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De volta à década de 1990: o fortalecimento do gerencialismo no governo Temer

2. A REFORMA GERENCIAL

2.1 Aspectos gerais da reforma gerencial no Brasil

2.1.3 De volta à década de 1990: o fortalecimento do gerencialismo no governo Temer

Assim que assumiu a Presidência, o vice de Dilma Rousseff, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Michel Miguel Elias Temer Lulia, apresentou um discurso de que era necessário equilibrar as contas do Estado. Para tanto, iniciou uma reforma administrativa, encerrando várias pastas e fundindo diversas áreas do governo (PINO et al., 2016).

Temer afastou-se de qualquer compromisso com o voto popular para revelar o projeto neoliberal, rompendo com os direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Para tanto, utilizou-se da crise política e econômica enfrentada pelo Brasil para instituir uma agenda rígida, até mesmo quando comparada com aquelas implementadas por Thatcher, Reagan, Color e FHC (REIS et al., 2016).

Segundo Braz (2017), o documento intitulado “Uma ponte para o futuro”, juntamente com o primeiro discurso de Michel Temer, no dia 13 de maio de 2016, data em que seu governo foi instaurado, destacava três questões: “ordem e progresso”, “privatizar tudo o que for possível” e a “democracia da eficiência”. Para Mancebo (2017), o principal objetivo do documento era promover um programa político-econômico embasado na perspectiva de um Estado Mínimo. Ou seja, um Estado mais enxuto, com o discurso de ser mais eficiente, ampliando a atuação das empresas privadas e flexibilizando o mercado de trabalho. O intuito era abrir o País a uma maior concorrência internacional e vender o patrimônio nacional.

As mudanças implementadas por Temer foram rápidas. Após assumir, ele firmou o poder unilateral do Executivo para estabelecer concessões e contratos público-privado. Anunciou a privatização de praticamente todos os principais serviços públicos, como, indústria de gás natural, Correios, aeroportos e concessionárias de energia. Iniciou, também, um trabalho de base para promover as privatizações das empresas estatais e direcionar os recursos públicos do País. No Banco do Brasil, incentivou a demissão voluntária e fechou várias agências. Propôs a reestruturação da idade mínima para requerer a aposentadoria e o valor total de benefícios que os aposentados poderiam receber (PAHNKE, 2017). Além disso, extinguiu alguns ministérios, cortou investimentos em educação, saúde e assistência social, estabeleceu políticas meritocráticas e diminuiu os direitos dos trabalhadores (VINHAS, 2017).

Em seu primeiro ano como presidente, Temer conseguiu aprovar a Emenda Constitucional 55/2016, conhecida como “Teto dos Gastos Públicos”. Esta decisão levou a várias reações nos espaços de construção democrática do País, devido ao caráter impositivo no qual foi tramitado. As críticas a essa EC voltaram-se para o congelamento por vinte anos dos investimentos públicos federais em educação, saúde e assistência social, sendo que tais dispêndios somente poderiam ser corrigidos pela inflação (CRUZ, 2016).

Várias medidas que atingiam os servidores também começaram a ser discutidas pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP), como: limite de cinco mil reais para os ingressantes na administração pública, aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14%, limite do teto remuneratórios para os servidores do executivo, adiamento do aumento salarial de algumas carreiras e diminuição dos gastos com auxílio moradia e ajuda de custo

(MP, 2017). Para buscar a eficiência no serviço público, o MP também propôs: Programa de Desligamento Voluntário (PDV), redução da jornada de trabalho com remuneração proporcional e licença incentivada sem remuneração (MP, 2017; MP, 2018), práticas também adotadas por Fernando Henrique Cardoso, conforme lembram Cardoso Júnior e Nogueira (2011).

Desse modo, o Governo Temer mostrou-se próximo aos ideais do neoliberalismo. O direcionamento do Governo atual voltou-se para o equilíbrio fiscal, os cortes de impostos, a vinculação das despesas sociais conforme o aumento do PIB e os acordos de livre comércio com os Estados Unidos, Europa e Ásia. O presidente também se posicionou a favor de menos restrição à venda de terras agrícolas do País aos estrangeiros (PAHNKE, 2017).

