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A INTERLOCUÇÃO ENTRE OS SISTEMAS EUROPEU E INTERAMERICANO

4 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E À COMUNICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA

4.3 A INTERLOCUÇÃO ENTRE OS SISTEMAS EUROPEU E INTERAMERICANO

Embora inseridos em realidades fáticas distintas e apesar das diferenças culturais, o que poderia demandar críticas acerca de uma possível interlocução em suas decisões, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o Sistema Europeu de Direitos Humanos tem agido de forma a intercambiar seus precedentes em busca do fortalecimento da capacidade de responder aos desafios concernentes a violações de direitos, propiciando proteção mais efetiva aos direitos humanos a nível global. Sob este norte é possível traçar um paralelo entre as decisões trazidas pelos sistemas regionais.

Uma primeira convergência pode ser notada no entendimento da Corte Interamericana acerca das restrições à liberdade de expressão e a sua responsabilização ulterior. Nesse sentido a CIDH, a par das definições contidas no art.13.2 da Convenção Americana já antes referidas (as restrições admissíveis devem ser necessárias para assegurar “o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas” ou “a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas”) tem decidido a partir da orientação fixada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos que se alicerça em três requisitos para as restrições: toda restrição deve estar prevista pela lei doméstica; toda restrição deve perseguir um fim legítimo; toda restrição deve ser necessária em uma sociedade democrática. De acordo com Ulloa (2010) percebe-se, também, a evolução na jurisprudência da CIDH pois em um primeiro momento a atenção da Corte se concentrou no conteúdo da liberdade de expressão, como se percebe no julgamento dos casos A Última Tentação de Cristo v. Chile e Ivcher Bronstein v. Peru, todavia, já em um segundo momento, voltou a atenção às responsabilidades ulteriores e aos requisitos do sistema de restrições estabelecidos pelo Tribunal Europeu, conforme se percebe nos casos Herrera Ulloa v. Costa Rica e Ricardo Canese v. Paraguai, ambos acima expostos. Segundo Adriana Ulloa (2010, p.108) “en una etapa más reciente, volvemos a encontrar un nuevo intento de la Corte por organizar sus reflexiones y dar nueva importancia a las restricciones de la libertad de expresión”.

Vê-se, também, que ambas as Cortes convergem a respeito da relação existente entre democracia e liberdade de expressão. Enquanto para a Corte Interamericana, a liberdade de expressão é um elemento fundamental sobre o qual se embasa a existência de uma sociedade democrática, sendo indispensável a formação da opinião pública através da pluralidade de informações veiculadas conforme afirmado no julgamento do caso Ivcher Bronstein vs Peru

[…] la libertad de expresión es un elemento fundamental sobre el cual se basa la existencia de una sociedad democrática. Es indispensable para la formación de la opinión pública. Es también conditio sine qua non para que los partidos políticos, los sindicatos, las sociedades científicas y culturales, y en general, quienes deseen influir sobre la colectividad puedan desarrollarse plenamente. Es, en fin, condición para que la comunidad, a la hora de ejercer sus opciones esté suficientemente informada. Por ende, es posible afirmar que una sociedad que no está bien informada no es plenamente libre81

... a Corte Europeia tem se manifestado sobre a importância entre democracia e liberdade de expressão, reconhecendo que “a liberdade de expressão constitui um dos pilares essenciais da sociedade democrática e condição fundamental para seu progresso”, bem como “a liberdade de expressão não apenas deve ser garantida no que respeita a difusão de informações ou ideias que sejam consideradas favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também quanto aquelas que ofendem, chocam ou inquietam o Estado ou a população” (MATOS, 2013, p.143-144).

A decisão acima, provinda da Corte Europeia, restou afirmada no caso Sunday Times vs

The United Kingdom82, no qual restou julgada a decisão proferida pela Queen’s Bench

Divison”83 restringindo a publicação do artigo “Crianças com Talidomida: uma vergonha

nacional” pelo periódico Sunday Times, em cuja situação a Corte Europeia decidiu que a censura à veiculação do artigo não correspondia a uma necessidade social grande o suficiente para sobrepor-se ao interesse público na liberdade de expressão.

Da mesma forma, as Cortes convergem acerca dos limites de crítica aceitáveis nos casos que envolvam denúncias à políticos e funcionários públicos. Como visto na análise do caso Canese vs. Paraguai, foi afirmado pela Corte IDH que os limites da crítica aceitável são mais largos no caso que envolva um político em relação a um cidadão comum, pois não poderá haver limitação no contexto do debate político. A seu turno, a Corte Europeia decidiu no caso Lopes

Gomes vs Portugal, nota 34-35 (MATOS, 2013, p.356) que

81Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_74_esp.pdf. Acesso em 07.06.2017. Nota 85, parágrafo 70.

82 Disponível em: https://globalfreedomofexpression.columbia.edu/cases/the-sunday-times-v-united-kingdom/ Acesso em 25.08.2017.

O Tribunal considera a esse respeito que, neste domínio, a invectiva política extravasa, por vezes, para o plano pessoal: são estas os riscos do jogo político e do debate livre de ideias, garantes de uma sociedade democrática. O requente exprimiu, pois, uma opinião, suscitada pelas posições políticas do Sr. Silva Resende, ele próprio um jornalista com presença habitual na imprensa. Certamente que tal opinião podia, na ausência de qualquer base factual, revelar-se excessiva, o que todavia, à luz dos fatos estabelecidos, não se verifica neste caso. Finalmente, convém lembrar que a liberdade do jornalista compreende também o recurso possível a uma certa dose de exagero ou mesmo de provocação.

Portanto, percebe-se que as Cortes – Interamericana e Europeia - apresentam similitude nos princípios de interpretação que adotam acerca das violações à liberdade de expressão, até porque baseiam-se nos propósitos dos documentos internacionais e buscam, conjuntamente, o fortalecimento dos direitos humanos e do sistema internacional de proteção destes.