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2. A CAIXA DE AREIA OU EU ERA DOIS EM MEU QUINTAL

2.2. Análise estrutural

Nesse sentido, as primeiras páginas do romance gráfico mutarelliano apresentam um ritmo lento, visto que sua diagramação específica, dentre as páginas sete até a vinte e três, é composta por uma única vinheta de página inteira, a qual é oposta por uma página completamente em branco. Esta parte especialmente diagramada pode ser considerada como um prólogo de vinte páginas de duração, contendo dez vinhetas narrativas, sendo que nestas dez, uma é uma vinheta que ocupa uma página dupla.

Neste prólogo há nove quadrados narrativos e nove páginas completamente brancas que se intercalam com as páginas de vinheta inteira, sendo que as páginas brancas ocupam a numeração par e as vinhetas a numeração ímpar das páginas do romance gráfico, como se pode ver na figura 7 abaixo:

Esse quadrado narrativo se aproxima da função introdutória dos recordatórios que retomam uma narrativa passada em uma série contínua de narrativas gráficas, contudo, como se trata de uma obra que começa e termina em si mesma, esse recordatório extrapola os limites da diegese, enfraquecendo as barreiras entre a obra e a realidade do leitor, pois seu texto se entranha com a genealogia do autor do romance gráfico: “Meu nome é Lourenço / Porque o nome de meu pai era Lourenço.” (MUTARELLI, 2005, p. 7). Isso faz com que esse recordatório possa ser considerado como parte da diegese e como também extra-diegético, o que dá um sentido de continuação da narrativa, não de uma narrativa anterior, mas da vida do autor, como se vida e obra se misturassem.

83 Mais precisamente para a ideia proposta no romance gráfico, essa função do recordatório retoma a vida do autor real e do autor ficcional em conjunto, pois a intenção buscada é justamente a de que não há diferenciação entre real e ficção, visto que tudo é, para o romance gráfico, ficcionalizado, tudo é tornado história, logo, tudo é, em si, uma forma de

narrativa, uma história a ser contada, ou lembrada, em suma, tudo é representação, o que é, para a obra, exatamente o mesmo que narrar diariamente sua existência ao acordar.

Dessa forma, as barreiras entre ficcionalidade e realidade começam a ser questionadas ao início do romance gráfico, o qual impõe ao leitor que se debruce sobre a questão da arte e da própria realidade como representação. Todavia, se esta questão é posta, ao mesmo tempo revela-se que a obra, como representação que é, também está em uma situação performática, na medida em que, manipula e atua a construção dessa percepção subjetiva do real, inclusive falseando a sua vinculação ao real por meio de uma pretensa autobiografia.

Na imagem abaixo se pode notar que a metaficcionalidade da obra se intensifica com a inserção não apenas da genealogia do autor no âmbito textual, mas diretamente com a imagem

84 do mesmo e de sua família, os quais tornam-se personagens, mas, nesse ponto, a narrativa evidencia o seu aspecto de representação, porque assim como o quadro Olympia (1863), de Manet, aponta ao leitor sua condição de representação, rompendo com a ilusão de realismo clássico e evidenciando a distância entre signo e objeto, a imagem do autor e a presença do mesmo e de personagens do cotidiano atuam no romance gráfico com a função de destacar a distância, facilmente ignorada, entre ser e imagem, entre autor e personagem, doravante, o que se evidencia na metaficcionalização do autor-protagonista é justamente esta distância entre ser e representação, muito mais do que a vinculação da obra a uma realidade autobiográfica.

Essa situação, por outro lado, também brinca com uma questão mercadológica das narrativas contemporâneas: a inserção da imagem de um autor dentro da narrativa, como se percebe na análise de Tânia Pellegrini (1993) sobre as obras de Sérgio Sant’Anna e Caio Fernando Abreu, assim como na presença constante de autobiografias e histórias baseadas em fatos reais nas estantes de livrarias entre os best-sellers de literatura e quadrinhos. Desse modo, a aproximação da imagem do autor Mutarelli à sua obra pode ser vista tanto como uma estratégia de venda, quanto como uma paródia dessas narrativas que se propõem a ser factuais, a aprisionarem a realidade para uma sociedade que cada vez mais se aprisiona em simulacros.

