• Nenhum resultado encontrado

A perspectiva da urbanização do rural: o continuum

2 O RURAL E O URBANO COMO ESPAÇOS DIALÉTICOS NO EXTREMO

2.10 A perspectiva da urbanização do rural: o continuum

A ideia apresentada do continuum se refere a uma “urbanização do rural”, e tem sua linha teórica baseada, em diferentes considerações, como em Lefebvre (1986, 1999a,

12 Atualmente, este conceito tem sido utilizado para caracterizar espaços em que a ruralidade e a urbanidade estariam misturados, onde elementos dos dois estilos de vida poderiam ser encontrados. (FERREIRA, 2005).

1999b, 2001), Santos (1993), Ianni (1996), Graziano da Silva (1999), entre outros, tanto no contexto europeu para o primeiro autor, quanto no brasileiro para os demais citados. Ressalta- se que nas obras analisadas os referidos autores interpretam um extrapolar do urbano sobre o rural, porém, cada qual possui sua característica e pormenores na maneira de realizar esta análise.

Baseando-se nessa prerrogativa, Rua (2005) apresenta uma proposta direcionada a uma “urbanização do rural”, que pode ser relacionada diretamente à ideia de continuum, onde ocorre uma urbanização contínua e de segmento do território de maneiras distintas, e que a tendência para esses autores é o desaparecimento gradativo do rural, pela sobreposição do urbano em seu espaço.

Vale ressaltar que a tendência ao se encontrar manchas urbanas no espaço rural, e que o modo de vida e a infraestrutura familiar tenham cada vez mais objetos provindos do urbano, tenha um caráter advindo da globalização capitalista mercadológica, onde tais produtos têm alcance inimaginável até a expansão da esfera econômica, de marketing e do próprio modo de vida urbano passado à população rural. Porém, ressalta-se que a diminuição do crescimento vegetativo e o avanço tecnológico não promoverão totalmente tal avanço do urbano sobre o rural como argumentado nessa prerrogativa.

Numa análise de caráter geográfico, Castells (1975) argumenta que o rural e o urbano são pólos opostos de um mesmo continuum, mas que na essência das relações, todos os traços do rural estão voltados para o urbano, como numa evidência em que o urbano possui mais pontos positivos numa comparação com o rural, ou atividades que influenciam e de certa forma comandam as relações com o rural.

Já para Abramovay (2000b), numa visão que descarta as características particulares e especificidades de cada grupo social, considera que o continuum representa a perda das diferenças entre os modos de vida das sociedades, principalmente no tocante à organização social.

Para Rua (2005), existe uma segunda proposta analítica, denominada “urbanização no rural”, no qual ocorre uma manutenção das especificidades do espaço rural, mesmo quando, em escalas diferentes, este é impactado pelo avanço do urbano.

Embora com análises completamente distintas, Carneiro (2003), Moreira (2003), Veiga (2001, 2004), Abramovay (2000, 2001), Schneider (2003) propõem uma visão onde a diversidade é o padrão das novas “urbanidades no rural”. Porém, fica evidente que tal diversidade deve ser analisada em lugares diferentes e situações específicas, não podendo generalizar tal afirmação. O crescimento dos grandes centros urbanos é evidência da

urbanização do rural, mas em pequenos centros e vilas, o que se encontra é o contrário, uma ruralização do urbano. Entende-se que o rural e urbano são componentes de um mesmo espaço, utilizados de maneiras diferentes, e expressos em relações culturais e de poder, como será analisado no Capítulo III.

Dentro de uma junção nas análises propostas pelos autores supracitados, existe a possibilidade de convivência (CARNEIRO, 2003; MOREIRA, 2003), num mesmo espaço, da cultura urbana e rural, que são representações sociais alteradas, ressignificadas (MOREIRA, 2003).

Já para Veiga (2004) e Abramovay (2001), consubstanciados numa visão mais economicista, baseiam suas análises na classificação da OCDE13. Tais análises se baseiam na perspectiva territorial delimitada administrativamente, ou seja, os espaços nacionais. Essa tendência é utilizada também para o estudo do Brasil, onde os campos político-administrativos são mais enfatizados em relação a uma dimensão simbólica, cultural e natural.

É inegável que a concepção dos autores analisados para a abordagem territorial da dicotomia urbano-rural no contexto europeu seja relevante nos casos apresentados, porém, deve se tomar cuidado para a utilização de modelos descritos em países desenvolvidos nos subdesenvolvidos, dadas às diferenças estruturais, políticas, econômicas e territoriais encontradas (como em países latinos).

A crise da superprodução agrícola, aliada à ocupação da população em atividades industriais devido ao regime de trabalho part-time, tanto no campo como na cidade, além da atribuição de novos valores ao espaço rural, como o lazer, o turismo e o caráter de preservação ambiental servem de alerta para uma revisão teórica do que vem a ser o rural nesta paisagem contemporânea, sugerindo novas tendências pautadas no avanço do capitalismo neste espaço.

