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AS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA RUMO A PORTO VELHO

1.3 As Filhas de Maria Auxiliadora aportam em Porto Velho: revendo o percurso

A instituição das Filhas de Maria Auxiliadora, a partir de 1937, dedicou-se a formar professoras normalistas rurais. Lembramos que a Escola Normal no Brasil surgiu da necessidade que o país tinha de formar professores para ensinar no ensino primário. Para tanto, foram necessárias algumas transformações no ideário social, político, econômico e cultural para que se consolidasse esse tipo de instituição educativa.

Destacamos que, desde 1920, católicos e representantes do movimento escolanovista entraram em contradição, o que originou uma reação dos conservadores

que se opuseram à política de laicização da escola pública, isto é, “os pensadores católicos preconizam a reintrodução do ensino religioso nas escolas por considerar que a verdadeira educação apenas pode ser aquela vinculada à visão moral cristã”. Para eles, as escolas leigas “só instruem, não educam” (ARANHA, 1996, p. 199).

A “República Educadora” foi maior proposta do Governo Federal para a democratização do país, a qual entendia a escolarização como alavanca para o progresso, criando para a sociedade um novo projeto de vida (LEITE, 1999, p. 27).

O governo republicano não buscou desenvolver políticas de educação destinada às áreas rurais, de modo que, para Sérgio Celani Leite (1999), a sociedade só vai despertar para a educação rural durante o forte período migratório interno nos anos de 1910 a 1920, quando um grande número de população rural deixou o campo visando às áreas onde já havia um processo de industrialização maior (LEITE, 1999, p. 28).

Iraídes Marques de Freitas Barreiro (2010) elucidou sobre esse momento de migração campo/cidade e de que forma a educação rural passou a ser vista como possibilidade de valorização de vida no campo com vistas a diminuir grande imigração nas cidades encaminhando a educação rural para os pressupostos do ruralismo pedagógico – tendência educacional que confiou aos conhecimentos do homem rural uma maneira de fixá-lo à terra – e, em 1935, iniciaram os rumores de criação das escolas normal rural acompanhando os objetivos do ruralismo pedagógico (BARREIRO, 2010, pp. 28-29).

Segundo Josemir Almeida Barros (2013), a proposta de ruralismo “estava vinculada ao repensar das ações para o meio rural”, tornando a educação um dos principais investimentos, entretanto, isso ficou apenas no discurso das autoridades da época (BARROS, 2013, p. 101). Além disso, esse autor destacou que a reorganização da forma e conteúdo do novo sistema político republicano fazia parte de proposta dos setores das elites, havendo uma inversão, pois os princípios que regulamentavam a República eram diferentes dessa forma estruturante de sistema.

Junto ao advento da transformação resultante dos movimentos da Escola Nova estava a participação da Igreja nesse contexto. Segundo Dóris Bittencourt Almeida (2005), os setores da Igreja participaram ativamente nesse momento:

[...] O natural é que fosse um ensino laico, sem interferência religiosa alguma, e a isso a Igreja se opunha, da mesma forma que também percebia tendências socialistas pelo fato de estende o acesso à escolarização a todos. [...] Talvez isso explique os motivos pelos quais

a Igreja preservou seu lugar no desenvolvimento educacional e interferiu diretamente nas iniciativas relacionadas ao ensino rural, com a participação direta na estruturação das primeiras Escolas Normais Rurais, além de demonstrar constante preocupação em criar escolas rurais comunitárias, muito antes do Estado tomar qualquer atitude. Provavelmente, junto com o incentivo à escolarização estava também o interesse em manter vivos e presentes os ensinamentos da Religião Católica nos currículos escolares (ALMEIDA, 2005, p. 285).

Com um intenso movimento em favor da educação, os anos de 1930 trouxeram consigo novo governo, novo presidente, novos instrumentos legais para o âmbito educacional e várias reformas educacionais tiveram início em diferentes unidades da federação. Também foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, cujo foco das ações da pasta seria as reformas do ensino superior e secundário (RIBEIRO, 1993), considerado por Capanema que “a fundação do Ministério da Educação e Saúde, cuja obra, em quinze anos de progressivo desenvolvimento, representa o ponto de partida, realmente decisivo” para o desenvolvimento da educação brasileira. (CAPANEMA, 1946, p. 1).

A educação brasileira teve maior destaque a partir da década 1930, consoante Aranha (2006, p. 295), devido aos movimentos dos educadores e iniciativas governamentais, com a criação do Ministério da Educação e Saúde que foi relevante para o planejamento das reformas em âmbito nacional e para a estruturação da universidade. Gustavo Capanema (1946) destacou que o Ministério da Educação e Saúde, quanto ao ensino, “passou a constituir um centro nacional de estudos e pesquisas sobre o problema da educação nos seus diferentes ramos e graus” (CAPANEMA, 1946, p. 1).