No que toca ao ritmo da obra, a estruturação narrativa do prólogo emula o procedimento narrativo do cinema, pois cria-se a ilusão de imobilidade de tela, visto que se mantém o fundo da imagem desenhada, o deserto, mas adicionam-se figuras, personagens, aos poucos, criando a sensação de um movimento temporal em uma tela estática. Esse processo, porém, reduz o ritmo de leitura entre as páginas por conter apenas uma imagem de destaque, fazendo com que o leitor dedique uma maior atenção à mesma e, do mesmo modo, a aparente repetição do cenário ao fundo, cria uma sensação de estagnação, de movimento lento. O crítico Líber Paz destaca aqui a importância da página em branco que se dispõe lateralmente. Para ele:

85 Esse recurso faz com que, a cada virada de página, visualizemos um dos quadrinhos ocupando quase a totalidade de uma página ímpar ao lado de uma página par vazia. O vazio da página adjacente, a presença de um único quadrinho e o ato de virar a página produzem uma noção de passagem de tempo, algo equivalente a uma suave e lenta transição de imagens em um filme. Essa noção de passagem de tempo vai se acentuar ainda mais devido às imagens contidas em cada quadrinho. (PAZ, 2008, p.185-186)

Este procedimento no romance gráfico pode ser considerado como uma

interestruturalização de composição, porque existe aqui uma reprodução, ou pelo menos

uma tentativa de se reproduzir o modo como o cinema, outra forma de arte, estrutura sua narração, na medida em que o cinema dispõe ao espectador a sua narrativa valendo-se de uma exibição sincrônica de imagens que se sobrepõem em um painel, uma tela, e este processo,

86 para ser reproduzido nos quadrinhos, encontra maior dificuldade, dado o caráter de justaposição espacial das imagens.

Portanto, a operação realizada por Mutarelli para emular essa estrutura de movimento cinematográfico depende, principalmente, da manutenção de um cenário que sustente sua continuidade, juntamente com a manutenção de uma vinheta única, de uma só página em sequencias para criar um efeito de tela cinematográfica. A aproximação dessa técnica cinematográfica é também a que se vê nas rústicas animações feitas em cadernos por crianças, nesse sentido, além de remeter ao cinema, essa produção também remeteria o leitor à infância e, dessa forma, reforçaria o diálogo que propõe dentro da narrativa sobre a criação da realidade pela imaginação.

Essa leitura da disposição cinematográfica como a representação de um elemento do passado é reforçada pela coloração em cobre do desenho, o qual se assemelha à coloração da fotografia em sépia, pois a viragem em sépia é um procedimento de revelação que utiliza enxofre para tornar a fotografia resistente ao desgaste temporal, contudo, como consequência, a fotografia revelada adquire uma tonalidade acobreada. Paralelamente, esta tonalidade também é encontrada em fotografias desgastadas pelo tempo ao serem armazenadas de forma incorreta, o que deu origem à aproximação entre a viragem em sépia e ao termo “fotografia envelhecida”.

Nesse caso, a ambiguidade do processo de revelação em sépia entre resistência ao tempo e símbolo do desgaste temporal torna ainda mais rica a comparação do prólogo do romance gráfico com este procedimento, pois conjuga-se com a figura do deserto, um espaço da atemporalidade que contrasta com o texto dos quadrados narrativos que expressam o passado genealógico do autor-protagonista, o que cria, em sua união, uma dubiedade da atemporalidade, mas também uma conjunção de um passado imemorial com o limbo do deserto, ou seja, da areia como símbolo da ruína histórica, ou biblicamente, como o ciclo da vida que se encerra, do pó ao pó.

