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Capital Social: direcionando o desenvolvimento territorial rural

3 O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL COMO MECANISMO

3.9 Capital Social: direcionando o desenvolvimento territorial rural

A noção do conceito de capital social se contrapõe aos preceitos capitalistas do individualismo, da busca frenética pelo desenvolvimento individual das pessoas, e acima de tudo, do funcionamento da sociedade com indivíduos independentes e individualizados. A noção da sociedade pautada no capital social se estabelece na busca por uma sociedade mais solidária, cujos indivíduos não ajam independentemente, e sua análise não consista na prerrogativa do isolamento pessoal. Portanto, a estrutura social deve ser vista como um conjunto de recursos, e não como um complexo desintegrado da sociedade. Esta é uma realidade fundamentada a partir do crescimento da desigualdade e da pobreza, encontrada com maior incidência em países pobres e industrializados, batizados de “ornitorrinco” por Oliveira (2003), como a América Latina. Porém, para se alcançá-lo, são necessárias ações externas, no sentido de auxílio para o crescimento do capital social.

Apesar de o termo, ligado diretamente com o desenvolvimento social- humano, ser bastante divulgado na década de 1990, de acordo com Stein (2003), foi aplicado pela primeira vez em 1916, e utilizado nas décadas de 1960 e 70, ganhando elaboração e discussão nos anos 1980, com Bourdieu (2000) e Coleman (1990), fornecendo a economia como pano de fundo do conceito.

De acordo com Coleman (1990), o capital social é um conjunto indissociável de singularidades com características próprias de confiança e crédito, capaz de facilitar o acesso a diversos bens entre moradores do meio rural. Pode-se citar como exemplo, a junção de diversos produtores para a utilização de um mesmo trator, ou a compra em conjunto de sementes para baratear o custo, já que individualmente estes seriam incapazes de realizar, sendo considerado um ativo social na geração de renda. Esse é um pensamento cooperativista, visionário ao desenvolvimento territorial rural. Como não há bens físicos para a garantia do crédito, as pessoas empenham suas relações sociais, em conjunto, buscando o fortalecimento da estrutura creditícia.

Teoricamente, o caráter cooperativista é essencial à conquista do capital social, que é ponto chave na busca pelo desenvolvimento territorial rural. Porém, na realidade brasileira, as perspectivas encontradas são totalmente diferentes daquelas consideradas ideais. Várias são as explicações para tais dificuldades, dentre elas cita-se a desigualdade regional, de acordo com o processo migratório, e a consequente atividade desenvolvida no local; uma maior visão do capital para determinadas regiões produtoras em detrimento de outras mais “atrasadas”; a facilidade de acesso a créditos por parte de grandes produtores rurais e o descaso dos mais descapitalizados; a cultura do camponês, em visionar a subsistência, e a pequena comercialização do excedente, além das dificuldades encontradas para produção, encontradas ainda em alguns recantos do Brasil; a quase inexistência de acesso à educação, não aceitando visões externas àquelas conhecidas por décadas pelos moradores do meio rural, ou conhecimento passado de geração em geração; o descrédito com o próximo; dentre outros.

Já para Putnam (2000), o capital social está relacionado às características de uma organização social, como normas, regras, confiança, estrutura, que servem como base para solidificar a eficiência dessa organização no tocante às suas ações coordenadas.

Ações prevendo o capital social são direcionadas por políticas públicas municipais, estaduais ou federais, ou instauradas por militantes, que na maioria das vezes não possuem o aceite necessário daquelas pessoas, já que não se sentem parte da construção dessa prerrogativa.

O capital social é, para Coleman (1990), um conjunto de recursos materiais e simbólicos transformados em ferramentas capazes de direcionar o desenvolvimento territorial de um grupo ou comunidade, e suas conceituações estão focadas na vertente proposta por Bourdieu (2000), onde o capital é conceituado como um conjunto de recursos e poderes a serem utilizados, com uma distribuição desigual perante as parcelas da população e apropriação por diferentes grupos.

