• Nenhum resultado encontrado

3. O CHEIRO DO RALO.

3.2 A interestrutura de composição em O cheiro do ralo

O romance é narrado por um eu testemunha, ou seja, por um narrador protagonista que vê o mundo e apresenta sua visão ao leitor por suas impressões e pensamentos, além disso, o texto possui a predominância do uso do tempo presente tanto na narração quanto nos diálogos e este elemento de composição se soma ao emprego de sentenças curtas e de uma conexão linguística entre parágrafos organizada por pontuação. Dessa forma, a coesão se dá por um processo de elisão e corte, como se pode ver no exemplo abaixo:

(...) Ele sai. Ele pensa estar feliz. Ela entra.

Ela treme.

Ela não olha em meus olhos. Olhos que nem parecem se mover.

Nas mãos um porta-joias. Nele, um bracelete, um par de brincos, um alfinete de gravata, um ágnus-dei.

Tudo de ouro. (...) (MUTARELLI, 2011, p.16)

Não há uma ligação explícita entre os parágrafos, os quais são separados por um espaço em branco, o qual demarca um vão entre dois momentos distintos, um corte narrativo. Esse procedimento também ocorre no elo sintático entre as sentenças, pois a

45 Aqui se considera a canaleta usada para destacar a frase: “Estive no inferno e lembrei de você” na

120 pontuação opera um corte na construção frasal que também exige do leitor um processo de conclusão e que remete, imediatamente, ao corte cinematográfico e às canaletas quadrinísticas.

Do mesmo modo que os quadrinhos se realizam por justaposição de imagens e o cinema principalmente por sobreposição, a construção sintática do parágrafo se liga por um efeito de sobreposição de ações sem conectivos: entrar, tremer, não olhar, logo, há uma construção por disposição sequencial, isto é, frases que se tornam ações em parágrafos distintos.

No exemplo acima também se pode notar um efeito de aproximação da percepção do narrador, como se este operasse uma câmera, na medida que essa aproximação ocorre simulando um zoom gradual, o qual pode ser percebido na transição “Ela entra”, que foca corpo inteiro da personagem, assim como a diminuição do foco nas mãos em: “Nas mãos um porta-joias.”. Tal diminuição do foco se intensifica, perdendo-se o porta-joias da visão, apresentando somente seu conteúdo: “Nele, um bracelete, um par de brincos, um alfinete de gravata, um ágnus-dei”.

Vê-se que o foco já limitado ao objeto nas mãos da personagem é ainda mais aproximado do objeto, para destacar seu conteúdo e nesta aproximação, as mãos somem de foco, como some a personagem no focar das mãos, formando-se um conjunto de ações em sequência, como se os efeitos cinematográfico e quadrinístico fossem transpostos para uma composição em escrito.

Como pode ser observado no exemplo já citado acima, o romance apresenta a divisão de suas cenas entremeadas por espaços em branco na diagramação de cada capítulo, portanto, este espaçamento em branco visto pelo leitor apresenta também um espaço narrativo, um vácuo narrativo de espaço e tempo, que deve ser preenchido pelo leitor entre cada cena do romance, um vão espaço-temporal, como notado por Pisani acerca da composição de O cheiro do ralo, pois em sua fala ela afirma que

Ele imprime velocidade à narrativa, realiza cortes, acelera o tempo para depois retomar cenas e citações. Mutarelli possibilita o embaralhamento da história sem, no entanto, deixar claro se sua ordem está alterada. Tratam-se de episódios. Não temos, como em muitos outros casos do cinema e da literatura, a ocorrência de flashbacks ou de inversão temporal. Ele simplesmente cria cenas, capítulos e os apresenta ao leitor - a quem cabe estruturar seu sentido. (PISANI, 2012, p. 63)

