• Nenhum resultado encontrado

Inserção da psicologia na Estratégia Saúde da Família

Dayelly Borges do Nascimento Maria Zoreide Britto Maia Rafaella Catani Cardoso Arantes

Diversos estudos no campo da saúde vêm destacando os avanços na construção do Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos anos. Entretanto, com um cotidiano organizacional marcado por fatores que produzem pouca efetividade das ações de promoção e assistência às necessidades de cuidado apresen- tadas pela população, identifica-se a necessidade de (re) pensar a estrutura operativa dos processos de trabalho em saúde.

Muitas propostas têm sido implementadas na constru- ção do sistema de saúde nacional. Estudos realizados por Junior e Alves (2007) concluíram que a partir da década de 1990, após muitas relutâncias e, até mesmo, entraves governamentais ao processo de implantação do SUS, foi implantada uma estra- tégia com intuito de mudar o modelo hegemônico assistencial, a Estratégia Saúde da Família (ESF), com financiamento do Mi-

desde então, a política essencial do SUS para a Atenção Básica. A ESF constitui-se como elemento fundamental ao processo de transformação do modelo de atenção, considerando- se uma nova forma de cuidar da saúde com foco prioritário no cuidado à família (e não mais no indivíduo isolado), no trabalho multiprofissional e com a possibilidade do planejamento local e participativo a partir da adscrição de territórios e populações delimitadas (SHIMIZU; ROSALES, 2009; FRANCO; MERHY, 2003; BRASIL, 2007).

O trabalho em equipe multiprofissional confere uma das características principais e estruturantes da proposta da ESF, reconhecendo-se assim a necessidade de diferentes contri- buições profissionais no cuidado ao usuário, sendo este um im- portante pressuposto para uma assistência integral e resolutiva, tal como se propõe a Estratégia.

Dessa maneira, Franco e Merhy (2003) compreendem que a ESF requer dos profissionais uma compreensão ampliada sobre o processo saúde-doença, desenvolvendo capacidades de integrar as dimensões biopsicossociais para o cuidado dos indivíduos, famílias e comunidades a partir de novos modos de agir e de interagir com a família, percebendo-a a partir de seu ambiente físico e social, a fim de possibilitar a construção de um modelo de assistência que dê conta de responder às necessidades de saúde das pessoas em suas diferentes dimensões.

Desde 2002, pode-se verificar um forte investimento do Ministério da Saúde (MS), em parceria com o Ministério da Educação (ME), na construção e financiamento de políticas de formação profissional para saúde, que possam se aproximar do que é proposto pelo SUS. Um desses investimentos têm sido as Residências Multiprofissionais em Saúde da Família (RMSF), que observa uma perspectiva de formar/capacitar para a atua-

A intrínseca característica multiprofissional e interdisci- plinaridade conferem o caráter inovador da RMSF, como modo de operar a formação “inter” categorias, promovendo a forma- ção coletiva inserida no mesmo campo de atuação e trabalho, mas sem deixar de priorizar e respeitar as especificidades do saber de cada categoria. O objetivo é proporcionar aos residen- tes a oportunidade de exercitar o trabalho em equipe multipro- fissional na perspectiva interdisciplinar, entendendo isso como um importante pressuposto para a reorganização do processo de trabalho no âmbito do SUS, dentro da abordagem integral e resolutiva (BRASIL, 2006).

Foi pensando neste cenário que, a partir de 2009, iniciou-se a I Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade (RMSFC) do Estado do Tocantins, partindo da parceria entre MS, Secretaria Estadual de Saúde do Tocantins (SESAU - TO) e Universidade Federal do Tocantins (UFT). Este programa ou projeto tem o objetivo de promover a formação multiprofissional e interdisciplinar de especialistas (modalidade residência) de quatro categorias profissionais: Psicologia, Serviço Social, Cirurgião Dentista e Enfermagem.

A realização da RMSFC:

[...] colabora de maneira significativa para a im- plantação e a implementação da Política Nacio- nal de Humanização da Atenção e Gestão do SUS, além de ser também um momento a mais na concretização da proposta da SESAU-TO e da UFT em comprometer-se somente com o desencadeamento de processos educativos que, em coerência à Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, partem sempre da rea- lidade sócio-epidemiológicas e cultural do esta-

nização em saúde para oferecer à população um atendimento de qualidade, melhorando as práticas de acolhimento e de cui- dado ao sofrimento humano. O que implica não só na melhoria do cuidado à saúde, mas do ambiente das Unidades de saúde, tanto para os usuários quanto para os trabalhadores da saúde (UFT, 2009).

A RMSFC foi estruturada em base teórica e prática, fundamentada na formação e capacitação em serviço. A dura- ção do projeto é de 24 meses, contendo uma carga horária de 60 horas semanais. Os candidatos foram selecionados median- te concurso público3, realizado em duas etapas eliminatórias:

primeiro a prova teórica e segundo a prova prática, de títulos e arguitiva.

Considerando a ESF como um campo relativamente novo de atuação para o psicólogo, em conjunto com a necessi- dade de sua adaptação nesse contexto, o psicólogo deve estar disposto a enfrentar o desafio da definição de um modelo de atuação voltado para um enfoque menos clínico/individual e mais social, coletivo e comunitário, voltado para a interdiscipli- naridade nas práticas de saúde, objetivando o desenvolvimento de atividades centradas na busca de uma saúde integral e não apenas na saúde mental dos sujeitos (CAMARGO-BORGES e CARDOSO, 2005).

Portanto, é evidente no cenário atual a necessidade da atuação em equipe multiprofissional numa perspectiva in- terdisciplinar, quiçá transdisciplinar para a reconstrução do mo- delo de assistência na ESF e consolidação do SUS. De igual modo, sinaliza-se a relevância de se refletir sobre a inserção de diferenciados atores e papéis que entram em cena a partir da construção da Estratégia Saúde da Família e das Residências Multiprofissionais em Saúde.

Diante do exposto, este artigo se propõe a descrever e discutir a formação em serviço do psicólogo no campo de trabalho multiprofissional da ESF, a partir do relato de experiência vivida pelas psicólogas durante a RMSFC no município de Palmas – Tocantins.

Pretende-se com isso elucidar as formas com que os profissionais neste tipo de formação apropriaram-se do conhecimento interdis- ciplinar para o SUS e contribuíram para a prática e o aprendizado dos demais profissionais, bem como, para a melhoria da qualidade da oferta dos serviços de saúde em que estavam.

No que se refere à sistematização desse trabalho utili- zou-se de revisão bibliográfica de autores da área de Saúde Co- letiva e da Política Nacional de Humanização. Como, também, a observação participante, e de rodas de conversas nos espaços coletivos da RMSFC e das Unidades que serviram de campo de estágio para as autoras (USF 612 Sul e USF 305 Norte). Re- alizou-se, ainda, uma pesquisa documental que se caracterizou pelo levantamento de dados contidos em documentos escritos como o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e em documentos particulares das duas residentes: diários de campo e relatórios de atividades desenvolvidas.

Optou-se por uma pesquisa de caráter descritivo, uma vez que seu objetivo primordial é a descrição das características de determinados fatos ou fenômenos, que neste trabalho se refere ao processo de formação em serviço do profissional de Psicologia para o SUS, a partir da inserção na RMSFC.