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SEMEANDO VALORES: A OBRA DAS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA EM PORTO VELHO

2.1 A instituição educativa, fundações e origens

Retomando o percurso histórico, em 1929, o Reverendo Padre Antônio Peixoto46

viajou para Manaus para encontrar as Irmãs Salesianas que estavam para chegar à prelazia porto-velhense. As primeiras religiosas designadas a constituir a comunidade da Prelazia de Porto Velho vieram de São Paulo, acompanhadas das irmãs destinadas às novas comunidades de Manaus e Jaureté (AZZI, 2002). Os padres e as Irmãs Salesianas instalaram-se em Porto Velho em março de 1930 e tinham como coordenador de suas atividades o Padre João Nicoletti.

O Revd. Padre Antonio Peixoto encontra-se em viagem, para Manaus, onde foi ao encontro das Irmãs Salesianas, que deverão chegar em breve a esta cidade e também se dedicarão a prestar seus valiosos serviços no nosso Hospital e como, geralmente, são uns verdadeiros modelos de virtude, muito farão também em benefício dos deserdados da sorte que, ali, encontrarão grande lenitivo para as suas dores (ALTO MADEIRA, 1930, p. 1).

Em 1930, as FMA perceberam que havia um vasto campo educacional a ser explorado e fundaram o Instituto Maria Auxiliadora, doravante denominado IMA, com

46Padre auxiliar da Prelazia de Porto Velho.

a intenção de educar e instruir mulheres na cidade de Porto Velho, ofertando uma educação pautada nos valores salesianos.

Os valores cristãos eram uma referência para a comunidade de Porto Velho e esses valores continuavam a prevalecer nas escolas, embora desde a proclamação da República a educação devesse ser laica. Louro (2013) expressou muito bem esse ideário de boa instrução destinada à mulher a partir de uma educação pautada nos valores cristãos.

Para muitos, a educação feminina não poderia ser concebida sem uma sólida formação cristã, que seria a chave principal de qualquer projeto educativo. Deve-se notar que, embora a expressão cristã tenha um caráter mais abrangente, a referência para a sociedade brasileira da época era, sem dúvida, o catolicismo. Ainda que a República formalizasse a separação da Igreja católica do Estado, permaneceria como dominante a moral religiosa, que apontava para as mulheres a dicotomia entre Eva e Maria (LOURO, 2013, p. 447).

A instalação do IMA, em 1930 na cidade de Porto Velho, contou com a participação da Irmã Carolina Rena, diretora da Comunidade das FMA até 1931, e Irmã Elizabetta Negri (IMA, 2000). Em 4 de maio do mesmo ano, chegou a Irmã Petrina Pinheiro responsável por coordenar as atividades pedagógicas e o Oratório Festivo.

O Oratório Festivo, na obra de D. Bosco, para Carlos Nazareno Ferreira Borges (2005), constituía-se como um ambiente físico de educação, mas era também uma atividade pedagógica orientada por princípios que se articulavam ao Sistema Preventivo de D. Bosco, para quem existiam dois sistemas de educar: um sistema repressivo que se munia da punição, da ameaça, do autoritarismo e outro sistema: preventivo que se mune da assistência, da persuasão e da afetividade para educar.

Cabe-nos esclarecer que o sistema de ensino salesiano é conhecido até os dias de hoje como Método de Dom Bosco. O método educativo de D. Bosco tem como objetivo colaborar no desenvolvimento de consciência crítica que há em cada pessoa, quer adulto, quer criança, a partir do ensino de Português, as operações básicas da Matemática, formando não só um aluno, mas um ser humano. O fundamento dessa forma de ensino é denominado Sistema Preventivo de Dom Bosco, o qual corresponde às atitudes humanas que podem ser modificadas para o bem a partir de exemplos da experiência de Jesus com as pessoas, tendo como último recurso o castigo e jamais a violência, com vistas à prevenção de possíveis erros ou pecados. Desse modo, o ensino deve se dar a partir do diálogo, perdão e compaixão. Desde a fundação das primeiras escolas, a Rede Salesiana de Escolas – RSE acompanhou as orientações das leis

vigentes no país, mas principalmente instituiu o diálogo entre carisma e missão salesiana com as políticas públicas da educação. Esse método educativo é baseado na religião e na “amorevolezza”, palavra sem tradução na língua portuguesa que alguns identificam como bondade. Pode-se dizer que esse é “o evangelho em termos de pedagogia”47

.