121 Essas estruturas de corte narrativo e conclusão operam todas com a produção de um vácuo, de um espaço vazio no tempo narrativo que ocorre tanto nos quadrinhos, quanto na literatura e no cinema e, nesse sentido, existe uma composição similar entre essas artes narrativas no que tange à cena e a montagem como operações do corte narrativo. Para Richardson (1969, p. 36): “A literatura cria sentido e significação das palavras juntando-as. Portanto, nos filmes, é o cortar, juntar, editar, ou em sua mais elaborada forma, a montagem que fornece a gramática e a sintaxe do filme. (Tradução minha)”46, uma ideia que se confirma na própria origem da teoria da montagem de Eisenstein (2014), porque entre os diversos exemplos utilizados pelo autor russo para explicitar o conceito de montagem como a criação de um novo produto por intermédio da justaposição de dois elementos distintos, a escrita hieroglífica japonesa é um dos mais importantes:

Hieróglifos desenvolvidos com base em traços convencionais de objetos, quando em conjunção, expressam conceitos, i.e., a imagem de um conceito — um ideograma. Junto a eles existe uma série de alfabetos fonéticos europeizados: o Manyō kana, o hiragana e outros. Mas os japoneses escrevem todas as letras usando ambas as formas ao mesmo tempo! (EISENSTEIN, 2014, versão Kindle, tradução minha)47

A escrita, portanto, é dupla, e na duplicidade de sua forma ocorre uma justaposição que dá origem a uma escrita singular, a um produto que não é apenas a soma de suas partes, mas um novo elemento, por isso, para Eisenstein, os poemas japoneses, principalmente a estrutura do poema tanka, cuja forma deve ser julgada tanto pela sua poesia quanto pela sua visualidade, ressaltam que a sua escrita não é nem somente caligráfica, nem somente poemática em importância, mas a junção desses dois elementos em uma nova forma:

A força da montagem reside nisto, no fato de incluir no processo criativo a razão e o sentimento do espectador. O espectador é compelido a passar pela mesma estrada criativa trilhada pelo autor para criar a imagem. O espectador não apenas vê os elementos

46 Literature makes sense and significance of words by joining them together. So in the movies, it is the

cutting, joining, editing, or in its most elaborate form, montage, that provides the grammar and syntax of film. (RICHARDSON, 1969, p.36)

47 Hieroglyphs developed from conventionalized features of objects, put together, express concepts, i.e.,

the picture of a concept—an ideogram. Alongside these exists a series of Europeanized phonetic alphabets: the Manyō kana, hiragana, and others. But the Japanese writes all letters employing both forms at once! (EISENSTEIN, 2014, versão Kindle).

122 representados na obra terminada, mas também experimenta o processo dinâmico do surgimento e reunião da imagem, exatamente como foi experimentado pelo autor. E este é, obviamente, o maior grau possível de aproximação do objetivo de transmitir visualmente as percepções e intenções do autor em toda a sua plenitude, de transmiti-las com "a força da tangibilidade física", com a qual elas surgiram diante do autor em sua obra e em sua visão criativas. (EISENSTEIN, 2002, p.29) É desse modo que se pensa em montagem como um procedimento que se aproxima da visão de Candeias (2007), acerca da presentificação no romance O cheiro do ralo, pois para ele, esse recurso está fortemente associado à desiconização do discurso narrativo, o que causaria, dentro da narrativa, a sensação de que enunciador e enunciatário estão em um contexto permanente de diálogo presentificado, visto que o ato de desiconizar exige do leitor sempre uma complementação:

Tal recurso de desiconização, como o uso predominante do presente indicativo, é também um modo de presentificar. Ao contrário da debreagem, porém, tal procedimento não se faz por meio da relação entre enunciação e enunciado. O uso de um discurso cujo referente é parcial exige um complemento do enunciatário, semelhante à música. Quando o narrador declara o surgimento de uma personagem ou, por meio de algum elemento, indica o espaço, sem iconizá-lo mais densamente; a forma de referir se aproxima à dos dêiticos e assim se estabelece a presentificação, como se enunciador e enunciatário estivessem sempre no contexto de leitura. (CANDEIAS, 2007, p. 27) Dessa forma, a sintaxe entre parágrafos e entre cenas funciona como um corte narrativo, o mesmo procedimento realizado nas artes sequenciais, dado que o corte é uma forma de organização sintática que exige do enunciatário também um complemento, assim como a desiconicização do discurso, ou seja, em ambos, ocorre a justaposição de dois elementos distintos para a criação de um produto, em ambos ocorre montagem.

