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3.3 O DESENVOLVIMENTO DA VARIG: 1935 A 1985

3.3.9 A INCORPORAÇÃO DO CONSÓRCIO REAL AEROVIAS NACIONAL

Segundo Fay (2001), em 1945 os comandantes Lineu Gomes e Vicente Mammana Neto fundaram a REAL (Redes Estaduais Aéreas Ltda.) adquirindo uma aeronave DC-3, de matrícula PP-YPA, que era um excedente de guerra, pagando a importância de 400 mil cruzeiros.

No ano de 1950, a Real incorporou a Linhas Aéreas Natal S.A, que contava com uma frota de quatro C-47 e com as rotas para Belo Horizonte e Corumbá. Continuando seu crescimento, em agosto de 1951 comprou a Linha Aérea Transcontinental, podendo atingir as principais cidades do Nordeste. Neste mesmo ano, conseguiu permissão do governo paraguaio para voar até Assunção. A REAL tornou-se uma grande empresa quando comprou a Aerovias Brasil, no dia 10 de

setembro de 1954. A companhia estava com sérias dificuldades, estando inadimplente com a Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Serviços Aéreos, tendo ainda uma dívida hipotecária junto Caixa Econômica do Estado de São Paulo. A REAL adquiriu o controle acionário da empresa com a compra de 87% das ações. Assim aumentou sua frota para 54 aeronaves C-47/DC-3, três aeronaves DC-4 e seis aeronaves Convair CV-340, formando o consórcio Real-Aerovias-Brasil. (Pereira, 1987).

Em 1956, a REAL compra a Transportes Aéreos Nacional Ltda, absorvendo as rotas e aeronaves de outras sete pequenas companhias, entre elas a Viabrás, a OMTA (Organização Mineira de Transportes Aéreos), a Central Aérea S.A. da Cia. Itaú de Transportes Aéreos e a Viação Aérea Santos Dumont, criou o consórcio Real-Aerovias-Nacional. Sua frota chegou a ter 86 DC-3/C-47, 12 C-46, 6 Convair CV-340, 6 Convair CV-440, 3 DC-4 e 4 Super Constellation.

Em 1961, a REAL voava para 160 cidades do Brasil e nove cidades do exterior. Com a absorção da Aerovias, passou a voar para os Estados Unidos e, em 9 de julho de 1960, inaugurou a rota do Pacífico até Tóquio, com escalas em Los Angeles e Honolulu. Porém, o ano de 1961 não foi muito prodigioso para o Consórcio, que já vinha enfrentando sérias dificuldades financeiras. Em 13 de agosto de 1961, todo o Consórcio Real-Aerovias-Nacional foi absorvido pela VARIG com a transferência 90% das ações. (Pereira, 1987).

Descreve Claúdia Fay (2001) na sua tese de doutorado “Crise nas alturas: a questão da aviação civil (1927-1975)”:

Nos últimos anos, a Real fora transferindo recursos de seu patrimônio para outras empresas: as lojas de venda de passagens, o manuseio da carga, o fornecimento de comida, a importação de peças de reposição.

Na metade do ano de 1961, a Real estava falida, tinha patrimônio negativo, sua compra era um mau negócio. Ruben Berta era um dos maiores conhecedores do setor; então, qual seria a razão da compra? Por que não esperar a falência e ficar com suas rotas? segundo o Cmte. Bordini, o argumento dos empregos era demagógico, nem Jânio, nem Lineu estavam preocupados com os mesmos, e nada fizeram quando, depois da compra, 1.000 funcionários foram demitidos.

A Real estava em péssimas condições, seus aviões estavam sujos, mal cuidados, faltavam peças de reposição, a empresa devia dinheiro a todo mundo e não havia nenhuma máquina de escrever que não estivesse penhorada pela justiça. Os tripulantes da Real nem usavam uniformes no serviço, pois não recebiam salários há algum tempo.

Por falta de peças, alguns aviões tinham sido canibalizados, ou seja, eram retiradas peças para colocar em outros e ficavam impossibilitados de voar. Muitos não possuíam o mínimo necessário para voar.