Desse modo, a Escola Paroquial, fundamentada nessa ideologia, na oferta de ensino no estilo salesiano, Azzi (1999, p. 78) descreveu que “a formação cristã das meninas era, sem dúvida, a razão principal da atividade educativa das irmãs”. Mais que instruir os ideais de D. Bosco, tinham como principal meta um objetivo religioso que era o de “oferecer à sociedade bons cristãos, exemplares na prática de seus deveres religiosos” (AZZI, 1999, p. 78). Segundo o autor, a Missa e a Prática Sacramental eram instrumentos indispensáveis para a formação religiosa dos educandos, como forma de manter fidelidade aos princípios de D. Bosco, princípios estes praticados desde o século passado na Itália como forma de reafirmação do catolicismo romano. A Prática Sacramental, em especial, condizia à prática da fé girando em torno de um “eixo devocional” (ibid.), ou seja, o louvor aos santos, às procissões, romarias, folias de Reis e das bandeiras do Divino, promessas e benzedores.

As atividades educacionais salesianas, desde o início, foram bem aceitas pela população de Porto Velho. Ressaltamos que, desde a fundação da escola das Irmãs, a sociedade acolheu a vinda dos salesianos e a obra das FMA na qual o ensino era balizado pelo catecismo ministrado diariamente aos filhos e filhas, “pelo infatigável e bondoso padre João Nicoletti e respeitabilíssimas Irmãs de Caridade, vem formando a futura geração regional sobre o mais sólido de todos os alicerces, – o pedestal da Moral Cristã” (ALTO MADEIRA, 1931, p. 1).

Outro documento coletado, a Ata de Inauguração da Secretaria do Instituto Nossa Senhora Auxiliadora, trouxe uma mensagem registrada e assinada pelo Inspetor escolar Gonzaga Pinheiro, que destacou a obra que estava sendo feita pelas Irmãs Salesianas.

Ao penetrar este ambiente edificante de educação, que só os Salesianos sabem criar, senti-me como que reintegrado em mim mesmo à sensação intensa da fresca mutação: lei fora, a desordem nas

47O Sistema Preventivo pode ser identificado como o próprio espírito salesiano. Envolve ao mesmo

tempo, pedagogia, pastoral e espiritualidade. Todas as escolas salesianas seguem o mesmo princípio. Uma descrição a respeito pode ser encontrada em

causas, a vida infrene e tumultuaria no desperdício de saúde arruinando a moral; aqui, a harmonia da disciplina, o labor da virtude assegurando a perfectibilidade humana na realização da mulher cívica- católica, da mulher padrão, que se posta antes a Pátria, voltada para o Bem, na direção de Deus (IMA, 1931).

O excerto nos parece coerente com a concepção de Georges Duby e Michelle Perrot (1993, p. 80) quando descreveram que cada país tem suas referências históricas ou literárias, às vezes religiosas, para se voltarem para as mulheres como as “semeadoras de valor”, coadunando com a ideia de realização da mulher na moral cívica-católica, o ideal para a difusão dos valores sociais prestigiados pela sociedade burguesa e urbana do período em estudo.

Em 1929, os religiosos salesianos aportaram em Porto Velho e, em 1930, as FMA fundaram o Instituto Maria Auxiliadora. As famílias porto-velhenses receberam muito bem a vinda desses religiosos e mostravam-se a favor de que os salesianos dessem continuidade em suas atividades educativas no local. Isso pode ser notado nas publicações do jornal Alto Madeira e no relato dos visitantes da instituição conforme consta nos livros de Termo de Visitas da Escola, tanto pais e mães, quanto autoridades que destacavam as atividades das religiosas no trabalho de formação das moças, uma educação conservadora e tradicional.

Desse modo, ao definirmos nosso objeto de estudo, buscamos estabelecer conexões com as várias transformações que a sociedade veio sofrendo e que refletiram no âmbito educacional, a história da escolarização feminina e as interfaces com a educação das religiosas salesianas em Porto Velho.

Desde sua fundação, como podemos ver no quadro a seguir, a instituição passou por inúmeras alterações e arrazoamos que o objetivo dessas transformações tem sua razão fundamentada no aprimoramento de projetos educativos salesianos, tais como o Oratório Festivo, Sacramento e Catecismo diário, em consonância com as políticas públicas, as transformações da sociedade e com a própria instituição no sentido de arrebanhar mais alunas e alunos no país.

