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A natureza como palco das ações humanas

2 O RURAL E O URBANO COMO ESPAÇOS DIALÉTICOS NO EXTREMO

2.3 A natureza como palco das ações humanas

Nota-se que o desenvolvimento rural local é um fator proeminente na consolidação de ações práticas no território. Apesar de haver um fortalecimento de um setor de produtores devido à tecnologia aplicada, levando a uma (re)capacitação profissionalizante, ocorre um desmantelamento do trabalho humano, já que o dogma da exploração familiar constituída pela propriedade e o trabalho familiar, vai se desfazendo, dando lugar ao

empresário rural, o que faz surgir uma agricultura sem agricultores (MORMONT, 1994), onde o homem e sua atividade se separam cada vez mais da natureza, por meio da utilização de técnicas bastante avançadas para as sociedades locais.

Com essa consideração, a primeira presença do homem em um lugar é um fator novo perante a diversificação da natureza, pois modifica seu ritmo, atribuindo valor às coisas. Num primeiro momento dessa intervenção, quando as próteses descritas por Marx (1983) ainda não são desenvolvidas, o homem é criador, porém subordinado. Entretanto quando as inovações técnicas vão surgindo rapidamente, o homem vê seu poder de intervenção aumentado, ampliando a diversificação da natureza, transformando-a e criando valores, mas sem precedentes de que esse avanço seria prejudicial.

De acordo com Moreira (1993, p. 2-3), existem quatro fases históricas na concepção de natureza pela Geografia. A primeira é denominada de “[...] o modo empírico mais puro e simples”, que é um tanto tradicional e possui mais longa duração, pois permite compreender a natureza através dos sentidos, descritiva, de forma fragmentária, pautada naquilo que se vê e apoiado pelas leis da matemática.

A segunda é “[...] o modo paradialético dos anos 1950”, criada pelos franceses no período pós-guerra, que admite a existência de forças contrárias que regem a natureza, como os movimentos endógenos e exógenos que moldam o relevo terrestre.

“O modo superimírico dos anos 1970” é a terceira fase argumentada pelo autor. O modelo apresentado na segunda fase foi interrompido nas décadas de 1960-70 pelo advento da Geografia Quantitativo-Sistêmica, que deu o caráter de um modelo matemático meramente formado por um conjunto de objetos, com várias variáveis.

Já a quarta fase é denominada como “o modo ecológico em curso”, que faz com que a natureza seja mais entendida no âmbito holístico e da biologia do que da física, como se fosse um corpo vivo. Porém, ressalta-se que as análises começam a tomar um corpo reducionista somente na dimensão da biologia.

Essas fases são reflexos da dinamização do que se entende por natureza atualmente, tanto baseada na divisão do trabalho, na filosofia, na relação entre objetos e ações, nas atuais necessidades dos homens em se utilizar dos recursos para sobrevivência e no desastre que este ocasiona para a natureza em maior escala, e nas atividades desenvolvidas nesta natureza, como a urbana e a rural.

A agricultura teve seu ritmo produtivo alterado conforme o avanço técnico- científico-informacional, de modo a proporcionar melhoramentos em todas as etapas produtivas, desde mudanças genéticas de especies, até o plantio, com insumos capazes de

proteger as plantas contra diversas pragas, aumentando a produtividade num menor espaço e tempo. Houve também melhorias consideráveis na qualidade de vida com o uso da energia, água encanada, fogão a gás, forno elétrico, agentes de saúde, campanhas de vacinação, educação, informação, comunicação, fossa, entre outros, como se observa nas Tabelas 4 e 5.

Tabela 4 – Energia elétrica residencial

Possui energia elétrica residencial? Quantidade

Percentual (%)

Sim 70 100

Não 0 0

Fonte: ROSAS, 2009. Pesquisa de campo no ENP. Tabela 5 – Tipo de destinação para o esgoto

Tipo de destinação para o esgoto Quantidade

Percentual (%)

Fossa 52 74

Esgoto encanado 12 17

Esgoto a céu aberto 6 9

Total 70 100

Fonte: ROSAS, 2009. Pesquisa de campo no ENP.

Mesmo com 100% de residências possuindo energia elétrica, observa-se que sua infraestrutura ainda não é totalmente a idealizada. Existem ainda 9% dos estabelecimentos rurais que não utilizam fossa asséptica ou possui esgoto encanado para destinação dos resíduos orgânicos. Verifica-se que a maneira de se utilizar os recursos ocorre pelo caráter de vincular a natureza ao morador rural, pois em 74% há utilização de fossa. Apesar da distância física existente entre os estabelecimentos rurais e a área urbana, onde o acesso a esses recursos são mais comuns na maioria das cidades do estado de São Paulo, a natureza oferece os recursos para que o homem, mesmo que de forma pouco técnica sobre a utilização e disposição de resíduos, possa se utilizar de tais mecanismos naturais, sem degradar demasiadamente o meio em que vive.

Já para Marx (1983), o homem possui um corpo orgânico, que são seus próprios membros, sua própria estrutura, e por outro lado, possui um corpo inorgânico, que é a natureza, onde as técnicas são verdadeiras próteses humanas, pois a sobrevivência humana depende da continuidade da natureza. Quando esta é destruída, o homem estará se auto- destruindo, já que depende da natureza para continuar a perpetuação da vida. Consequentemente, o homem também é natureza.

Apesar de considerar que a questão ecológica não era um “problema” na contemporaneidade marxiana, “[...] ele estava cônscio do impacto ecológico da economia capitalista [...]” (CAPRA, 1982, p. 199). Isso porque todo o avanço da agricultura capitalista é o progresso na arte de explorar tanto o trabalhador como o solo, ou seja, o homem, através das técnicas, utilizando dos recursos disponíveis, e o processo de urbanização, após a Revolução Industrial inglesa, ocasionou um elevado crescimento populacional e urbano, reduzindo o trabalho braçal, decaindo na qualidade de vida dos trabalhadores.