Além dos problemas econômicos e financeiros, como a VARIG era tradicional rival da Real, os funcionários achavam que estavam sendo explorados e que a VARIG os comprara para colocá-los em segundo plano nas carreiras. Logo ficou claro o excedente de funcionários; outro problema foi com funcionários antes demitidos da VARIG e que na época da compra encontravam-se na Real e que passavam a novamente integrar a empresa. Na VARIG, existia uma lista de pilotos chamada “lista de antigüidade”, na qual cada piloto tinha um lugar determinado. A lista representava a ordem a ser seguida nas promoções e no acesso a aviões maiores. Na Real, não existia lista, as promoções eram aleatórias.

Os pilotos da Real eram chamados de calças pretas, o que tinha um sentido brincalhão, mas era também um tanto pejorativo8. Segundo Aldo Pereira, a maioria recorreu à justiça porque a VARIG não respeitou seus direitos. Houve casos de profissionais antigos, de muitos comandantes que passaram a uma categoria inferior à de comandantes mais novos procedentes da VARIG, subvertendo a hierarquia.

A Real, querendo substituir os Super H Constellations, havia assinado contrato com a American Airlines para comprar três aparelhos. Pouco depois, ela foi vendida para a VARIG, e esta confirmou a compra dos aparelhos Electra. O primeiro deles, o PP-VJM, chegou ao Brasil em 2 de setembro de 1962.

Outra denúncia grave investigada pela CPI foi que a Real praticava fraudes em relação ao equipamento. Uma das fraudes citadas pelo Deputado Miguel Bahury, para exemplificar, era feita com os motores do Super- Constellations. Esses motores eram comprados no Canadá ao preço de US$ 10.000,00 por unidade; eram levados para Miami, onde eram trocadas as chapas de identificação de forma a dá-los como novos e refaturados por US$ 90.000,009.

Outro tipo de fraude era o envio de cartas de crédito a câmbio de custo, destinadas ao pagamento de peças que jamais foram enviadas para o Brasil. As faturas eram visadas pela Alfândega como se as mercadorias realmente tivessem entrado no País. A Real, pelo que foi apurado na CPI10, tinha um total de um milhão de dólares em peças que nunca chegaram. Cabe ressaltar que, dentre as companhias acusadas pela CPI, algumas apresentaram defesa da acusação. A Real, mesmo já tendo sido vendida, não apresentou nada para sua defesa e, na opinião do Deputado Bahury, merecia o urgente confisco.

Examinando em detalhe a compra da Real pela VARIG, o deputado citou o depoimento do Sr.. Ruben Berta de 10 de outubro de 1961, onde ele reconhecia ter feito um mau negócio na compra de 85% do controle da Real Aerovias, por ter pago 1 bilhão e 750 milhões de cruzeiros dentro de um passivo que era muito maior.

Segundo o Deputado Miguel Bahury, era sabido que o ex-Presidente Jânio Quadros tinha interesse em proteger o grupo Linneu Gomes e os seus credores, que segundo se dizia, na época, também eram financiadores do Sr.. Jânio Quadros. Conforme o mesmo deputado, o Sr.. Ruben Berta é que não deveria atender ao apelo do Sr.. Jânio Quadros, pois ninguém pode admitir, de boa fé, que uma companhia rentável saia de sua

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8 FLORES JR, Jackson. VARIG: uma estrela brasileira. Rio de Janeiro. Action, 1997. 9

Diário do Congresso, 16/05/1962, p.2404.

10 A CPI também apurou outros tipos de fraudes como contrabando, fraudes através de empresas satélites, e denunciou os senhores Linneu Gomes, Pedro de Souza Pinto Filho, Marcílio Gibson Jacques, Dilvo Peres e Geraldo Leo Cherymisin. Diário do Congresso, 16 de maio de 1961, p.2402.

tranqüilidade para envolver-se em complicações e dificuldades insanáveis11.