Quadro 2. Nomes da Instituição e Cursos

Data Legislação Nome da instituição Curso

1930 a 1935 Processo nº 4.296/31 Escola Paroquial

Curso Preliminar com 1ª, 2ª e 3ª séries; Curso Preparatório, Curso Elementar - 1º, 2º e 3º ano e trabalhos manuais. 1936 - Escola Nossa Senhora Auxiliadora Curso Preliminar séries 1ª, 2ª e 3ª; Curso Elementar - 1º, 2º, 3º e 4º anos, Curso Médio 1º e 2º anos, Maternal ou Jardim da Infância e trabalhos manuais. 1937 a 1946 Art. 3º Portaria ministerial nº 378 de 10/out/50

Escola Normal Rural Nossa Senhora

Auxiliadora

Jardim da Infância (até 1937 e depois em 1941); Curso Normal 1ª, 2ª e 3ª séries (3ª a partir de 1940); Curso Preliminar 1ª e 2ª séries; Curso Elementar 1º, 2º e 3º anos; Curso Preparatório e Curso Definitivo 1º e 2º anos (a partir de 1939) e trabalhos manuais. Portaria ministerial nº 521 de 31/ago/46 Ginásio Maria Auxiliadora Departamento feminino do Ginásio Dom Bosco Curso médio. 1947 a 1950 Art. 4º Portaria nº 375 de 16/ago/49 Instituto Maria Auxiliadora Curso Primário, Jardim da Infância, Curso Elementar, Escola doméstica, Escola de pintura, piano e aula de corte e costura (trabalhos manuais). 1951 a 1972 Portaria nº 390 de 17/ago/51 Ginásio Maria Auxiliadora. - 1972 Parecer nº 117 do Conselho Estadual de Educação de Rondônia de 20/dez/89 Instituto Maria Auxiliadora. -

1973 a 1997 Parecer nº 117 do Conselho Estadual de Educação de Rondônia de 20/dez/89 Em 1976 Pareceres 034/CTE de 1976 e 043/CTE de 1976* Instituto Maria Auxiliadora. Ensino fundamental: 1º grau menor (1ª a 4ª série, no Laura Vicuña de 1973 a 1976); 1º grau maior (5ª a 8ª série, no IMA); Ensino Médio, de acordo com a Lei 5.692/71. - *1976 adicionou o 2º grau profissionalizante (Magistério – professores de 1ª a 4ª séries, de 1976 a 1983); e Curso de Laboratorista de Análises Clínicas (de 1976 a 1980)*.

1998 a 2000 Lei Nacional 9.394/96 Instituto Maria Auxiliadora. Ensino Fundamental, de 5ª a 8ª séries (matutino e vespertino); Ensino Médio, três anos do 1º a 3º ano (matutino e vespertino – neste, só até o 2º ano). A partir de agosto de 2000 ofereceu o Curso Pré-Vestibular (vespertino); Alfabetização de Adultos (noturno). 2001 a 2017 Processo 094/01, Parecer 008/02 e Resolução 007/02 Instituto Maria Auxiliadora Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série. A partir de 2008, Ensino Fundamental com duração de 9 anos no sistema gradativo; Ensino Médio.

Fonte: Acervo do IMA. Porto Velho/RO.

No quadro 2, observamos as denominações e cursos do Instituto Maria Auxiliadora ao longo dos anos. Observe que no período pesquisado, de 1937 a 1946, a escola denominou-se Escola Normal Rural Nossa Senhora Auxiliadora com a Portaria Ministerial nº 378 de 10 de outubro de 1950 e ofertou os cursos: Jardim da Infância, que durou apenas o ano de 1937 e retornou em 1941; o Curso Normal de 1ª a 3ª séries,

surgindo a 3ª apenas em 1940; o Curso Preliminar de 1ª a 2ª séries; Curso Elementar do 1º ao 3º ano; Curso Preparatório, o qual tinha como foco capacitar as alunas para adentrarem ao Curso Normal ou Ginasial; Curso Definitivo, do 1º ao 2º ano e trabalhos manuais.

Segundo o Histórico do IMA, além das atividades na escola e no hospital, as Irmãs também deram início ao Catecismo diário com 80 jovens e à Associação dos Santos Anjos com 10 crianças. Azzi (1999, p. 79) descreveu que para promover a formação religiosa das alunas era necessário adotar duas associações – neste caso, a dos Santos Anjos e da “Pia União das Filhas da Imaculada” – as quais, no IMA, contou com a participação de 24 jovens e a Irmã Carolina Rena como presidente da União.

Em 1931, um aspecto relevante compôs o cenário educacional brasileiro. O Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, dispôs sobre a instrução do ensino religioso em cursos de escolas primárias, secundárias e normais, ainda que em caráter facultativo.