Da mesma forma, para além do efeito de ritmo, a página em branco que se entrelaça à vinheta completa produz um significado mais profundo quando relacionada ao fato de que a narrativa do romance gráfico gira em torno da alegoria do deserto, a qual intermedeia a discussão entre realidade e ficção, visto que a página em branco adquire também uma função temática ao incorporar em sua estrutura o vazio que preenche o espaço deserto, assim como, no virar de páginas, atua como uma capa que enevoa as vinhetas passadas, como se cobertas pelo tempo, vistas apenas parcialmente pela memória do leitor. Esse efeito se intensifica pela

87 repetição do virar de páginas que vão movimentando a narrativa ao adicionar novas figuras dentro de uma mesma imagem, fazendo com que a imagem anterior seja percebida mesmo coberta pela página em branco.

Esse efeito de persistência da imagem passada na página em branco também pode ser associado à figura utilizada no final do romance gráfico, na página 141, que cria a sensação de transformar a imagem da página 140 em uma “pegada na areia”, como posto por Líber Paz, dessa forma, o efeito do resquício, daquilo que resta do passado, da memória ou no caso, da história, apega-se anteriormente nesta sobreposição de páginas do prólogo.

É no prólogo que se inicia também a fusão entre as duas narrativas que se desenvolvem na obra, as quais se intercalam no romance gráfico e apenas se tocam completamente em dois momentos, inicialmente no prólogo e depois apenas no fim da narrativa, sendo, durante o percurso da obra, alternadas como dois universos distintos.

Os personagens das duas histórias, portanto, reúnem-se no banco do deserto, um lugar que não existe geograficamente, mas simbolicamente, como um limbo, um entrelugar. É nesse lócus atemporal que se ligam as duas narrativas, uma dessas histórias, metaficcional, passa-se, a priori, como uma representante do real, como detentora dos valores factuais, contrastando a princípio com a outra narrativa, cujo absurdo da situação dos homens presos no deserto a estabelece, instantaneamente, como ficcional.

Ao estabelecer-se essa dualidade, o deserto então se apresenta como um local no qual tanto a realidade, quanto a ficcionalidade se entrecruzam e pode, numa leitura expandida, ser considerado como uma metáfora para o romance gráfico que o comporta, uma obra que, como toda representação, caminha pela linha tênue da mímese, estabelecendo-se entre a apreensão do real e a ficcionalidade narrativa.

O prólogo termina com uma página dupla que recria a obra de Pieter Brueghel, o Velho, O triunfo da Morte (1562)36, fazendo-o por intermédio da paródia, adicionando

elementos que estabelecem novos significados à obra do pintor flamengo. Dentre estas, a adição mais importante, que salta aos olhos do observador, é a de uma criança gigantesca disposta na lateral direita da imagem que parece brincar com peças de xadrez, as quais confundem-se em tamanho e presença, com as personagens que figuram no quadro, com os esqueletos e os mortos.

36http://www.museodelprado.es/en/the-collection/online-gallery/on-line-gallery/zoom/2/obra/the-triumph-of- death/oimg/0/

88 Um dado interessante dentro da obra é que essa criança retratada possui características físicas que a assemelham a um retrato do próprio Mutarelli, quando criança, feito por seu pai37 e poderia ser vista, desse modo, como um novo indício de metaficcionalidade, como se o autor inserisse sua figura física na obra recriada, pois assemelha visualmente o retrato feito por Mutarelli pai ao retrato que Mutarelli Jr. faz de seu filho Francisco dentro do romance gráfico. Esta linha de pensamento se estabelece pela comparação da representação de um menino nas páginas do prólogo, com o menino gigante no quadro de Brueghel recriado, junto ao menino que surge na página 86 do romance gráfico, implicitamente entendido na narrativa como o protagonista-autor quando jovem.