Ações como essas tomadas por Temer foram desestimuladas por economistas em diversos países e, até mesmo, por agências de perfil neoliberal, como o FMI (CRUZ, 2016). A questão levantada em relação às medidas de austeridade é que o equilíbrio fiscal e as privatizações poderiam enfraquecer a capacidade do governo de controlar a crise econômica que o País enfrenta (PAHNKE, 2017), ampliando, em vista disso, o debate sobre o gerencialismo na administração pública.

Destarte, a partir da apresentação das políticas de governo e de gestão dos presidentes citados, corrobora-se com Chrispim e Torres (2014) quando afirma que o Brasil tem passado por diversos momentos de mudanças reformistas de grande extensão, diversidade e velocidade, com a aceleração do movimento mundial decorrente da globalização. A Reforma do Estado iniciada no Governo FHC vem sendo concatenada a uma racionalidade na questão financeira. É desta que emergiu um “novo paradigma, em que as políticas se orientam pela mesma matriz teórica, política e ideológica do Estado reformado” (SILVA JÚNIOR; SCHUGURENSKY, 2014, p. 46).

Conforme explicam Newman e Clark (2012), o modelo gerencial levou a um arranjo instável de variantes transacionais e transformacionais que ainda são visualizadas, promovendo várias respostas quando há medidas de cortes e austeridades. Na variante transacional, os cortes resultaram em maior ênfase no desempenho e em outros sistemas de controle financeiro e

organizacional, sendo que esses ocorreram no próprio governo e também nas organizações que possuíam benefícios e serviços que eram financiados pelo Estado. Já na variante transformacional, existiu um incentivo para que as organizações implementassem alternativas inovadoras ou empresariais para lidar com a redução da verba, por meio do reajustamento dos serviços, da reengenharia e da busca de novas estratégias de mercado.

Para Newman e Clark (2012), vários governos nacionais argumentaram que não havia escolha; ou seja, precisavam desregulamentar, diminuir taxas, reduzir serviços públicos, expandir o mercado, privatizar, etc. Assim, nota-se que a administração burocrática e a gerencial podem ser realizadas tanto por governos conservadores quanto por aqueles de perfil mais progressistas (BRESSER-PEREIRA, 2017). Misoczky, Abdala e Damboriarena (2017) sintetizam as principais mudanças implementadas após o Plano Diretor na administração pública [AP].

[...] é preciso considerar as alterações constitucionais (em especial a EC 19/1998) e o conjunto de leis que, de fato, mudaram a organização do Estado brasileiro, tais como as mudanças no Regime Jurídico Único e a instituição do emprego público, a supressão da revisão salarial anual dos servidores públicos, a legalização das privatizações/concessões, a introdução da cultura do desempenho e das avaliações de cunho produtivista, o movimento da qualidade total na AP [administração pública], a consolidação da responsabilidade fiscal desconectada da oferta de serviços e das necessidades sociais, o uso de entes privados para a prestação de serviços públicos, a contratualização como forma de relação, inclusive entre entes públicos, a flexibilização da AP e a disseminação da terceirização. Esses traços marcantes foram, desde então, sendo gradativamente implementados nos diferentes níveis de governo e avançando, inclusive, em áreas que Bresser considerou como seus “grandes fracassos – as universidades e os hospitais públicos” (MISOCZKY; ABDALA; DAMBORIARENA, 2017, p. 191).

Segundo Misoczky, Abdals e Damboriarena (2017, p. 192), existia uma relação inseparável entre o “processo de reformas, as transformações resilientes do neoliberalismo e a emergência de seu braço operacional – o gerencialismo”. Este seria a “matriz teórico-ideológica”, que possibilita o suporte operacional para o prosseguimento do neoliberalismo.

É a partir desse ponto que se encaminha para a discussão do gerencialismo enquanto ideologia, corroborando com Zizek (1996), no sentido de que o entendimento político (neste estudo, visto como a adoção e manutenção de medidas gerencialistas pelo Estado brasileiro) pode ser verdadeiro em relação ao seu conteúdo objetivo (diminuir os gastos públicos do serviço público

e torná-lo mais eficaz), mas, ao mesmo tempo, ser ideológico, como se discutirá no capítulo seguinte.