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A influência da modernidade na identidade rural no ENP

4 MUNDO RURAL E GEOGRAFIA CULTURAL NO EXTREMO NOROESTE

4.2 A influência da modernidade na identidade rural no ENP

As novas ruralidades são consideradas expressões de mudanças constantes de identidades sociais no mundo rural, caracterizada por seu meio de vida e suas relações históricas e atuais. As ruralidades possuem identidades múltiplas, mesmo considerando no ENP uma manutenção de características provenientes de uma construção histórica típica desse espaço. Tais mudanças são decorrentes do avanço tecnológico inerente à sociedade, que se

atribui como padrão de vida entre as pessoas, mesmo considerando que tal acesso seja precário e lento.

Há uma redefinição do rural, com seu conteúdo heurístico específico, suas características, ao mesmo tempo em que há uma redefinição do próprio conceito de rural, uma vez que este apresenta novas funções e espaços, relações e diferenciações, definidas e apresentadas no Brasil em áreas distantes dos grandes centros urbanos que, territorialmente falando, são infinitamente menores do que as áreas rurais apresentadas como realidade e tendência, até mesmo em regiões onde há o predomínio da monocultura para exportação ou consumo interno, como a cana-de-açúcar, que ganha novas especificidades.

De acordo com Moreira (2005), esse processo de ligação entre o rural e o urbano através da relação entre globalismos e localismos, expressos pela tecnologia, colocam em tensão as identidades rurais, transformando-as em múltiplas identidades, configuradas em identidades rurais da pós-modernidade.

Desta forma, não se pode mais aceitar em caracterizar uma identidade ou forma urbana sem também considerar possibilidades de construções de identidades e formas rurais simultâneas e dependentes, já que o modo de vida contemporâneo possui, em escalas distintas, ligações entre os dois espaços contínuos. Podem-se observar esses fatos no ENP, considerando diversos moradores do meio rural que possuem renda no meio urbano, e vice- versa.

Nesse sentido, de acordo com Carneiro (2005), os indivíduos são capazes de expressar seus padrões culturais e sua forma de viver mesmo estando fora de seu espaço de vivência, recriando novos territórios tanto no rural quanto no urbano.

Esses fatores trazem modificações expressivas da pós-modernidade nas sociedades atuais, já que o uso e o acesso às técnicas e tecnologias, são mais evidentes na atualidade, mesmo considerando que tais acessos tenham muitas vezes dificuldades de serem adquiridas pelos moradores mais desprovidos do meio rural.

Mesmo considerando o acesso a esse novo padrão que decorre em grande parte do território brasileiro, descrito por Moreira (2005) como a emergência de um novo rural pós-moderno, salienta-se que em vastas áreas do território nacional, como no ENP, a permanência do tempo lento, das tradições culturais passadas e da permanência de padrões herdados desse espaço se mantém em detrimento de sua nova perspectiva de crescimento e ligação com o capital, por aqueles que vivem no campo.

Porém, o local sofre interferência com o global, principalmente considerando os fatores exógenos, como as políticas macroeconômicas e setoriais, impostas a

toda sociedade, além da possibilidade de acesso às novas tecnologias, que em grande parte, possuem um valor no mercado em decadência constante. No ENP, a permanência de padrões culturais e de valores ainda é visível, até o momento em que a memória expressa nessas famílias e sociedade, seja virtuosa o bastante para não serem esquecidas no tempo e espaço.

Para Moreira (2005, p. 18), “[...] cada identidade é, assim e sempre, expressão de múltiplas ordens relacionadas que se dão em redes materiais e afetivas, de pertencimento familiar, de vizinhança, de grupos sociais, de classes, regionais, nacionais e internacionais, em suma, locais e globais.” A possibilidade da existência de uma identidade rural permanente, como a existente no ENP, mas que se encaminha gradativamente em um tempo lento ao esquecimento, exceto se houver um resgate permanente de tal identidade, só é possível de ser analisada se for comparada e pensada a partir de outras identidades, sejam elas rurais mais interligadas ao capital, ou àquelas denominadas como não-rurais.

Desse modo, o pensar rural no Brasil significa também refletir um processo histórico de dificuldades e anseios vividos no campo, incorporando processos ainda em construção ou a serem construídos, como a reforma agrária, a construção da cidadania, da democracia, do bem-estar e de demais questões que envolvem o rural brasileiro, que se encontra em grande parte engendrado em padrões oligárquicos e políticos dominantes.

O rural brasileiro, embora tenha traços de modernidade e perspectivas de crescimento econômico, está interligado diretamente com o grande capital, e principalmente com as plantations, com o intuito de elevar positivamente a balança comercial brasileira, assim como o PIB do país. Porém, essa realidade não é parte constante do rural brasileiro, já que o processo de modernização do campo ocorreu de maneira incompleta, sem uma reforma agrária digna e coesa, sem políticas efetivas aos seus moradores mais desapropriados e sem distribuição de renda.