Como no romance de Mutarelli é perceptível que o uso de verbos no tempo presente, assim como a ordenação do discurso em sentenças curtas aproximam esta obra do roteiro cinematográfico e dos discursos nos balões de fala dos quadrinhos, tanto pelos atos de presentificar, quanto desiconizar, visto que em ambas as ações, a produção rítmica situa o leitor em um contexto presente de apreciação da obra, tal qual ocorre na exibição de um filme ou na leitura de uma história em quadrinhos, conclui-se que aqui a desiconicização e a elisão operam elementos narrativos como o corte, parte estrutural da composição das narrativas gráficas e elemento essencial da montagem fílmica, portanto

123 , a presentificação e a desiconicização relacionadas pelo corte, pela forma como se organiza a narrativa, podem ser analisadas também pelos conceitos operatórios de conclusão (McCLOUD, 2005) e de montagem (EISENSTEIN, 2014).

Isso porque a montagem trabalha na margem estrutural da composição narrativa, mas que também se evidencia no seu aspecto físico, ou seja, na sua forma material e é nesta semelhança física, do material, que encontra-se a existência de uma

interestrutura de formato entre a canaleta dos quadrinhos e a diagramação do

romance O cheiro do ralo, porque ambas, além de possuírem a mesma função composicional, possuem o mesmo formato físico, uma faixa branca que se coloca como um vácuo narrativo, uma faixa que, fisicamente, visivelmente, torna-se parte da narrativa, operando sentidos dentro do romance e dos romances gráficos por meio do corte entre quadros e cenas. Como se pode ver nas páginas 74 e 75 do romance O cheiro do ralo, a presença dos vãos em branco pode ser vista em abundância separando cenas em momentos diversos de tempo e espaço, assim como os focos de visão do protagonista.

A primeira cena, vista pelo primeiro parágrafo, é a continuação da cena da página 73, na qual o protagonista está em sua casa conversando com o olho de vidro, enquanto assiste TV, ele então pega uma caneta e desenha sobre o quadro Rosa e Azul48

(1881), de Renoir, acontecimento já disposto na página 74 e, aqui, é interessante notar como esta primeira cena é separada da próxima pela passagem de um dia, isto é, a canaleta cria um vão temporal: “E então já é outro sábado.”.

Essa cena é, por sua vez, novamente cortada, dando lugar a uma citação direta do livro de Anatole France, O manequim de vime, citado pelo protagonista, dessa maneira, a leitura do personagem dentro da narrativa é transposta para o leitor diretamente no livro. Essa citação é destacada da narrativa por meio de um corte operado na canaleta e o foco da narrativa muda completamente dos pensamentos e ações do narrador para a transposição do livro de France, logo, há um corte que os separa.

O mesmo ocorre na página 75, novamente com uma separação entre a citação e os dois comentários do narrador acerca da leitura, contudo, esta canaleta, além de separar as duas vozes que se juntam para compor um novo texto, narração e citação, também separa a tradição e a contemporaneidade.

48 Também conhecido como As meninas.

124

125

126 Essa canaleta retorna a ser usada para um deslocamento temporal e espacial ao fim da página 75 e percebe-se aqui a passagem do fim de semana completo para o reinício da semana e da rotina de trabalho do protagonista pela reiteração da sentença “Ele entra.”, a qual se torna marca da presença do narrador em sua loja, retomando a função deste vão como um corte extenso no tempo da narrativa.

Na composição do romance de Mutarelli, portanto, a relação com o cinema é visível no corte temporal adotado na diegese, mas na questão do formato a relação é mais próxima com a canaleta quadrinística, visto que tanto nos quadrinhos, quanto no romance, a diagramação e as estruturas físicas são muito similares.

Logo, a faixa branca que separa as vinhetas nos quadrinhos é, no romance mutarelliano, graficamente apresentada na diagramação horizontal, separando as cenas dessa narrativa da mesma forma que a canaleta vertical separa os quadros dos quadrinhos dando a impressão de movimento, aceleração, por uso do corte.

