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A manutenção do gerencialismo: os governos Lula e Dilma

2. A REFORMA GERENCIAL

2.1 Aspectos gerais da reforma gerencial no Brasil

2.1.2 A manutenção do gerencialismo: os governos Lula e Dilma

Logo que assumiu a presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) seguiu uma tendência gerencialista já vista em vários países. Segundo Diefenbach (2009), a adesão ao gerencialismo ocorreu por partidos de distintas ideologias nos países anglo-saxões e na Europa, como Democratas e Republicanos e Conservadores e Trabalhistas. Assim, houve no Brasil o prosseguimento dessas práticas gerencialistas em todas as áreas, até mesmo nas políticas sociais (PAULA, 2010; CANDLER; 2014).

De acordo com Abrucio (2007), Lula deu continuidade às várias iniciativas do governo FHC em termos da modernização do Estado. Entre essas medidas, destaca-se o estabelecimento de algumas normativas de cunho gerencialista, conforme descrito nos decretos 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, o 6.944, de 21 de agosto de 2009, e 7.133, de 19 de março de 2010. De forma geral, essas legislações regulamentaram os critérios e procedimentos para a realização da avaliação de desempenho, o desenvolvimento de pessoal no serviço público e as medidas organizacionais para o aprimoramento da administração pública.

Contudo, ocorreu também uma política para a compensação do quadro de pessoal e a ampliação da capacidade estatal mediante a realização de concursos públicos e a reposição salarial, por meio de acordos firmados com os sindicados. Com as medidas adotadas por Lula, surgiram planos de carreira diferenciados e um espaço entre a idade e o tempo de serviço dos servidores antigos, que iniciaram no serviço público antes da reforma gerencial, e os novos servidores, nomeados durante esse governo (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2013).

Entre os segmentos que ganharam destaque com a abertura de concursos no governo Lula, destacam-se a de tributário, a de controle dos gastos, a dos Tribunais de Contas, a dos Ministérios Públicos, a da Controladoria-Geral da União e a da Polícia Federal. Entretanto, Lula substituiu a política de valorização centrada nas carreiras típicas de Estado por uma ofensiva de recrutamento, especialmente para cargos que exigiam curso superior (SOUZA, 2017).

Quase a metade das vagas preenchidas durante o governo Lula foi para a recomposição do quadro docente das universidades federais e a expansão do curso superior. Seguidamente, o maior número de vagas foi destinado aos Ministérios da Saúde, da Previdência Social e da Fazenda. Ou seja, salvo o Ministério da Fazenda, as vagas não ficaram concentradas nas carreiras típicas de Estado. Apesar disso, essas carreiras são na atualidade as que estão mais bem estruturadas dentro da administração pública (SOUZA, 2017).

Lula sofreu críticas em relação a sua política de revalorização dos servidores públicos, recomposição do quadro de pessoal e remuneração. As desaprovações voltaram-se para o aumento da máquina pública federal e o possível descontrole fiscal decorrente dessas ações. Entretanto, o crescimento da economia a partir de 2004 favoreceu o início da ampliação do

quadro de servidores federais, assim como a política de aumento gradual da remuneração de pessoal (CARDOSO JÚNIOR; NOGUEIRA, 2011).

Camões, Fonseca e Porto (2014) lembram que, como parte do processo do modelo gerencial ocorrido nas últimas décadas, as mudanças na gestão de pessoas foram consideradas fundamentais. Essa visão partiu do princípio de que os servidores públicos seriam responsáveis pela capacidade técnica e pelo desempenho requerido para atingir os objetivos do governo, conforme explicam os autores:

A partir dessa perspectiva, os servidores públicos são os principais agentes de modernização e implementação efetiva de novas práticas de gestão de pessoas. Tais práticas, normalmente concebidas com base em pressupostos de organizações privadas nas quais se originam, são adaptadas por servidores para um modelo efetivamente imbuído do ethos do setor público e alinhado às reais necessidades e características das suas organizações (CAMÕES; FONSECA; PORTO, 2014, p. 6). No governo Lula, ao contrário do seu antecessor, as políticas de gestão de pessoal na administração pública foram tratadas de forma reduzida e em poucos documentos. Assim, mesmo com a manutenção de várias medidas de modernização, pouco foi escrito sobre o assunto e a todo custo foi evitado fazer utilização da expressão “Reforma do Estado” (CARDOSO JÚNIOR; NOGUEIRA, 2011).