Dessa forma, o rural tradicional nunca desaparecerá, mas apenas se transformará em algumas instâncias, como a influência de políticas externas (exógenas) e a consequente mudança de mentalidade e cultural, hábito de consumo e costumes de seus moradores. “Este rural é ao mesmo tempo urbano e global” (MOREIRA, 2005, p. 32), mas no contexto do ENP, não se perderá as raízes rurais e de identidades, pois o capital e o tempo rápido penetraram lentamente no contexto regional, pelo menos até o momento.

De acordo com Santos (2002), as identidades locais ganham nova força e perspectiva, paradoxalmente sobre a perspectiva de um mundo globalizado e tendenciosamente homogêneo. Mas essas identidades rompem em grande parte com o passado, e se formam novas experiências, fazendo surgir novos localismos, em um mesmo

espaço do já foi um lugar de relações arcaicas para a atualidade. Mas tais relações não se rompem drasticamente nesses novos lugares, e o ENP matem traços do passado em um presente repleto de relações internas e externas.

Numa perspectiva de discursos sobre sustentabilidade vivenciada na atualidade no Brasil, há uma tendência de se ver o meio rural não apenas como sinônimo de produtividade e relação com o meio urbano industrial nesse contexto apresentado, mas deixa transparecer um enfoque pautado nas questões ambientais, já que o uso do solo e as áreas degradadas estão na pauta de intrusões dos municípios, criando meios de mitigar tais impactos negativos ocorridos no ambiente desde o processo de colonização. Esse é um ponto chave no ENP e no Brasil, tendo em vista que a utilização dos recursos ocorre de maneira insustentável, principalmente nos poucos grandes estabelecimentos rurais e produção, sem deixar de lado a somatória de ações de desmatamento de regiões ocupadas por pequenos estabelecimentos rurais, como é o caso do ENP.

Com relação aos traços representados pelo modo de vida das pessoas em suas residências, como disposto na Tabela 47, observam-se diversas casas de pequeno porte, demonstrando as parcas condições financeiras, ou até mesmo a desnecessidade em aumentar suas residências, pois os filhos e netos apenas visitam suas casas, e não mais a tratam como residência oficial, em sua maioria.

Tabela 47 – Quantidade de cômodos nos estabelecimentos rurais do ENP

Número de cômodos na casa Quantidade Percentual (%)

somente 1 0 0

de 2 a 5 54 77

de 6 a 9 15 22

10 ou mais 1 1

Fonte: ROSAS, 2009. Pesquisa de campo no ENP.

A característica das residências do meio rural são expressões da cultura material recriada por seus moradores. Tais locais garantem a sobrevivência das famílias, mesmo considerando que muitas dessas residências não possuam o conforto encontrado no meio urbano, normalmente. Mas o conforto é muitas vezes sinônimo de consumismo, e o que é considerado confortável para os moradores do meio urbano, muitas vezes é sinônimo de desperdício para as famílias do meio rural. A maioria das residências possuem entre 2 e 5 cômodos, demonstrando as dificuldades econômicas, e a característica em permanecer acomodado de acordo com suas necessidades, pois não vêem em suas vidas tais necessidades de crescimento.

Mas uma relação é correta, analisado ao se conhecer tais residências. A falta de forro pode atrair diversos animais, como morcego e baratas. Já em outras residências, o teto é feito de “telhão”, que esquenta muito, principalmente considerando que o clima tropical continental do ENP aumenta tal sensação térmica. Mas as pessoas se dizem satisfeitas com o que possuem, e tal fator não representa um incômodo ou falta de satisfação com o seu lar, já que durante o dia elas trabalham na roça ou na cidade, e as mulheres permanecem nas áreas das casas, fazendo doces e cuidando dos afazeres domésticos. Tais considerações podem ser demonstradas nas Figuras 12, 13, 14, 15 e 16. Nas duas primeiras, observam-se casas de telhão, e nas três últimas, casas sem forro, propício à entrada de animais. Nota-se que em todas as casas há antena parabólica, demonstrando a necessidade de estar em “conexão com o mundo”.

Figura 12: Residência rural localizada no município de Santa Clara d‟Oeste (SP) - 2008.

Fonte: Rosas (2008).

Figura 13: Residência rural localizada no município de Santana da Ponte Pensa (SP) -

2008.

Figura 14: Residência rural localizada no município de Santa Fé do Sul (SP) - 2008. Fonte: Rosas (2008).

Figura 15: Residência rural localizada no município de Santa Rita d‟Oeste (SP) - 2008.

Fonte: Rosas (2008).

Figura 16: Residência rural localizada no município de Rubineia (SP) - 2008. Fonte: Rosas (2008).

Verifica-se que na leitura da paisagem, embora represente algumas casas aparentemente pequenas e sem acabamento, mas organizadas, são os lares de diversas famílias que estão satisfeitas com suas moradas, e mesmo com a falta de forro e algumas vezes com condições mais difíceis de viver, se comparadas àquelas representadas no meio urbano, principalmente em bairros periféricos ou favelas, e tais pessoas são mais satisfeitas e realizadas do que muito moradores do meio urbano, pois a tranqüilidade e o costume, aliado às características culturais, expressam o simbolismo do rural no ENP.