Essa divisão, então, pode ser vista como próxima de outras duas estruturas: reforçada pela similaridade de forma, a diagramação do espaço em branco do romance se aproxima da canaleta, principalmente da concepção de canaleta como pensada por McCloud (2005) como um elemento do procedimento de conclusão. Tais similaridades formais podem ser consideradas como uma interestrutura de composição, pois as estruturas em questão, a canaleta, a diagramação e o corte cinematográfico executam uma função muito próxima dentro das diferentes formas de narrar a que pertencem.

Ao mesmo tempo, ainda tendo em mente o procedimento de conclusão, como elo de ligação, pode-se relacionar a estrutura da diagramação ao corte cinematográfico (Eisenstein, 2014, versão Kindle.) também, visto que em ambos, corte e canaleta, há, assim como na diagramação do romance, um vácuo espaço-temporal separando as cenas da narrativa.

Essa macro organização das cenas dentro do romance é espelhada pela organização do discurso narrativo, o qual também se realiza por meio do corte entre frases, mais precisamente, pela organização coesiva por meio da pontuação somente, em outras palavras, por uma ausência, ou, no mínimo, por um esvaziamento, uma diminuição dos conectivos, como se pode observar no exemplo abaixo:

Ela entra. Traz uma sacola, dessas de feira, repleta de utensílios de estanho. Chuto. Acha pouco. A vida é dura. Esses objetos têm história. Desculpe o cheiro.

127 Vem do ralo. (MUTARELLI, 2011, p. 80)

Como se vê acima, há no romance uma visualidade pulsante que se aproxima das artes sequenciais, cinema e quadrinhos, porém essa proximidade é também decorrente de uma incorporação na estrutura do romance que decorre de uma proximidade da forma narrativa da obra de Mutarelli entre duas formas de literatura que se estabelecem pela sua visualidade, a poesia e o roteiro.

No que toca ao roteiro, a proximidade ocorre pelo uso de verbos em sequências, o que indica uma constante presença de ações na narrativa, uma fluidez de movimento das sequências narradas, ou seja, a narrativa parece narrar-se a si própria, como se as ações ocorressem deslocadas da narração:

Tiro o fone do gancho. Pode mandar entrar. Ele entra.

Traz num embrulho uma porção de soldadinhos de chumbo. Finjo emoção.

Mostro-lhe o olho, conto como meu pai o perdeu. (MUTARELLI, 2011, p. 55)

Neste pequeno excerto de trinta palavras, dez delas são verbos e isto significa que um terço do parágrafo inteiro se compõe de ações, havendo pelo menos um verbo em cada sentença, como “entrar”, “fingir” e “trazer”, mas na primeira e na última frase, a presença de mais de um verbo por sentença em “tirar”, “poder”, “mandar”, “entrar”, assim como “mostrar”, “contar” e “perder”.

Essas ações apresentadas por verbos são acompanhadas dos complementos e dos sujeitos destas sentenças, mas o fato de eles estarem dispostos em parágrafos isolados fragmenta as sentenças como ações e momentos distintos, dessa forma, cada sentença se transforma em uma pequena tomada cinematográfica, ou uma pequena vinheta.

Como dito por Figueiredo (2011, p. 22) acerca do romance de Mutarelli, “predominam formas verbais no presente e frases nominais – recursos que tendem a presentificar as cenas narradas, como ocorre no cinema”, portanto, os diálogos de O cheiro do ralo, na forma como são apresentados ao leitor, podem ser vistos como um elemento de ligação importante com a forma do roteiro, pois neste os diálogos são compostos em sentenças curtas, o que aproxima a velocidade destes com a velocidade dos diálogos do roteiro que cria o material narrativo da estética fílmica de composição.

128 Para Figueiredo (2011), então, a presentificação da narrativa de Mutarelli é uma marca fortemente cinematográfica da narração e ela destaca que o uso deste procedimento faz parte de um movimento dialético, porque formas narrativas primeiramente literárias, após serem transpostas para o cinema, retornam à literatura modificadas, assim, a encomenda dos romances como roteiros não fornece apenas o material temático para novos filmes, mas desperta atenção para o roteiro enquanto gênero literário, ou seja, uma renovação da forma da escrita de acordo com novas explorações estéticas.