Os acontecimentos locais são frutos de relações extra-regionais, nacionais e globais, onde uma rede de diversas influências é capaz de modificar e criar especificidades regionais e locais, considerando ainda o caráter em que se encontram tais relações, que é o modo de produção capitalista, proeminentemente no meio técnico-científico-informacional atual (SANTOS, 1999).

Diante do exposto até o momento, não há fundamentos lógicos sobre o fim do rural ou da dicotomia rural-urbano e do debate sobre de que não existem fronteiras

definidas entre estes espaços. O que ocorre é um reajuste nas características do avanço do desenvolvimento capitalista, pautado nas novas técnicas, que adentraram no campo mundial proporcionando grandiosa produtividade, em detrimento da exclusão social, tecnológica, regional e produtiva, que faz parte do contexto do desenvolvimento capitalista e que, conforme análise marxista pode e deve entrar em declínio e estagnação, através de sua superação.

Mas o essencial seria a denominação de uma análise baseada na construção de uma nova territorialidade (grifo nosso), esclarecendo as especificidades dos lugares, sem desconsiderar as influências exercidas por fatores externos às localidades, como as políticas públicas, além da contingente inter-relação existente no/entre o urbano-rural, que pode ser diferenciada na inserção de técnicas na escala produtiva, mas que se modificou principalmente a partir da década de 1980, com novas preocupações advindas no urbano junto às famílias rurais.

O contexto de análise de Rua (2005) identifica as transformações baseadas numa “urbanidade no rural”, pautado em ideias integradoras indicadas por Morin (2000), toma como base três aspectos: a) o território; b) a escala; e c) a hibridez do espaço.

Primeiramente, de acordo com Rua (2005), as “novas ruralidades” não são capazes e adequadas para explicar as mudanças que ocorrem no espaço rural, pois o urbano ainda é dominante nesta relação assimétrica entre rural e urbano, sendo que o maior enfoque teria que ser dado ao complexo urbano, e não ao meio rural, porque as mudanças que ocorrem no meio rural são majoritariamente de origem urbana, embora tenham se tornado híbridas, transformadas. Desta forma, não estaria correto falar de novas ruralidades, como exposto por Graziano da Silva (1999), já que este direcionamento analítico não prioriza o meio urbano, que se encontra mais marcadamente presente nesta discussão.

O segundo momento, direcionado por Rua (2005), incide sobre a diferenciação das escalas de análises. Existem duas escalas para se avaliar, uma que contempla o movimento amplo, ideológico do avanço do urbano dominando o espaço e recriando nele suas características, e outra mais restrita, que indica movimentos particulares, ocorridos localmente, mas baseados nas ações de caráter geral. São nesses movimentos locais que os problemas se expressam e surgem no contexto das dificuldades produtivas dos produtores rurais.

Um terceiro aspecto é denominado como sendo as “[...] múltiplas territorialidades vivenciadas pelos diferentes agentes sociais (e produzidas por eles),

juntamente com as diferentes escalaridades da ação, marcando o surgimento de espaços híbridos, inovadores, fruto da interação entre o urbano e o rural.” (RUA, 2005, p. 23).

Dessa maneira, o verdadeiro sentido das “urbanidades no rural” pode ser encontrado em Friedman (2001), quando argumenta que nos espaços e identidades híbridas das famílias rurais, surge uma estrategia de reprodução e sobrevivência das dificuldades impostas pelo contexto geral, como as políticas para o setor rural.

O rural visto através da ideia de “urbanidades no rural” possui várias representações diferenciadas, que rearranjam este espaço como um “outro rural”, adotado pelo ponto de vista urbano, como um novo espaço para a circulação de capital, como mercadoria.

Neste sentido, o sistema capitalista se recria graças à lógica de expansão e mobilidade do capital, além da criação de condições estruturais construídas e organizadas que possam permitir uma maior acumulação de capital em diferentes setores. É a busca por uma constante reorganização geográfica. (HARVEY, 2000).

A urbanização do rural é inegável e irreversível, caracterizado pelo avanço de áreas de fronteira das cidades sujeitas à expansão em todo o mundo, e também no caso analisado do ENP, já que a especulação imobiliária, a construção de loteamentos urbanos e o crescimento populacional ocorrem sem primazias na região.

Porém, o avanço do urbano sobre o rural não ocorrerá para sempre em nenhum lugar do mundo, principalmente no atual ritmo, pois o controle de natalidade, a diminuição do crescimento vegetativo (até alcançar sua negatividade, como ocorre nos Países Baixos, por exemplo), a verticalização, a revalorização da natureza, apontam para uma estabilização do crescimento urbano, sendo que apenas a tecnologia penetrará em alguns pontos do meio rural, com intensidades diversas, de acordo com o modo de vida local, da inserção do capital no campo, e de fatores ligados a políticas de desenvolvimento rural.

Considerando todos esses fatores, o homem do campo que tem na agricultura familiar sua base para sobrevivência, procura novas formas para continuar sua reprodução, no cenário atual das condições políticas e econômicas no campo no Brasil, e tais perspectivas podem ser perpassadas pela pluriatividade.