A esfera educacional do país, em 1930, “era de uma intensa agitação de ideias e tendências diversas” (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 24). A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública permitiu que fossem planejadas as reformas em âmbito nacional e, pela primeira vez, empreendeu-se “uma ação planejada que visava à organização nacional, já que as reformas anteriores tinham sido estaduais” (ARANHA, 2006, p. 305). Ruy Lourenço Filho e Carlos Monarcha (2002) destacou que a criação de um ministério especializado corporificou novas tendências a serem salientadas, visando a uma melhor articulação das instituições de educação e cultura em todo o País, tendendo à organização de técnica e de objetivos nacionais.

A Reforma Francisco Campos43 configurou um conjunto de decretos que representaram a retomada da centralização da política educacional pela União. Segundo Lourenço Filho e Monarcha (2002), o ano de 1931 datou da reorganização do ensino secundário, substituindo o regime de exames parcelados pelo regime de cursos seriados; houve a admissão do ensino religioso facultativo44 nas escolas; remodelação do ensino superior e firmação de um “convênio interestadual” para o levantamento das estatísticas de educação (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 26).

Foi nesse contexto de efervescência e busca pela prevalência dos valores religiosos na educação que as FMA avançaram para a região do Amazonas e estabeleceram-se na Prelazia de Porto Velho para auxiliar o Padre João Nicoletti frente às atividades do Hospital São José45. O trabalho das FMA voltou-se para o atendimento às atividades da saúde e educação da população (AZZI, 2002, p. 341).

Assim que fundaram a escola, em 1930, as irmãs estabeleceram o Curso Preliminar e Elementar na Escola Paroquial. Azzi (1999) destacou que durante o período inicial das escolas das FMA no Brasil, a organização escolar deu-se com a abertura apenas do curso primário, nos primeiros anos apenas as séries elementares, sendo as aulas “ministradas exclusivamente pelas irmãs, não havendo então professoras externas” (AZZI, 1999, p. 74). No que concerne às bancas examinadoras das provas do final dos anos, os convidados eram sacerdotes salesianos e algumas figuras representativas do governo, conforme ressaltou Aluízio Pinheiro Ferreira, na época, fiscal do governo: “o estabelecimento tem sido franqueado a quantas autoridades se tem dignado de visitá-lo. Os exames finais de cada ano têm sido presididos por diversas delas” (FERREIRA, 1937, p. 18).

Nesse período, Porto Velho era uma cidade ainda ambientada em um país rural, mas que estava prestes a passar por transformações significativas. De acordo com Almeida (2001, p. 34), após as primeiras décadas do Século XX, houve uma “tendência

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A Reforma Francisco Campos correspondeu aos Decretos nº 19.850, 19.851 e 19.852, de 11 de abril de 1931, e referiam-se à Criação do Conselho Nacional de Educação, à organização do ensino superior e à organização da Universidade do Rio de Janeiro, respectivamente. Algumas medidas referentes ao ensino secundário – Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, ensino comercial e regulamentação da profissão de contador – Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931, também foram configuradas.

44Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931 que dispôs sobre a instrução do ensino religioso em cursos de

escolas primárias, secundárias e normais, em caráter facultativo e que impactava diretamente a instituição em estudo.

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O Hospital São José, pela sociedade da época, era visto como uma grandiosa e humanitária instituição que prestava atendimentos gratuitos para os habitantes da região de “classe menos favorecida da fortuna” que ali encontrava “o acolhimento generoso dado indistintamente a todos, quer pelo virtuoso padre João Nicoletti, o incansável velho herói dessa cruzada bendita, como por parte das carinhosas Irmãs da Caridade, encarregadas do tratamento dos enfermos.” (ALTO MADEIRA, 1931, p. 3).

irreversível” do aumento da população urbana e diminuição da população das áreas rurais. A autora destacou que esse contexto era marcado por uma ideia de atraso do meio rural em relação ao meio urbano.

Embora tenha voltado seus estudos para a região mineira, Barros (2013) verificou que “a política educacional esteve mais preocupada com o desenvolvimento de áreas urbanas por ser o rural sinônimo de atraso” (BARROS, 2013, p. 38). Predominava o pensamento de que para formar a mão de obra que atendesse os preceitos capitalistas significava incluir o ambiente rural, direcionando a ele toda a responsabilidade pelo não desenvolvimento, resultando na isolação do meio rural (BARROS, 2013, p. 77).

A educação rural passou a ser vista como um instrumento capaz de aproximar o país da modernização, modelando cidadãos adaptados ao seu meio de origem, mas disseminando conhecimentos assegurados pela cultura das cidades. A utilização do termo “moderno” refere-se à articulação do discurso que opõe o antigo ao moderno, e vice-versa, e à exaltação da importância dos feitos republicanos que, implicitamente, acabou por considerar o tradicional/antigo como algo ruim, atrasado, e o moderno/recente como algo bom. Desse modo, a modernidade pode ser vista como uma reação à agressão promovida pelo avanço industrial como dito por Le Goff.

