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A inserção da psicologia na atenção primária à saúde

Considerando a ESF enquanto cenário principal em que se desenvolveu a Residência Multiprofissional em Saúde da

acesso universal aos serviços de saúde em consonância ao prin- cípio da equidade e a efetivação da integralidade do cuidado em seus vários aspectos. Além de considerar a longitudinalidade do cuidado através da construção de vínculos e corresponsabi- lização do cuidado, que torna este espaço privilegiado para a construção de cidadania (BRASIL, 2007).

Assim, o estabelecimento de equipes multiprofissionais é um elemento-chave para o desenvolvimento do trabalho na Saúde da Família. Entretanto, o movimento de construir equi- pes multiprofissionais tem sido um importante pressuposto para reorganização do processo de trabalho, dentro de uma perspectiva de aproximação/integração de várias práticas pro- fissionais no contexto da interdisciplinaridade. Uma vez que, o fato de as necessidades de saúde expressarem múltiplas di- mensões, demanda ações que não podem se realizar de forma isolada de um único agente e requer da equipe capacidade de conhecer e analisar o trabalho, bem como o compartilhamento de conhecimento e de saber.

A partir dos vários modos de relacionamento em equi- pe, percebe-se que as relações profissionais se dão através das diferentes interações disciplinares. Para Iribarry (2003) estas interações são estabelecidas em níveis de agrupamento, sendo que o primeiro nível é o da multidisciplinaridade que traz va- riadas disciplinas propostas simultaneamente, sem deixar, con- tudo, transparecer diretamente as relações que podem existir entre elas, organizadas num sistema de objetivos múltiplos e sem nenhuma cooperação entre as disciplinas.

Num segundo nível, o autor aponta a pluridisciplina- ridade se referindo à justaposição de várias disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico, estando agrupadas de modo que apareçam as relações existentes entre elas. Neste ní-

hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade, em que há dois níveis e objetivos múltiplos com a coordenação advinda de nível superior. E, por último, no quarto nível está a transdisciplinaridade, que se estabelece por meio da coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas, centrando-se em um sistema de níveis e objetivos múltiplos, com finalidade comum dos sistemas (IRIBARRY, 2003).

Sem dúvida, para a efetivação de práticas interdisci- plinares e transdisciplinares, necessita-se de um processo de formação e capacitação permanente dos profissionais de saúde para que possam responder ao desafio de estabelecer um plano de ação sustentado por uma atuação multiprofissional, como é o caso da ESF, que adverte ser direcionada por uma construção coletiva, por meio de relação de independência, responsabilida- de e autonomia dos diferentes saberes.

Nesse contexto, entende-se que as definições conceituais dos tipos de equipes não buscam apenas delimitar as diferenças ou apontar possibilidades de aproximação/integração entre os profissionais no que tange ao trabalho em equipe, pois:

[…] mais do que qualidades das equipes, as definições se referem aos modos de funciona- mento; o que nos leva a constatar que as equi- pes […] são estruturas dinâmicas que podem funcionar ora de forma mais integrada, ora de forma mais estratificada. Ou seja, não é a equipe que é multi ou transdisciplinar, mas é o seu modo de operar que pode ser definido de uma determinada maneira, em um determina- do momento (GALVÁN, 2007, p.55).

orientou a atuação da Psicologia na RMSFC fora a do “fazer” integrado, que compartilha informações e conhecimentos na busca de novas possibilidades que auxiliam o desenvolvimento das práticas e a reconstrução dos modos de se produzir/ofertar o cuidado em consonância com a realidade local.

Nesse sentido, os dispositivos ofertados pela Política Nacional de Humanização (PNH)4, enquanto sustentação teó-

rica que norteia a prática da RMSFC, oferecem suporte para a reorganização dos processos de trabalho nas Unidades de Saúde da Família (USFs), a partir da ampliação da comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários, bem como da inclusão desses atores nos processos de tomada de decisões.

A PNH enfatiza a valorização e a participação de todos os atores sociais, respeitando as individualidades e fomentando a construção de novas subjetividades delineadas em espaços de corresponsabilização, diálogo, respeito às diferenças e fomento à autonomia e ao protagonismo das pessoas. O que pode ser feito a partir de novos processos de trabalho, gestão e relação com os sujeitos envolvidos na produção do cuidado, se tornando assim uma importante orientação para o desenvolvimento de práticas mais integradas e resolutivas em saúde (BRASIL, 2009).

Uma outra metodologia relevante para produzir novos modos de organização do trabalho em saúde é o Apoio Matri- cial. Esse permite que os interesses e as decisões sejam discu- tidos e construídos em espaços coletivos de diálogo e redes de cooperação entre os sujeitos e os serviços.

Compreende-se o Apoio Matricial enquanto uma estra- tégia potente para resgatar o compromisso com os sujeitos em suas complexidades e não através de recortes que os reduzem a um diagnóstico e burocracias institucionais. Visto que, propor

humanização da gestão e atenção requer um equilíbrio maior de poderes nas relações entre trabalhadores, e na relação des- tes com o usuário (BRASIL, 2009). Portanto, o matriciamento como orientação de trabalho na ESF se refere à articulação dos objetivos institucionais aos saberes e interesses dos trabalhadores e usuários, visando o fomento da atuação interdisciplinar, impli- cando na soma e compartilhamento de saberes.

O Apoio Matricial ocorre em espaços onde são cria- das condições para propiciar um diálogo interativo e criativo, com responsabilização no objetivo de que a equipe consiga perceber os limites e dificuldades para responder a determina- das demandas e buscar alternativas junto a outros profissionais ou setores, conforme as possibilidades discutidas no coletivo. Sendo assim, o trabalho desenvolvido a partir desta lógica tem o foco estendido tanto para o diálogo intra quanto interseto- rial, o que pode favorecer a criação e fortalecimento das redes de cuidado em saúde.

Na avaliação de Campos e Domitti (2007) o apoio matricial ajuda os trabalhadores a aumentar sua capacidade de análise da realidade e de intervenção e se constitui enquanto estratégia importante para a humanização dos serviços de saúde, pois representa um compromisso ético entre gestores/ trabalhadores/usuário, reconhecendo toda a complexidade do processo saúde-doença a partir de práticas mais dialogadas e produtoras de protagonismo e autonomia aos sujeitos envolvidos na produção de saúde.

Nessa perspectiva, torna-se praticamente impossível falar-se em atendimento humanizado, processos de autonomi- zação, ampliação de diálogo, trabalho em equipe, entre outros fatores acima mencionados, sem reconstruir os modos como as pessoas se relacionam e se interagem em suas práticas cotidia-

estas estabelecidas no trabalho em ato, realizado no cuidado diário em saúde.

Assim, sob essa orientação teórico-metodológica, o trabalho da Psicologia na ESF voltou-se para a reorganização dos processos de trabalho e para a construção de ações mais integradas na produção do cuidado, favorecendo a configuração de um novo modo de se produzir/ofertar/viver o cuidado na Saúde da Família.