Art. 1º Fica facultado, nos estabelecimentos de instrução primária, secundária e normal, o ensino da religião. Art. 2º Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem. Art. 3º Para que o ensino religioso seja ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino é necessário que um grupo de, pelo menos, vinte alunos se proponha a recebê-lo. Art. 4º A organização dos programas do ensino religioso e a escolha dos livros de texto ficam a cargo dos ministros do respectivo culto, cujas comunicações, a este respeito, serão transmitidas às autoridades escolares interessadas. Art. 5º A inspeção e vigilância do ensino religioso pertencem ao Estado, no que respeita a disciplina escolar, e às autoridades religiosas, no que se refere à doutrina e à moral dos professores. Art. 6º Os professores de instrução religiosa serão designados pelas autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado. Art. 7º Os horários escolares deverão ser organizados de modo que permitam os alunos o cumprimento exato de seus deveres religiosos. Art. 8º A instrução religiosa deverá ser ministrada de maneira a não prejudicar o horário das aulas das demais matérias do curso. Art. 9º Não é permitido aos professores de outras disciplinas impugnar os ensinamentos religiosos ou, de qualquer outro modo, ofender os direitos de consciência dos alunos que lhes são confiados. Art. 10. Qualquer dúvida que possa surgir a respeito da interpretação deste decreto deverá ser resolvida de comum acordo entre as autoridades civis e religiosas, afim de dar à consciência da família todas as garantias de autenticidade e segurança do ensino religioso ministrado nas escolas oficiais. Art. 11. O Governo poderá, por simples aviso do Ministério da Educação e Saúde Pública, suspender o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais de instrução quando assim o exigirem os interesses da ordem pública e a disciplina escolar (BRASIL, 1931, p. 1).

Conforme observado, a Igreja obteve vitória com a promulgação do Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, ao tornar facultativo o ensino religioso nas escolas públicas. Percebemos que a criação desse decreto significou maior autonomia da Igreja no setor educacional. Segundo Saviani (2008), essa, dentre a criação de outras medidas do início do governo provisório, acabou resultando no tratamento da educação como questão nacional convertendo-se em objeto de regulamentação nos seus diversos níveis e modalidades.

O Decreto nº 19.941, introduzindo pela primeira vez na história da República o ensino religioso nas escolas oficiais e, de acordo com Saviani (2008, p. 196), “o novo ministro atendeu a uma insistente reivindicação da Igreja Católica”. Para o autor, parecia contraditória a aliança do Estado com a Igreja, ao tentar explicar como um adepto do escolanovismo, assumindo o posto de autoridade máxima dos assuntos educacionais da República, tomou uma medida em benefício da Igreja Católica.

Por um lado, essa situação não se configurava tão estranha, uma vez que estava respaldada por importantes precedentes históricos, como se pode ver pelos processos de restauração na Europa em meados do século XIX. O exemplo mais contundente desse fenômeno deu-se na França, onde a burguesia, após ter atacado violentamente a Igreja enquanto componente do “Antigo Regime”, a ela se aliou diante do temor do avanço do movimento operário. E no Brasil das décadas de 1920-1930 também estava em causa esse temor num momento em que se procurava converter a questão social de caso de política, como fora tratada na República Velha, em questão política. E a Igreja aparecia, aí, como um antídoto importante com sua doutrina social, formulada na Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, e reiterada por Pio XI na Encíclica Quadragesimo Anno, promulgada exatamente em 1931 para comemorar os quarenta anos da Rerum Novarum (SAVIANI, 2008, p. 196).

Apoiada no modus operandi de inspirar na sociedade o sentimento de caridade e solidariedade social, a Igreja Católica beneficiou-se e obteve a hegemonia frente a outras ordens religiosas do campo educacional no Brasil mobilizando-se ao lado do governo e empenhando forças católicas para o controle da ordem social.

Naquele momento, o cenário educacional brasileiro encontrou-se atendendo aos interesses da Igreja Católica no que se referiu aos assuntos no âmbito da política educacional. Podemos considerar esse fato como o que Aranha (2006) destacou ser uma força conservadora politicamente representada. Segundo a autora, os pensadores católicos movimentavam-se contra a tendência laica instalada pela República e,

considerando que a verdadeira educação devia estar vinculada à orientação moral cristã, apregoavam a reintrodução do ensino religioso nas escolas, e assumiam o receio de uma escola de caráter comunista. Dessa maneira, parece-nos que esse fato acabou fortalecendo a influência que a Igreja exercia socialmente e, principalmente, no que se referiu à educação moral, cívica e religiosa.