O Quadro 3 mostra as principais características da administração pública e de política pessoal nos governos FHC e Lula.

Quadro 3- Governos FHC e Lula: principais diretrizes nos campos da

administração pública e das políticas de pessoal (continua)

Governo FHC

Autonomia gerencial nas entidades públicas não estatais em contrato de gestão (organizações sociais são criadas pioneiramente pelo estado de São Paulo em 1998).

Demissão e licença temporária incentivadas.

Limites legais fixados para despesas com pessoal (de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000).

Empregados celetistas admitidos por processo seletivo público. Avaliação do desempenho individual do servidor ou empregado.

Quadro 3 - Governos FHC e Lula: principais diretrizes nos campos da administração pública e das políticas de pessoal (conclusão)

Possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho e por excesso de quadros, avaliado segundo limites fiscais.

Carreiras e concursos públicos organizados para as funções essenciais de Estado.

Criação das agências reguladoras e seu quadro de pessoal próprio.

Governo Lula

Autonomia gerencial em entidades públicas da administração indireta (projeto de Fundações Estatais e proposta de Lei Orgânica da Administração Pública Federal).

Mesas de negociação para questões de gestão de pessoal.

Reabertura de concursos para servidores temporários e permanentes de órgãos públicos e agências reguladoras.

Realocação de pessoal na estrutura de carreiras e ordenamento das carreiras de Estado.

Substituição de pessoal ocupado em atividades-fim com contrato informal ou contratado via agências internacionais.

Limites legais fixados para despesas com pessoal (de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000).

Reajustes graduais da remuneração, com destaque para carreiras de Estado.

Fonte: Cardoso Júnior; Nogueira (2011, p. 245).

O governo Lula também demonstrou maior espaço de diálogo com as frentes sindicais para a discussão e reestruturação das carreiras dos servidores do executivo federal, por meio da chamada “Mesa de Negociação Permanente”. Tal iniciativa fez com as decisões não fossem tomadas de modo unilateral e centralizada apenas no governo, havendo abertura maior para discussão do que no período do presidente FHC (PINTO; SANTOS, 2017).

Há, dessa maneira, distinções entre o gerencialismo adotado por FHC e Lula, mas isso não significa que este último tenha rompido completamente com as práticas do governo anterior. Segundo Bourgon (2010), não havia esperanças em termos de redução no ritmo das reformas, porque a administração pública ainda não se encontrava totalmente alinhada com as mudanças

no contexto global. Nesse sentido, Marques e Mendes (2004) afirmam que a EC 41, realizada por Lula, contemplou, no que concerne ao regime dos servidores públicos, a proposta de reforma da previdência elaborada por FHC.

Sobre a presidente Dilma Vana Rousseff, a literatura que trata do gerencialismo em seu primeiro mandato (2011-2014) ou no segundo governo (2015-2016) é praticamente inexistente. Queiroz (2011) pressupôs a possibilidade de conflito entre os servidores federais dos três poderes, devido ao movimento da força do ajuste e do choque de gestão na administração pública. Segundo o autor, entre os pontos de conflito estaria o Projeto de Lei Complementar (PLP) 248/98, que regulamentava a perda de cargo público do servidor estável por insuficiência de desempenho na União, estados e municípios. O projeto visava regulamentar os artigos 41 e 247 da Emenda Constitucional 19, de 1998, aprovados durante o período de reforma do Governo FHC. Ressalta-se que, apesar de ter passado por vários trâmites no Congresso Nacional, o projeto não foi transformado em lei. De toda forma, nota-se que muitos fatos ficaram em aberto por conta do processo de impeachment sofrido por Dilma. O afastamento da presidente, autorizado pela Câmara dos Deputados, ocorreu em março de 2016, levando a sua saída do governo em 31 de agosto do mesmo ano. 6