Abre-se aqui um parêntese para dizer que a citação intertextual do quadro de Brueghel é um bom exemplo de remediação (BOLTER; GRUSIN, 2000), pois ele recria a pintura dentro do romance gráfico de uma forma que a delimitação da linha da vinheta se torne a delimitação da moldura, e que a própria página em branco se torne uma parede na qual a imagem se dispõe. Além disto, este tipo de remediação poderia ser pensado como uma

interestruturalização de imagem em um primeiro momento, pois não há apenas uma citação

ou descrição da pintura, mas, pelo contrário, há um refazer, uma recriação desta que se vale de elementos de sua mídia original, a moldura, por exemplo, para torná-la parte da narrativa, tornada parte da forma desta narrativa e não somente uma ilustração adicional.

Contudo, para além da remediação como um processo interestrutural, há o processo da recriação do quadro de Brueghel em seu aspecto temático dentro do prólogo da narrativa a ser discutido, pois a pintura recriada, por meio da paródia, adiciona, em primeira instância, os significados presentes na obra original, ou seja, a inexorabilidade da morte, o apocalipse, o sofrimento, a passagem do tempo, etc e, ao mesmo tempo, a pintura dá prosseguimento também ao tema da narrativa mutarelliana, visto que ela incorpora tanto o motivo da passagem de tempo quanto os temas lúdicos da infância, ambos parte da narração do autor- protagonista, o qual “recebe” seus antigos brinquedos infantis por meio da areia onde seu gato defeca.

37 Esse retrato está presente na última página do romance gráfico (2005, p. 144) e, consequentemente, dadas as semelhanças genéticas, assim como a temática genealógica expressa no romance, também pode remeter ao filho do autor-personagem, também chamado de Francisco.

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Figura 9: páginas 24 e 25 de A caixa de areia ou eu era dois em meu quintal (2005).

A união da temática do romance gráfico com a temática do quadro de Brueghel, portanto, se realiza pela presença da criança de tamanho divinal que brinca com peças de xadrez em um cenário no qual a morte parece ter vencido. A diferença pode ser observada olhando-se para o original de Brueghel.

O quadro abaixo apresenta um cenário de inexorabilidade no qual a Morte figura como triunfante sobre o homem. Nesse sentido, a alegoria da morte como a passagem de tempo ao qual o homem não pode fugir é concebida na representação de uma paisagem apocalíptica, na qual esqueletos massacram homens e mulheres, independentemente de sua classe social, sexo ou aparência, não havendo fugas nem para reis (baixo canto esquerdo), nem para o clero (altura média do canto esquerdo), o qual é composto, por sinal, pela morte em si, e mesmo os artistas, músicos, possuem a morte em suas costas, reforçando-se assim a impotência geral da humanidade frente ao tempo e à morte.

Nesse sentido o quadro defende uma visão de derrota definitiva, bem alicerçada no título que carrega, já que o triunfo da morte é a derrocada do homem e para este não existe dentro deste quadro nenhuma oportunidade de redenção ou alívio do fardo mortal, pois em

90 qualquer um de seus lados, a morte prevalece soberana. Destaca-se também que as cores da pintura dão um ar ainda mais desolado e escuro à paisagem, reforçando o significado empregado nas figuras.

O quadro de Brueghel traz consigo a filosofia de sua época, logo, pode-se perceber aqui duas leituras da baixa idade média, uma, positiva, prevê o fim de uma era, observa o declínio da idade das trevas e o surgimento de uma nova sociedade, a outra, negativa, vê o fim de um mundo no qual a comunhão entre homem e Deus era uma certeza. Em ambas, percebe- se que a característica unilateral, definitiva, da mensagem, é o reflexo de uma sociedade cujos valores estavam muito bem solidificados, ou seja, a ideia do apocalipse para o homem medieval era uma profecia concreta e não uma leitura metafórica da morte do indivíduo, porque o fim dos tempos estava tão presente na consciência do cidadão medieval quanto as tarefas do cotidiano e é por isso que a inexorabilidade do quadro de Brueghel é tão intensa.