Segundo depoimento do Sr.. Cláudio Viana, na época assistente de Diretor de Manutenção e Engenharia na VARIG, a Aerovias, pertencente à Real, tinha um pequeno patrimônio, mas possuía instalações em alguns lugares do país que tinham um significado maior. O mais importante, no entanto, eram as linhas internacionais, a linha para Miami e a linha para Tóquio. (Pgs. 194 -197)

Assumir uma empresa quase duas vezes maior que a própria a VARIG foi uma árdua tarefa para Ruben Berta, que com extrema cautela, muito planejamento e trabalho, expandiu suas linhas para o exterior, quadruplicando a sua quilometragem internacional e dobrando suas rotas domésticas

Em 1963 a VARIG recebe três Convair 990A Coronado e três Lockheed L-188 Electra II, inicialmente encomendados pelo consórcio Real - Aerovias, além de mais alguns Lockheed Super Constellation L-1049H, Douglas DC-3/C-47 e DC-6B.

Relata Pereira (1987), que quando a VARIG absorveu a Real-Aerovias, os Convair 990A já estavam praticamente prontos para serem entregues. Os Convair 990A Coronado foram os quadrireatores para transporte de passageiros mais velozes já construídos na época.

Porém, a diretoria da VARIG não desejava receber estes aviões, pois eles estavam fora dos padrões adotados pela empresa, mas a Convair não aceitava cancelar o compromisso de compra e venda.

Os advogados da VARIG atentaram para uma das cláusulas do contrato, que rezava que as aeronaves só seriam aceitas pela então Real Aerovias se comprovadamente os CV-990A pudessem decolar com peso máximo de pouso na situação de uma turbina parada durante a decolagem na situação de velocidade crítica.

Apegando-se a essa cláusula, a VARIG afirmou que não pagaria mais as prestações das aeronaves enquanto tal fato não fosse comprovado na prática. Imediatamente a Convair enviou um protótipo a São Paulo com a finalidade de provar as características exigidas.

O avião então foi carregado com sacos de areia até o peso máximo de pouso e com representantes da VARIG a bordo, incluindo Ruben Berta, foi feita a decolagem, cortando a turbina número 1 na velocidade crítica e iniciando a decolagem na velocidade de rotação, e conforme estabelecido, saindo do solo na

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velocidade de segurança. A aeronave fez algumas manobras sobre o aeroporto e retornou ainda com os três motores em funcionamento, pousando em perfeitas condições.

A Convair havia atendido as exigências contratuais e a VARIG então foi obrigada a receber os três CV-990A. Visto inicialmente apenas como uma reserva, o Lockheed L.188A Electra II foi inicialmente colocado em serviço na Linha da Amizade (que ligava Brasil ao Portugal) e nas linhas domésticas.

Mas foi na Ponte Aérea Rio São Paulo que o L.188A Electra II marcou a história, operando exclusivamente nesta rota por quase 30 anos, tendo até hoje a ponte-aérea associada a sua imagem. Na década de 60, a VARIG muda a pintura das suas aeronaves e adota uma expressiva logomarca na empenagem dos seus aviões, a rosa-dos-ventos. Esta implementação coincide com a aquisição do Consórcio Real-Aerovias-Nacional.

Conta-nos o comandante Goetz Herzfeldt no obra VARIG: Uma Estrela Brasileira (pg. 14, 1997)

Quando a VARIG comprou o consórcio Real-Aerovias-Nacional, tentemos cancelar a todo o custo o acordo que aquela companhia havia feito com a American Airlines para a compra de aeronaves Lochheed Electra. Havia ocorrido alguns acidentes nos quais as aeronaves perderam as asas. Um novo material utilizado na construção daqueles aviões originara os acidentes, mas logo a fábrica descobriu as causas e lançou o Electra II, que operou com grande sucesso na VARIG sem se envolver em qualquer acidente. Hoje, os Boeing 737-300 conseguem realizar as mesmas tarefas com um motor mais possante e um jogo de freios excelente, além de contar com uma asa melhorada.

A passagem de uma companhia área doméstica de atuação regional para uma empresa de destaque internacional demandou a transferência da direção da VARIG de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, com a matriz sendo mantida na capital gaúcha.