Uma medida gerencialista da presidente Dilma Roussef, em seu primeiro mandato, foi a criação da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, que tinha por intuito formular políticas e medidas orientadas para a racionalização de recursos, o aprimoramento da gestão pública, o aumento da eficiência, eficácia, efetividade e qualidade e a melhoria dos serviços prestados ao cidadão (BRASIL, 2011; PACHECO, 2012). Dilma também encerrou o Prêmio Nacional de Qualidade do Serviço Público. Este fazia parte do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GESPÚBLICA), criado por Lula em 2005. Além da eficiência, tinha por objetivo dar maior atenção ao atendimento ao cidadão e à gestão democrática e participativa (MENDES; COSTA, 2013).

6Domingues (2017) ressalta que, embora o processo de impeachment tenha se acobertado dentro do marco da legalidade, considerável parte da população o considera ilegal.

Em 2014, de acordo com Carleial (2015), em busca da retomada do crescimento, o governo Dilma propôs um ajuste macroeconômico. Essa medida levou à redução dos gastos públicos e do crescimento da economia, ampliando o desemprego e diminuindo o salário real e o investimento público. Segundo a autora, o grupo derrotado no segundo semestre daquele ano, ao ameaçar um possível impedimento da presidente, fez com que o governo PT adotasse um ajuste típico neoliberal. Com isso, buscou-se maior aprovação da classe política contrária ao governo e dos eleitores que estavam insatisfeitos com a vitória de Dilma.

Também pode ser destacado no primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff uma política de redução do tamanho do Estado alinhada com o modelo gerencialista. Conforme informado pelo Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, houve redução nas verbas para a saúde, a educação e o funcionalismo público, além de outros gastos sociais, como, os investimentos no programa de habitação para famílias de menor poder aquisitivo e aqueles relacionados às políticas de emprego e previdência – seguro-desemprego, abono salarial, pensões por morte e auxílio-doença, entre outros (BRASIL, 2015a; BRASIL, 2015b).

Para Misoczky, Abdala e Damboriarena (2017), os dois governos do Partido dos Trabalhadores deram prosseguimento aos vários desejos de Bresser-Pereira, especialmente em termos das Instituições de Ensino Superior. Com a criação do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), essas instituições passaram, na prática, a ser geridas por meio de contratos de gestão, assim como a Universidade Aberta do Brasil. Esta última é um programa do Governo brasileiro que oferece cursos de educação superior a distância para professores e outros profissionais de educação (MEC, 2017).

Embora os governos PT tenham elevado os investimentos e as contratações e adotado um discurso social, a reestruturação por que as Instituições Federais de Ensino passaram estava alinhada com os ideais da Reforma do Estado, visto que o financiamento ficou atrelado às metas preestabelecidas. A diferença do governo FHC estaria no fato de não se ter verificado uma desreponsabilização do Estado nem um estímulo ao mercado (ANDRADE; CASTRO; CAPELLE, 2011).

Em termos de saúde, foi criada a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). A transformação do hospital público em empresa modificou o modo de funcionamento da entidade. O foco passou a ser no retorno financeiro das atividades de ensino, pesquisa, extensão e assistência. Para tanto, buscou-se o mercado para promover o financiamento ou ampliar a rigidez nos custos operacionais (ANDREAZZI, 2013). Já a gestão e a contratação de pessoal da EBSERH passaram a ser regidas por um discurso gerencial fundamentado na modernização (SODRÉ et al., 2013).

Com o afastamento de Dilma Rousseff da presidência do Brasil, instaura no país um governo alinhado com o neoliberalismo. Conforme aborda Vinhas (2017), a proposta de Michel Temer nada se assemelhou ao da sua antecessora. O seu projeto de governo era contraditório ao de Dilma, trazendo um desconforto pelo fato dele ser até então o vice da presidente. A retomada do crescimento econômico foi a justificativa utilizada por Temer para colocar em prática as medidas severas de austeridade (CRUZ, 2016), conforme será discutido no tópico seguinte.