em certos espaços- tempos. O indivíduo ou o grupo quando se apresentam como agentes ou sujeitos de uma experiência ou de uma trajetória retratam momentos ativos diante do instituído, “assumindo decisões e caminhos que se tornam sociais pelo fato de existirem dentro de redes sociais, onde os atos individuais, de forma constante, se tornam sociais por processos que estão além da consequência ou da previsão imediata do ato individual” (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 2017a, n.p.).

González Rey e Martínez (2017a) acrescentam que o sofrimento não é um estado estático, passivo. Quando o indivíduo não consegue decidir, refletir e estar ativo nos diversos espaços a que pertence, o sofrimento emerge. Este é operante em termos de nocividade para a pessoa, instituindo-se de forma contínua em suas experiências pessoais, fazendo com que ela não consiga criar outros espaços de subjetivação para ultrapassar tais estados dominantes.

Ressalta-se que a leitura feita por González Rey e Martínez (2017a) do homem como um sujeito ativo, histórico, não delimitado apenas pelo psíquico e capaz de configurar subjetivamente não é o pensamento hegemônico dentro da academia. Assim, nem todos os autores enxergam a pessoa com essa mesma capacidade de ação e reflexão.

Na próxima seção apresentam-se as diferenciações entre os autores abordados neste referencial teórico.