Ainda para Bourdieu (2000), capital social é representado por relações que se fazem presentes nos fatos sociais importantes, sendo transmitida em instituições grupais, como a família, escolas, comunidades, igreja, clubes, dentre outros. Além do capital econômico e social, o autor também direciona o capital simbólico, que está vinculado ao prestígio pessoal, reputação, reconhecimento por algum ato. Neste caso, o território é a apropriação simbólica por algum grupo em relação ao seu espaço vivido e trabalhado. Entretanto, para Coleman (1990), o capital social compreende aspectos da estrutura social como capital disposto para o indivíduo, não podendo ser considerado uma entidade particular, mas uma somatória de entidades, todas elas compostas por certas ações dos indivíduos que pertencem a essa estrutura, facilitada pelo capital.

Por se apresentar de forma individual – que incide no grau de integração do indivíduo e sua rede de contatos sociais, - e coletiva – onde ninguém pode se apropriar, mas todos se beneficiam, o capital social se distingue do privado por seu caráter inalienável, por ser parte de uma estrutura social, onde todos podem se beneficiar, mas a ninguém pertence (STEIN, 2003). Esta característica fica clara no ENP quando se examina famílias, principalmente as rurais, na medida que o capital social leva a uma continuidade na produção e na permanência no campo, ou unem as pessoas por um mesmo ideal, seja ele familiar, religioso, histórico, sendo um recurso acumulável ao longo do tempo, mas com capacidade de dispersão pelos próprios membros da família, devido a diversos processos, que generalizando, denomina-se de modernização econômica globalizada, gerando oportunidades para os filhos das famílias rurais. Mesmo assim, a coletividade ainda é incipiente e necessita ser trabalhada com maior ênfase e afinco, uma vez que existem poucos produtores participantes de cooperativas rurais (20%), e muitas dessas não exerce o papel de uma cooperativa que tem no capital social sua meta, como se observa na Tabela 35.

Tabela 35 – Participação em cooperativas no ENP

Faz parte de cooperativa de produtores? Quantidade Percentual (%)

Sim 14 20

Não 56 80

Total 70 100

Fonte: ROSAS, 2009. Pesquisa de campo no ENP.

Como ideia geral, Marques (2003) ressalta que a análise pode ser realizada de duas maneiras. A primeira se remete ao capital social como um recurso formado por indivíduos e suas ações, que advém de laços sociais ou de vantagens desses de se utilizarem de um determinado grupo para levar vantagem em algo. Esta análise pode ser considerada de caráter micro, focada no indivíduo. Já a segunda, se refere a normas mais gerais de uma comunidade ou conjunto de pessoas em uma organização, como forma de reciprocidade e prática comum, facilitando acordos e arranjos sócioprodutivos, como uma associação de produtores de leite, existente no município de Santa Fé do Sul, como se observa na Figura 9, que embora pouco expressiva, pode ser considerada o início da tentativa de se estabelecer um capital social.

Figura 9: Associação dos produtores de Leite do bairro rural do Bacuri, em Santa Fé do Sul (SP) -

2008.

É necessário resgatar os valores da coletividade no meio rural, principalmente em comunidades e bairros de um mesmo espaço rural, para que se possa alcançar a busca pelo desenvolvimento rural e a permanência das pessoas nesse espaço, como forma de incentivo à produtividade, como ocorre em alguns casos no sul do Brasil. Aponta-se o capital social como o conjunto de diretrizes pautados na educação, identidade, cultura, sentimento de pertencer ao lugar e o cooperativismo.

Neste sentido, faz-se necessário lançar um questionamento proposto por Ortega (2008). Qual seria a capacidade de um território criar o capital social, tão necessário para o avanço do desenvolvimento, principalmente rural, em um determinado espaço? É claro que a resposta a essa pergunta tão complexa deverá ser respondida com a integração de diversas variáveis, como o próprio estilo e modo de vida de cada grupo, cada lugar, e as relações internas e externas aos próprios segmentos sociais. Como exemplo, as organizações de pequenos produtores rurais do ENP e a participação direta nas decisões e indicativos das políticas públicas territoriais rurais dos municípios.