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O rural e o urbano como espaços delimitados na atualidade

2 O RURAL E O URBANO COMO ESPAÇOS DIALÉTICOS NO EXTREMO

2.5 O rural e o urbano como espaços delimitados na atualidade

O processo de urbanização fez com que o homem cada vez mais se utilizasse da natureza para sobreviver. O processo de urbanização ocorre, de acordo com Capel (1975), associando-se o nível de desenvolvimento da cidade em relação ao território onde esta se localiza. Esse padrão de definição se modifica em diferentes países, tornando-se impreciso. No Brasil, o padrão adotado de classificação administrativa (IBGE) é criticado por Blume (2004), por não fazer uso de criterios combinados, ou seja, a avaliação ocorre somente por intermedio da localização geográfica administrativa, que foi criado pelo Decreto-Lei 311/1938, pois anterior a esta data, Queiroz (1979) afirma que o rural era concebido no Brasil como tudo aquilo que fazia parte do interior do país, na porção oeste, e somente se modificou através do Decreto-Lei que permanece até a atualidade.

Como salientado, outra crítica também é realizada por Veiga (2003), embora passível de considerações, quando enfatiza que o Brasil é o único país no mundo a considerar urbana toda sede de município (cidade) e de distrito (vila), quaisquer que sejam suas características. O autor afirma ainda que de um total de 5.507 sedes de município existentes no Brasil em 2000 (em 2007, existiam 5.564), “[...] havia 1.176 com menos de 2 mil habitantes, 3.887 com menos de 10 mil, e 4.642 com menos de 20 mil, todas com estatuto legal de cidade” (p. 32). Como forma de contornar essa situação, propõe como alternativa a classificação de municípios rurais aqueles que possuem menos de 80 hab/km2, incluindo a maioria dos localizados no extremo noroeste paulista, o que de acordo com essa proposta, somente Santa Fé do Sul poderia ser considerado urbano6.

Embora simplista, essa classificação traz à tona problemas reais de entendimento da fronteira do urbano com o rural no Brasil, onde as dificuldades e a precariedade nos municípios com essas proporções são evidentes. Porém, deve-se considerar que cada caso deverá ser analisado especificamente, pois em alguns aspectos, municípios pequenos possuem poucas ligações com o rural, e em contrapartida, municípios maiores são essencialmente rurais, baseados em pequenos estabelecimentos rurais, ou através do uso de tecnologia e da concentração fundiária, com lucro no agronegócio, como é o caso das áreas de fronteiras e de expansão da cultura da soja no Centro-Oeste e algumas áreas do Norte do país. Essa tendência será analisada mais claramente no Capítulo II.

6 No Capítulo II, essa proposta será resgatada e rediscutida, com o acréscimo de ideias, onde Santa Fé do Sul seria considerado por Veiga (2003) como município rurbano.

Dessa forma, de acordo com Wanderley (2000), todas as sedes, povoados ou vilas foram transformadas em cidades, cabendo aos prefeitos a delimitação do perímetro urbano municipal. Tal fato levou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a criar suas delimitações com base neste decreto. Os municípios do Extremo Noroeste Paulista fazem parte desse contexto, e com uma estrutura fundiária bem distribuída até o momento, apresentam novas dificuldades em dividir e delimitar as fronteiras baseadas apenas nos limites administrativos. Porém, deve-se lembrar que as fronteiras entre o rural e o urbano são flexíveis ao longo do tempo e de seu uso, podendo se expandir ou se retrair, e modificar suas funções e formas de acordo com as necessidades dos homens.

É neste sentido, que as necessidades humanas vão transformando o meio em que se vive, buscando formas de sobrevivência, subsistência e, posteriormente, no modo de produção capitalista, o lucro.

Depois do processo de formação e consolidação das cidades, passando de vilas à rápida expansão urbana, o espaço de transição entre o urbano e o rural passou a ser pesquisado e analisado em busca de uma delimitação, uma fronteira. Tal espaço, ainda sem identidade específica do rural ou do urbano, mas com um emaranhado de características, passou a ser denominado “periurbano” por autores como España (1991), FAO (1999), Pereira (2000), Iaquinta e Drescher (2002), Monteiro (2002), Vale (2005), só para citar.

Para se alcançar a compreensão das diferenciações e rugosidades do espaço (SANTOS, 1988) para a reprodução e permanência no meio rural, é necessário que as famílias rurais busquem alternativas às dificuldades encontradas no contexto atual do meio rural no Brasil e em várias partes do mundo, já que o motor da sociedade se consubstancia no eixo urbano-industrial, e as atividades que favorecem o capital são os únicos interesses reais para alavancar a economia, mas sem a preocupação em solucionar problemas sócioestruturais provocados pelo próprio capital em expandir de maneira seletiva sobre o território, causando e agravando a desigualdade sócioespacial e excluindo os moradores do espaço rural em seu próprio espaço, e em relação ao avanço da denominada modernidade.