Mas isso não significa que apenas no modo de produção capitalista existe um impacto ecológico significativo, uma vez que nas sociedades socialistas esse impacto é reduzido apenas pelo fato de haver um menor consumismo num primeiro momento, fato de tendência ascendente. (CAPRA, 1982).

Natureza e sociedade não se excluem mutuamente. A primeira nos abrange, como resultado de nossa intervenção. A segunda existe em toda a parte: não surgiu com o homem, e nada leva a supor que irá morrer conosco. O homem situa-se na confluência da estrutura e do movimento de ambas: biológico, por ser social, social por ser biológico, não é o produto específico nem de uma nem de outra. (MOSCOVICI, 1975, p. 27).

Porém, essa relação de separação entre homem e natureza se estreita quando o modo de produção vigente incentiva e proporciona o individualismo. “Assim, o nascimento do individualismo, com a individualização dos atos, dos interesses e das relações humanas, deu vigoroso impulso à oposição entre sociedade e natureza.” (MOSCOVICI, 1975, p. 9).

Essa natureza sempre foi um produto, um objeto para o homem, pois a utilização de seus recursos destinava-se à existência e sobrevivência humana. “A história florestal corretamente entendida é, em todo o planeta, uma história de exploração e destruição.” (DEAN, 1996, p. 23). Este momento se consolida ainda mais quando ocorre o avanço das técnicas de produção, já que o homem se distancia da natureza, mesmo se utilizando de seus recursos.

Na perspectiva de utilização da natureza para fins agropecuários, Baptista (1997) e Alaustuey, (1993) enfatizam que o uso da tecnologia no setor agrícola, pautado na garantia da segurança alimentar, acabou por marcar a crise da atividade agrícola na Europa. A modernização da agricultura levou a um colapso da concepção de ruralidade, pois a atividade era tida simbólica e tradicionalmente como base alimentar para a sobrevivência humana, mantendo uma relação de reciprocidade com a natureza, levando em consideração que o grande produtor é o que mais causa impactos ambientais. Porém, com o processo de

modernização das atividades ligadas à agricultura, esta ganha uma conotação igualitária a qualquer outra atividade profissional, e a ruralidade tradicional passa a se encontrar definitivamente em crise, perdendo sua identidade5.

Portanto, a questão discutida por estes autores, são as transformações que estão ocorrendo através das técnicas (SANTOS, 1999), vêm transformando decisivamente o campo, o que diminui as distâncias do urbano com o rural, atribuindo a este último, pela sociedade urbana, funções que ultrapassam o agrícola, como o lazer, o turismo, a preservação ambiental, além de atividades econômicas exercidas em pequenas empresas domésticas.

Apesar de esses autores pautarem suas análises no contexto europeu, várias de suas abordagens teóricas servem como base para uma averiguação no contexto brasileiro, porém, sujeito à refutação empírica, uma vez que o processo de formação dos territórios são completamente diferenciados, mas com pontos que podem ser considerados em comum, eventualmente. Por este motivo, o aproveitamento da construção teórica utilizada pelos que analisam a realidade europeia, serve como base para averiguação no Brasil e outros países na América Latina dos pontos em comum destas elucubrações, de acordo com o tema proposto e analisado, porém, não podem ser considerados semelhantes ou iguais em sua essência.

Os pontos que podem ser considerados em comum, partem da característica do desenvolvimento capitalista da agricultura, pois este se baseia em premissas que são semelhantes nos dois continentes, como a transformação da agricultura com base no avanço das técnicas, sendo que elas se interagem econômica, social, cultural, politicamente em contextos diferentes, mas sempre sobre a lógica do capital produtivo. Essa tendência é confirmada pela Revolução Verde, e a conseqüente capitalização do meio rural, através da industrialização, modernização e constituição dos CAIs, o que no Brasil ocorreu em meados do século XX, algumas décadas depois de ocorrido nos países europeus.

Neste sentido, e em contraposição às análises realizadas até o momento, Lefébvre (1999b) chama atenção para a dinâmica pautada na história do processo do capitalismo que surge na escala urbana, mesmo quando se refere ao processo de modernização do campo, no qual a sociedade se caracteriza pela dominação e apropriação da produção advinda do meio rural. Para o autor, o tecido urbano, ao se expandir em áreas periféricas, acaba consumindo os resíduos da vida agrária no encontro do rural com o urbano.

É nesse contexto que o entendimento do urbano é tomado como um processo em expansão, portanto, tempo e espaço, determinados por um conjunto de relações

5 A ruralidade tradicional é, segundo Alaustuey (1993), a expressão de uma identidade básica entre natureza e agricultura.

que se imbricam nas áreas mescladas, e naquelas cujos mercados fazem parte dos produtos elaborados nas duas esferas. Na perspectiva de Lefébvre (1999b), a dicotomia rural-urbano está posta na construção da sociedade urbana, sendo que esta cria e recria as diferenças, expressando-as no rural, através da lógica de mercado elaborado no urbano.

O rural é penetrado pelas relações de mercado típicas das áreas urbanas, como descrito também em Figueroa (1997), denominando o rural como mais um ramo de atividades em que o capital se insere e realiza suas reproduções. É, portanto, a partir das relações de mudança advinda do meio urbano, que o rural se transforma, através de relações que o consome pelos caminhos mercadológicos presentes no urbano, sendo necessário buscar novas interpretações e denominações no mundo contemporâneo, sem desconsiderar o processo de formação desses territórios, que será discutido no capítulo 3.