O par antigo/moderno está ligado à história do Ocidente, embora possamos encontrar equivalentes para ele em outras civilizações e em outras historiografias. Durante o período pré-industrial, do século X ao XIX, marcou o ritmo de uma oposição cultural que, no fim da Idade Média e durante as Luzes, irrompeu na ribalta da cena intelectual. Na metade do século XIX transforma-se, com o aparecimento do conceito de ‘modernidade’, que constitui uma reação ambígua da cultura à agressão do mundo industrial. Na segunda metade do século XX generaliza-se no Ocidente, ao mesmo tempo que é introduzido em outros locais, principalmente no Terceiro Mundo, privilegiando a ideia de ‘modernização’, nascida do contato com o Ocidente (LE GOFF, 1990, p. 167).

Conforme dito por Barros (2013, p. 74) “o pensamento moderno criou normas e convenções capazes de racionalizar a escola com objetivos de disciplinar seus alunos e formar hábitos culturais”. Segundo o autor, nesse período, a educação passou a ser vista como um empreendimento, de um lado ela significava superar o atraso e, por outro, fazia parte de um amplo projeto de redenção, afinal cabia modernizar cidades, estado, o país.

Durante o período de 1930 a 1935, na Escola Paroquial, observamos, como reflexo da política nacional, ações educacionais iniciadas a partir de 1930 pelos salesianos. Para Vargas, a nacionalização deveria atingir o país por inteiro, buscando integrar as regiões periféricas. Esta integração se operaria por meio de políticas voltadas à modernização e ao desenvolvimento do interior. Para tanto, criou campanhas como a “Marcha para Oeste” e os territórios federais, como o Vale do Guaporé nas zonas de fronteira. Vargas pregava que bastaria “cuidar dessas gerações, defendendo-as contra as moléstias, preparando-as física e culturalmente, dando-lhes educação moral e cívica para transformá-las em valiosos fatores do povoamento da região” (VARGAS, 1940, p. 404).

Nesse discurso, Vargas explicitou que a colonização teria uma orientação técnica, tanto para a escolha das terras, como para a instalação dos colonos e seriam fundados “núcleos agrícolas, servidos de escolas rurais e aprendizados”, nos quais os filhos dos colonos recebam instrução e conhecimentos de lavoura.

Saneamento e colonização – Essas possibilidades são evidentes, e o plano, já delineado de modo geral, compreende duas partes: saneamento e colonização. O saneamento terá feito com uma organização técnica de execução progressiva, até conseguirmos extinguir o impaludismo, existente apenas em algumas zonas do território amazonense. A propósito, convém observar que o clima da Amazônia, ao contrário do que muitos pensam, é geralmente salubre e possui condições favoráveis a uma vida saudável e ao trabalho produtivo. Prova-o o fato de encontrarmos, a cada passo, famílias numerosas e uma grande população infantil. O crescimento demográfico é evidente. E bastará cuidar dessas gerações, defendendo-as contra as moléstias, preparando-as física e culturalmente, dando-lhes educação moral e cívica para transformá-las em valiosos fatores do povoamento da região. É o que queremos fazer sem perda de tempo. A política povoadora será iniciada com grupos de nacionais que aqui se fixem e prosperem. Tal colonização também terá uma orientação técnica, tanto para a escolha das terras, como para a instalação dos colonos. Fundar-se-ão núcleos agrícolas, servidos de escolas rurais e aprendizados onde os filhos dos colonos recebam instrução e conhecimentos de lavoura (VARGAS, 1940, pp. 504-505).

Desse modo, ponderamos que levar a escola ao interior do país era uma das políticas de modernização pretendidas por Vargas e, portanto, aliou-se aos salesianos, como no caso em estudo, para conseguir atingir esse fim, logo favorecendo a instalação da ENRA.

Ressaltamos a trajetória realizada pelas FMA até chegarem e se instalarem em Porto Velho e retomamos a origem da Congregação Salesiana a qual criou a Associação das Filhas de Imaculada que passou a se chamar Filhas de Maria Auxiliadora. Destacamos que as atividades realizadas pelas religiosas só se tornaram possível após a criação da Prelazia de Porto Velho pelo Papa Pio XI, em 1925.

De acordo com Louro (2013, p. 443), percebemos que a proclamação da República se alimentou da necessidade de se construir uma imagem do país que transformasse seu “caráter marcadamente colonial, atrasado, inculto e primitivo” para uma concepção de país moderno.

Segundo Almeida (2007), “ao se consolidar, a República acomodou-se ao novo regime político, reagindo contra a invasão protestante nos campos religioso, político e educacional”, e começou a estabelecer trabalhos pastorais significativos (ALMEIDA, 2007, p. 40), lutando contra a secularização que fora instalada na América Latina com a criação de dioceses, novas ordens religiosas, internatos para as filhas das oligarquias, colégios católicos para meninos e desenvolvimento de obras de caridade. Para essa autora, “os colégios internos femininos alcançavam somente um público restrito, e as jovens das famílias abastadas continuaram recebendo uma educação que primava pelo desenvolvimento das prendas domésticas” (ALMEIDA, 2007, p. 41).

A educação passou, assim, a fazer parte dos discursos dos governantes como uma forma de civilizar, modernizar as mais distantes localidades. A diferença da instrução ofertada para homens era explicitamente diferente daquela ofertada para mulheres.

CAPÍTULO II

SEMEANDO VALORES: A OBRA DAS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA