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Naturalmente quando se fala das práticas empresariais, suscitam-se várias reflexões em certa medida impulsionadas pelos escândalos conhecidos da EXXON, WordTelecon e Parmalat. Apoiado por estes acontecimentos o senso comum é compelido, ao ouvir a idéia da RSE, a julgar de forma negativa as práticas empresariais e a evocar princípios éticos.

Retoma-se, aqui, que a RSE toma como pilar fundamental a ética das relações entre a empresa e seus diferentes públicos com os quais interage. Exatamente por este vínculo visceral, torna-se fundamental discorrer sobre o tema da ética, em particular, da ética nos negócios.

Para poder analisar de forma adequada este tema, propõe-se considerar dois elementos distintos. O primeiro elemento é sobre o conceito de ética. Por vezes, vê-se o tema da ética e o da moral sendo tratados como sinônimos e, para efeito deste projeto, será tomado como referência, a reflexão trazida por Freitag (1992, p. 25), ao pontuar sobre esta distinção:

A moralidade ocupa-se das virtudes da alma; a ética, das virtudes da polis. A primeira reflete filosoficamente as condições subjetivas da ação concreta; a segunda, as condições objetivas. Uma toma como base a ação do indivíduo; a outra, a ação da polis, do Estado, do todo social. A moralidade responde à pergunta do indivíduo isolado sobre como agir de forma moralmente correta, na busca do bem pessoal; a ética responde à pergunta dos governantes sobre como agir de forma política correta, na busca do bem coletivo.

Observa-se aqui que a ética é tratada como sendo a resposta às perguntas que são feitas quando, atores que têm o papel de agir sobre o conjunto da polis, buscam o bem coletivo. Desta forma pode-se considerar que a empresa, no exercício de suas atividades, impacta diferentes stakeholders e lida com diferentes e amplas expectativas, e por esta razão está orientada para um bem coletivo, ainda que não admita ou não o perceba.

ações, pode-se concluir que suas ações resultam, naturalmente, em bem coletivo, justificando o estudo sobre sua conduta ética.

Adicionalmente, sendo a organizações compostas e construídas por indivíduos, de forma coletiva, pode-se considerar que somente poder-se-á analisar as práticas de uma determinada organização, pela concepção da ética como sendo a materialização da sua ação – coletiva – na polis, e não pela moralidade individual, quer de seus dirigentes, quer de seus colaboradores. Em outras palavras, não é a somatória das moralidades individuais que se constitui a ética da organização, mas sim algo que é construído, tácita ou explicitamente, consciente ou inconscientemente, pelo conjunto dos indivíduos daquela organização.

O segundo elemento são as diferentes percepções sobre a responsabilidade social e que serão chamadas, para efeito deste trabalho, de correntes. Como já discutido há diferentes conceitos e definições procurando dar forma à chamada RSE. Cabe, portanto, tomar esta diversidade como sendo o reflexo da diversidade organizacional.

Novamente, se as organizações são compostas e construídas por indivíduos, é natural imaginar que seja igualmente diversa a maneira como cada empresa haverá de decodificar e formular seu padrão de RSE. Então, quando se analisam correntes que abarcam uma aceitação ou construção coletiva, estas terão um posicionamento intencional na polis.

Entretanto, quando analisar uma determinada corrente que se origina de um indivíduo, ainda que outros possam concordar sobre ela, ela está mais ancorada na moral individual de quem a formulou e não carrega uma proposta de ação exeqüível na polis. Com isso toma apenas, e tão somente, a dimensão individual carregada fortemente pela visão de mundo e de homem, deste indivíduo em particular.

Com estes argumentos pode-se refletir, então, acerca de quatro diferentes correntes. A primeira delas está orientada para o comportamento dos empresários nos processos de tomada de decisão.

Responsabilidade Social Corporativa é o comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando simultaneamente a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo. (Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, Holanda, 1998, apud DUARTE; TORRES, 2005).

Tomando como base a referência trazida sobre ética, esta corrente parte do princípio de que a qualidade e natureza de comprometimento dos empresários podem interferir na polis na qual a empresa está inserida. Assim, postula um papel dos empresários

voltado a atender não somente as questões da sua comunidade interna, mas também a comunidade externa.

Esta corrente preconiza, portanto, de forma objetiva que um exercício ético por parte dos empresários – que se materializa por suas decisões – deve estar orientado por fatores que reforçam os laços de ligação entre esta empresa e a sociedade como um todo, sugerindo que estas práticas estão apontando para o bem coletivo.

A segunda corrente está orientada para a ética a partir da moral de cada empresário.

Assumem o compromisso de negar a concepção individualista e lucro como únicos fins da empresa, atribuindo a sua função social através de dez princípios: respeitos éticos, funções sociais, serviço à comunidade, lucro como remuneração, exigências legais, contribuição efetiva, respeito aos colaboradores, produtividade para todos, condições motivadoras e abertura ao diálogo (ADCE apud DUARTE; TORRES, 2005)

Esta corrente, por ser oriunda de uma associação, postula novos valores individuais para cada um dos empresários e preconiza um papel social para as empresas. Neste sentido, ao agregar-se a esta organização o empresário mostra sua identificação moral com os elementos preconizados que deverão ser exercitados através dos chamados princípios. Já estes princípios se traduzem nas práticas que serão exercitadas na polis, que embora colocados de forma ampla e genérica, se traduzem em ações objetivas.

A terceira corrente orienta-se por um posicionamento pessoal.

Ultimamente um ponto de vista específico tem obtido cada vez maior aceitação – o de que os altos funcionários das grandes empresas e os líderes trabalhistas têm uma responsabilidade social além dos serviços que deve prestar aos interesses de seus acionistas ou de seus membros. Este ponto de vista mostra uma concepção fundamentalmente errada do caráter e da natureza de uma economia livre. Em tal economia só há uma responsabilidade social do capital – usar seus recursos e dedicar-se a atividade destinada a aumentar seus lucros até onde permaneça dentro das regras do jogo, o que significa participar de uma competição livre e aberta, sem enganos ou fraude (FRIEDMAN, 1985, p. 23).

Amplamente conhecido, o posicionamento de Friedman (1985) acaba sendo tomado como contraponto em muitos dos círculos onde se discutem o tema da responsabilidade social da empresa. Traz fundamentos próprios da cultura e da economia onde vive, e postula que a responsabilidade social não deva ser atribuída a uma empresa.

Pode-se perceber neste contraponto, de forma bastante clara, a presença de valores e visões muito particulares e não uma concepção coletiva sobre a conduta de um ator social nem tampouco um conjunto de ações exeqüíveis no contexto atual. Desenvolve,

portanto, mais as questões subjetivas relacionadas à moral e ao posicionamento individual do que as questões objetivas relacionadas ao exercício prático da vida organizacional em sociedade.

Por último, a quarta corrente está orientada para a gestão da empresa.

Responsabilidade social empresarial é uma forma de conduzir os negócios que torna a empresa parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social. A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio ambiente) e conseguir incorporá-los ao planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos, não apenas dos acionistas ou proprietários (INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL, 2005a).

Esta corrente traz o elemento da gestão e, tomando-a no sentido lato sensu, aponta para a ação coletiva de empresa e para suas práticas na sociedade.

Neste sentido, ao postular uma nova forma de conduzir os negócios, assinala que a forma com a qual os negócios são conduzidos interferirá na qualidade de seus resultados, demonstrando na prática a qualidade do seu processo decisório.

Na medida em que a empresa acompanha esta corrente, ela tem a capacidade de ouvir diferentes interesses e consegue incorporá-los em seu planejamento, tornando-se um ator diferenciado. Em resumo, apresenta questões objetivas para o exercício na polis, colocando a ética como a base deste modelo de gestão.

Até aqui, esta dissertação tratou de pontuar sobre o universo da gestão empresarial, da RSE como modelo de gestão, sobre os diferentes instrumentos gerenciais que dão conta das relações com o mundo externo à empresa e chegou-se na ética como base de um modelo de gestão, capaz de orientar todos os instrumentos disponíveis.

Este trabalho segue destacando a projeção da empresa no espaço externo a ela, embora tenha estabelecido conexões claras com toda a gestão empresarial. Ao examinar mais detidamente este espaço externo às empresas, observa-se uma outra gama de questões que devem ser debatidas, antes mesmo de retomar a interação de todos os elementos com a função recursos humanos. Trata-se, portanto, de considerar do que se está falando quando se refere ao universo externo à empresa. Quais são os elementos envolvidos neste espaço?