Todavia, os diálogos curtos e rápidos são também um elemento da escrita quadrinística, como já visto, porque nos quadrinhos tais diálogos precisam ocorrer em espaços limitados pelo tamanho do balão de fala e da vinheta que o agrega e como, normalmente, tais espaços são curtos, há a demanda de um diálogo que se adeque ao mesmo.

Por outro lado, na aproximação com o poema, pode-se perceber como a quebra dos parágrafos no fluxo da narração os assemelha à forma poemática, por conta da singularidade paragrafal que faz com que os mesmos se assemelhem também a versos brancos e livres, e, por sua vez, aproxima as cenas de estrofes. O efeito de hibridismo com a forma poema se intensifica com a sonoridade do texto, pois como se pode ver no exemplo abaixo há a criação de uma rima ao fim da cena.

Ele diz que sou filho da puta.

Tempestade colhe quem vento plantou. Johnny Bravo apanha na cara.

Na parede, Rosa e Azul.

Tiro Valêncio Xavier da estante. Deito na cama que fiz.

As pessoas morriam de gripe.

No mundo que eu mesmo quis. (MUTARELLI, 2011, p. 24)

Aqui a narração vai se mesclando a elementos sensoriais e a imagens da cultura em forma de sentenças desgarradas. A junção do fim do diálogo realizado com o pai da ex-noiva: “Ele diz que sou filho da puta”, intercala-se com o desvio do foco da personagem que cria associações paralelas ao abandono do casamento com o ditado oral: “Quem planta vento, colhe tempestade”, criando uma imagem de ação e consequência relacionadas à narração por meio de dois elementos distintos e aparentemente desconectados, ou seja, retoma-se, mesmo em uma forma poemática, o conceito de montagem (EISENSTEIN, 2014).

129 Essas experiências sensoriais se formam em conjunto com a percepção da voz narrativa sobre o espaço, porque a televisão ligada apresenta o personagem de desenho Johnny Bravo, e o ato deste personagem apanhar na cara por sua misoginia e canalhice remete também ao convívio do protagonista com a ex-noiva, a qual o atacou quando do término do noivado, assim como à própria canalhice do protagonista. Ademais, novamente, por meio de imagens opostas na sensação, cria-se um novo elemento na montagem.

Mas o centro de maior significação poética dessa cena decorre das três últimas sentenças, pois em sua referência à obra de Valêncio Xavier, O mez da grippe (1998), o narrador utiliza-se do título e do tema da obra do outro escritor para descrever o contexto atual da narração, visto que é em decorrência de suas ações que sua ex-noiva tenta o suicídio e, novamente aqui, este efeito se forma por uma técnica semelhante à montagem.

Tendo isso em vista, pode-se afirmar que o paralelo da técnica cinematográfica com a técnica poética não é inusitado, dado que, na obra de Mutarelli, o mesmo ocorre pelo uso do paralelismo associativo em conjunto da técnica de visualidade, isto é, a evocação de imagens pelo texto cinematográfico é próxima de um tipo de construção poética que se vale dessa mesma estrutura para evocar sensações. Para Richardson, tal estrutura é própria da poesia moderna:

Entre as formas modernas de literatura, a poesia recorrentemente parece mais próxima do filme do que qualquer outra, especialmente no que toca à técnica, como o uso da visualidade e o uso da lógica associativa. Nós nos acostumamos a traçar a poesia moderna remontando até o século dezenove; também se pode perceber que certos elementos do estilo do filme moderno remontam às mesmas fontes. (RICHARDSON, 1969, p.24, tradução minha)49

É neste sentido que Richardson realiza um paralelo entre a poesia de Walt Whitman e a técnica de filmagem de D. W. Griffith, pensando em um método de composição fílmica que nasce na literatura primariamente pelo tratamento das imagens poéticas e do ritmo do verso poético e que, posteriormente, transporta-se para o cinema.