O rural se diferencia do urbano por diversas características, porém, os pontos de relação dialética são vários, dado o tamanho do rural e suas diferencialidades. Para Veiga (2002), o rural se destaca cada vez mais pelo o que se opõe ao artificialismo das cidades, como a relação com o ar puro, o silêncio, as paisagens naturais, a água limpa, o contato com animais silvestres.

Uma vez que o meio urbano se destaca pela produção secundária e terciária de transformação industrial e de serviços em geral no rural está presente a extração de

materia-prima, a agropecuária, algumas atividades não-agrícolas, as atividades surgidas como o turismo e o lazer, além da preservação ambiental, formando um circuito de produtos. De acordo com Galvão (1995, p. 105), nota-se que essa relação, mesmo distinta e tendenciosamente homogeneizadora, torna os espaços mais específicos e interligados.

A esses circuitos entrecruzados de produtos, pessoas, relações de trabalho, a que se mesclam aspirações, sonhos de crescimento e utopias, somam-se fluxos ambivalentes de capital, projetos, ideologias e mitos, tornando ainda mais complexas e interativas as relações campo-cidade, que fundem o agrário e o urbano, sem contudo configurarem ou comprometerem sua identidade e seus problemas.

Já do ponto de vista sociológico de Zimerman et al. (1981), a principal diferença entre os espaços urbano e rural seriam aquelas relacionadas às individualidades dos indivíduos, já que o meio rural serviria para as atividades agrícolas, e o meio urbano para outras atividades, e que o primeiro estaria subordinado às ações provindas das cidades, devido ao poderio econômico dos mesmos.

Além disso, o rural se destaca, de acordo com Kageyama (1998), Kayser e Brun (1993), Wanderley (1997), dentre outros, pela baixa densidade populacional em relação ao meio urbano (entretanto, em algumas cidades e vilas essa caracterização nem sempre é verdadeira), o que leva a criação de uma baixa edificação, fazendo com que o meio “natural vegetativo” predomine, mesmo considerando o atual desmatamento em curso. Dessa forma, a predominância econômica marcante e típica, embora haja a presença dos CAIs, é relativa ao agropastoreio, sendo que a identidade dos habitantes está relacionada com o lugar e pequenas coletividades, caracterizando assim uma cultura e um modo de vida específico, principalmente no que concerne às famílias rurais com herança campesina, criando um ritmo de vida (tempo) e prática diferenciado daqueles que vivem nas cidades, principalmente nas maiores.

Outra característica marcante é a relação entre as pessoas, pois no meio rural existe uma maior inter-relação pessoal, o que gera neste espaço uma menor diferenciação socioeconômica entre seus moradores, exceto à chegada dos CAIs, que (re)criam novas relações com a imposição do capital e da modernização da agricultura, voltada para as grandes companhias e empreendimentos (VALE, 2005).

Não se pode pensar no fim do rural, mas numa recriação desse espaço, pois as transformações e a construção do território nunca são iguais ou se encerram, pois o homem sempre busca sua recriação e fortalecimento no meio.

Assim, essa recriação, essas representações do universo rural, e sua nova reconfiguração, não deveriam ser pensadas como sinais de seu fim, ou de sua descaracterização em função das pressões do universo urbano, mas talvez como elementos importantes na sua vitalidade, em uma relação dialética com aquilo que representaria seu algoz exterminador. (PAULINO, 2000, p. 8).

Como observado, várias características permanecem, com mudanças pouco significativas, e outras com modificações mais drásticas. A intervenção antrópica do caráter “natural” dado ao meio rural se esvai nas condições impostas pela agricultura, principalmente aquela baseada na modernização, ou seja, na utilização de máquinas e insumos em geral. Todavia, ainda existe uma maior presença de características “naturais” no meio rural do que na cidade, fato que atualmente atrai investidores e principalmente os moradores citadinos de grandes centros urbanos, e até mesmo para se utilizar de uma segunda moradia, mas somente para quem possui capacidade econômica para tal.

Vários são os motivos que atualmente faz com que o morador do meio rural saia de seu legado ou procure alternativas ao seu trabalho, como o uso da tecnologia, a dificuldade de acesso ao crédito, além das oportunidades surgidas nas cidades. De acordo com Veiga (2003), nos países desenvolvidos da Europa, os trabalhadores rurais estão mais vinculados a atividades complementares à agropecuária, tornando-se cada vez mais pluriativos (exerce mais de uma atividade, agrícola ou não, em tempo parcial ou não) e multifuncionais, pois sem uma tecnificação adequada, fica difícil competir com as grandes empresas do setor. Essa é a realidade exposta por Siqueira e Osório (2001), do novo mundo do consumo, onde este seria a expressão de uma nova territorialidade, que extrapola e cria novas concepções e “necessidades” impostas às pessoas, levando a uma maior individualização (MARQUES, 2002), sobretudo nas áreas próximas aos grandes centros urbanos.