Já a recriação opta por uma releitura que acrescenta, em meio a esse cenário desolado, elementos da infância e do lúdico, os quais quebram com a inexorabilidade presente no quadro do pintor flamengo e criam ao invés de uma unilateral derrota, um sentido duplo de

91 elementos em tensão contínua, isto é, Mutarelli adiciona, em seu desenho, elementos que relativizam o sentido definitivo de Brueghel, tornando a morte muito mais sutil.

Vê-se que a dualidade do desenho de Mutarelli já começa na diagramação escolhida, pois nesta o desenho é apresentado inteiro em duas páginas e não apenas em uma. Esta escolha pela página dupla como meio de apresentação faz com que o miolo do livro divida a imagem do quadro em duas partes, criando assim uma separação, uma duplicação de uma imagem que, em Brueghel, é uniforme, visto que o quadro não possui divisões em sua emolduração.

Nessa divisão material da imagem, deve-se notar que os temas que permanecem “fiéis” ao quadro O triunfo da Morte ocupam o lado esquerdo da imagem, enquanto os elementos adicionados por Mutarelli na releitura da pintura ocupam o lado direito.38 Tal dualidade da disposição espacial recria a duplicidade que se apresenta na imagem do romance gráfico, a oposição entre vida e morte, porém, a divisão vida e morte, apesar de se apresentar em lados opostos do quadro, ainda ocupa o mesmo quadro, a mesma vinheta, o que faz com que esta oposição seja percebida no romance gráfico como dois lados da mesma moeda, passado e presente, morte e vida, mal e bem, ou seja, um ciclo em movimento.

Essa divisão temática entre lados esquerdo e direito na recriação de Mutarelli é também representada na estrutura do desenho, pois este apresenta uma iluminação muito maior no lado direito, página na qual se distribuem a criança e as peças de xadrez, figuras relacionadas aos temas de passado, infância, jogos, vida, enquanto do lado esquerdo a coloração é mais escura, o que reforça os temas apresentados pelos esqueletos e pelo martírio. Dessa forma, a oposição temática entre vida e morte é estruturalmente marcada no desenho por outra oposição, luz e sombra, uma temática presente na própria estrutura material da técnica usada na composição do romance gráfico, o nanquim.

Sobre esta diagramação espacial, se levarmos em conta as citações bíblicas: “Disse o Senhor ao meu Senhor: assenta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” (Salmos 110, 1) e “Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dos mortos, e pondo-o à sua direita nos céus.” (Efésios, 1, 20.), a divisão entre direita e esquerda pode adquirir novos significados na cultura ocidental, porque essa leitura com o intertexto cristão é reforçada pela figura da peça de xadrez que paira no ar, parecendo ascender aos céus, ocupando exatamente o meio da imagem, o miolo de página, dividindo, como uma figura

38 A divisão pelo miolo do livro nos foi primeiramente apontada pelo Professor Dr. Shyamal Bagchee, da University of Alberta, durante reunião de orientação em Edmonton.

92 divinal, o seu entorno entre esquerda e direita, sendo um elemento de intersecção entre vida e morte.

Desse modo, se for tomada a posição da figura que paira como movimento ascendente, tal ato de ascensão é diretamente uma remissão à santidade ou à transcendência do ser mortal para a esfera superior de existência. Neste caso, em uma comparação com o quadro de Brueghel, é interessante notar que não há no O Triunfo da morte menção ao paraíso ou à arrebatação dos fiéis, mas uma condenação democrática dos mortais, já na recriação mutarelliana, a figura que está disposta na interseção do miolo paira sobre o cenário, podendo ser entendida tanto como um santo, anjo ou outra figura superior que observa o plano material, quanto como uma figura em ascensão, uma alma ascendente, o que traz consigo a implícita referência ao firmamento cristão. Obviamente, em se tratando do universo sombrio mutarelliano, nada impediria também uma terceira leitura, a de que esta figura nem ascende,