Almeida (2007) também fez considerações acerca do decreto da instrução do ensino religioso em cursos de escolas primárias, secundárias e normais. Para essa autora, a Igreja procurou ocupar postos no governo e ampliou as atividades religiosas no país.

Nos anos 30/40 do século 20, inaugurou-se uma era mais harmoniosa entre igreja e Estado, com consequente retomada de poder católico, o que se deu por meio da ação coordenada dos bispos, com a ocupação de postos no governo por homens católicos, a atividade dos religiosos leigos, a fundação e ampla divulgação de revistas eclesiásticas. [...] Com isso iniciou-se uma nova colaboração entre igreja e Estado (ALMEIDA, 2007, p. 96).

Ao tratar do pertencimento de um conhecimento histórico como componente do presente, Certeau (1982, p. 143) apresentou as determinações que a história social exerce e que a história religiosa acaba se tornando tanto vítima como beneficiária dessas imposições. Nesse contexto, o autor abordou como o “setor definido como ‘religioso’” ensina sobre uma sociedade. Para o autor, é necessário compreendermos que os fenômenos religiosos são sempre algo além do que eles nos são apresentados.

Nesta perspectiva “compreender” os fenômenos religiosos é, sempre, perguntar-lhes outra coisa do aquilo que eles quiseram dizer; é interrogá-los a respeito do que nos podem ensinar a respeito de um estatuto social através das formas co-letivas ou pessoais da vida espiritual; é entender como representação da sociedade aquilo que, do seu ponto de vista, fundou a sociedade (CERTEAU, 1982, p. 143).

Dessa maneira, buscamos entender o cenário que envolveu as atividades pedagógicas da Congregação Salesiana na criação de uma escola para meninas na capital de Rondônia. Compreendemos que método e pedagogia salesiana se referiam à prevenção do mal, antecipando o bem. Isso significa colaborar para que tanto o adulto quanto a criança tenham consciência de sua realidade, dando conta dos perigos e de suas capacidades. Outra característica explorada era a tarefa de instruir pelo bem, isto é, os conhecimentos técnicos eram ofertados aliados às virtudes que deveriam ser

exercitadas, tais como, a caridade e a obediência às normas católicas, ou seja, a moral religiosa.

Delineamos caminhos para tentar explicar as conexões que se estabeleceram entre a resistência de uma cultura pautada na doutrina católica e as aspirações, costumes e vida social almejada para as mulheres aqui no Brasil, já que a influência da Igreja Católica no âmbito educacional fica-nos evidente, principalmente, no que diz respeito à escolarização feminina, como discutido por Louro (2013) e Almeida (2007).

Louro (2013) ressaltou que mesmo que a proclamação da República representasse a separação da Igreja Católica do Estado, seria conservada como dominante a moral religiosa, apontando para as mulheres a dicotomia entre Eva e Maria; - Eva, a diabolização da mulher, símbolo do pecado e da tentação e Maria, a Virgem, pura e inocente mulher - uma escolha que representava “uma não escolha, pois se esperava que as meninas e jovens construíssem suas vidas pela imagem de pureza da Virgem”, implicando em um ideal feminino voltado para o recato e pudor, “a busca constante de uma perfeição moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos filhos e filhas” (LOURO, 2013, p. 447).

Para nos auxiliar na compreensão sobre a instrução e educação que era imposta às mulheres, os estudos de Almeida (2007, p. 90) assinalaram que “das mulheres esperava-se a permanência no espaço doméstico, o recato, a submissão, o acatamento da maternidade” como o maior dos sonhos de consumo.

Na educação feminina permaneciam as tradições religiosas que giravam em torno do destaque das prendas domésticas, como bordado, falar francês, saber dançar, tocar piano, conversar, com recato, conhecer as regras de etiqueta, enfim, o que se esperava que uma mulher soubesse antes do casamento (ALMEIDA, 2007, p. 97).

Almeida (2007) assinalou ainda que a mulher era educada, principalmente, para ser “o esteio moral da família”, as que preservariam a tradição e perpetuaria as regras religiosas. Esses ensinamentos tinham efeito direto, principalmente, nos momentos de comemorações de datas festivas e cívicas, ou a simples exposição das alunas nesses momentos de celebração em que poderiam apresentar-se de forma disciplinada, organizada e a instituição poderia apresentar para a sociedade todo o trabalho que estava sendo desenvolvido com as alunas na escola.