Tal fato também ocorre no Brasil, embora com especificidades diferentes, já que agora não existe apenas um espaço rural, mas “espaços rurais” (TEIXEIRA; LAGES, 1997), dada a grande diferenciação de influência da modernização no campo brasileiro. A correlação de atividades agropecuárias e as não-agrícolas fazem da família rural uma unidade pluriativa, como enfatiza Schneider (2001), onde esta trabalha cada vez menos dentro de seu estabelecimento. Para Carlos (2004), a pluriatividade teria o papel de rearticular a relação entre cidade e campo, já que as relações de trabalho ganham novo caráter e redefinem a contradição entre cidade e campo.

[...] a combinação, numa mesma pessoa, do duplo caráter, ou seja, o trabalhador com estatuto de empregado e de trabalhador por conta própria ao mesmo tempo - pode se configurar de duas formas básicas: através de um mercado de trabalho que combina desde a prestação de serviços manuais até o emprego temporário em outras atividades (industriais, têxtil, serviços, etc.); através da combinação de atividades tipicamente urbanas com a administração/gerenciamento da propriedade.

Carneiro (1997) ressalta que a pluriatividade é uma prática antiga, e que ressurge com um novo significado no Brasil em decorrência das dificuldades e da crise que assola as famílias rurais. Embora muito criticado, é esse contexto que Graziano da Silva (1999) sugere o termo “novo rural brasileiro”. Ora, a prática antiga da pluriatividade é apenas reproduzida na atualidade brasileira, conforme as necessidades de reprodução das famílias rurais, sendo elas pluriativas não somente no campo, mas mesclando atividades rurais e não rurais, no meio rural ou no urbano, conforme suas conquistas materiais e ambições. É muito comum no ENP, um trabalhador do meio urbano comprar terras no meio rural, para ampliação de sua renda, ou criar um refúgio das dificuldades vividas com o estresse da vida urbana, de acordo com seu padrão cultural. Ou pelo contrário, trabalhadores rurais que trabalham no meio urbano, obtendo renda nos dois espaços, como se observa na Tabela 12.

Tabela 12 – Atividades exercidas pelos moradores do meio rural

Sempre exerceu atividade no meio rural? Quantidade

Percentual (%)

Sim 29 41

Não (já trabalhou na cidade) 20 29

Trabalho de pedreiro 4 6

Faço "bicos" 10 14

Trabalho em empresa na cidade 7 10

Total 70 100

Fonte: ROSAS, 2009. Pesquisa de campo no ENP.

Embora ainda seja maior o número de pessoas que sempre trabalharam no meio rural, aquelas que moram atualmente no campo e já trabalharam na cidade é grande (20 pessoas), considerando também aqueles que moram no campo e trabalham na cidade, fazendo diversas atividades no campo e na cidade, além de pedreiro e o trabalho em empresas. Isso demonstra realmente que a pluriatividade passa a ser prática efetiva da relação campo-cidade, e que a tendência daqueles que lutam para sobreviver no campo tendem a procurar alternativas às atividades agrícolas, como demonstrado.

Nestes termos, Marques (2002) e Carneiro (1997) propõem que a atual característica de produção contida no meio rural brasileiro, onde há cada vez mais pessoas se dirigindo às cidades, e as unidades de produção familiar são dirigidas não pela família como

um todo, mas por um ou dois representantes, faz com que estes moradores do campo sejam “contaminados” pela cultura urbana, levando a um desprezo da cultura camponesa, popular, perdendo suas características históricas.

De acordo com Schneider (2003c), até meados da década de 1980, os termos part-time farming (agricultura em tempo parcial) e pluriactivité (pluriatividade) eram usados como sinônimos pelos cientistas sociais, sendo que a única distinção era feita pela origem dos conceitos, sendo o primeiro utilizado pelos analistas de língua inglesa, e o segundo, pelos de língua francesa.

Desse modo, há inúmeros confrontos de ideias no que se refere ao termo pluriatividade, e para Schneider (2003c), a ligação com as famílias rurais, faz com que os objetos de compreensão se interajam entre os elementos externos, como o mercado de trabalho não-agrícola, é definida como uma prática que depende das decisões individuais ou da família. É evidente também, que a prática de inúmeras tarefas não é recente, porém, com as transformações ocorridas no cenário rural mundial, as estrategias de reprodução se alteraram. Vale ressaltar ainda, para as pessoas que vivem no meio urbano e que possuem inúmeras atividades de geração de renda, não são denominadas pluriativas. Este é um fator que poderá elucidar mais debates acerca do conceito.

Porém, de acordo com Costa (2002), tanto o campo quanto a cidade estão em relação constante, e que diversas decisões tomadas em qualquer um desses espaços, podem afetar o outro, além de se considerar o aspecto ambiental, já que as transformações ocorridas no campo afetam diretamente o ritmo de vida nas cidades, essencialmente se evidenciarmos a principal atividade, mas não única, exercida no meio rural, a agricultura, que passa por diversos problemas, principalmente quando se trata de pequenos produtores rurais descapitalizados, dentre outros.

2.6 As dificuldades da atividade agrícola na atualidade e a busca por novas alternativas: