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PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DA CORTE INTERAMERICANA DE

4 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E À COMUNICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA

4.2 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DA CORTE INTERAMERICANA DE

O direito à liberdade de expressão possui ampla repercussão no âmbito da Convenção Americana de Direitos Humanos, razão pela qual a possibilidade de sua violação foi e é tema tido por relevante a ser levado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos em diversas situações. Os debates decorrentes em tais situações têm levado à evolução da jurisprudência da Corte IDH que em seus julgados tem afirmado a relevância da liberdade de expressão como um direito humano fundamental e suas implicações determinantes no processo democrático, sendo que tais decisões repercutem no âmbito interno dos países envolvidos.

A análise dos casos relatados na presente pesquisa, tidos por leading cases permitiu que fossem verificados determinados precedentes jurisprudenciais que vem sendo consolidados nas decisões da Corte acerca da liberdade de expressão, entre os quais pontuamos: a) a liberdade de expressão engloba diversos aspectos, podendo ser compreendido como um direito individual e coletivo; b) em regra, a liberdade de expressão não admite nenhuma forma de censura, em especial a censura prévia, havendo, entretanto, hipóteses de restrições acolhidas pela CADH; c) a liberdade de expressão é um fundamento essencial de uma sociedade democrática, e uma das condições primordiais do seu progresso e do direito de manifestação de cada um; d) direito ao acesso à informação em poder do Estado.

Em relação ao primeiro precedente entre os acima referidos, a Corte IDH tem afirmado que o conteúdo do direito à liberdade de pensamento e de expressão, protegido pela Convenção Americana de Direitos Humanos, possui uma dimensão individual e uma dimensão social. A dimensão individual consiste no reconhecimento de que nenhum indivíduo poderá ser impedido ou sofrer represálias por manifestar o seu pensamento ou expressar sua opinião. Com respeito à segunda dimensão ínsita no artigo 13 da CADH, trata-se de direito coletivo na medida em que configura um de intercâmbio de ideias e de informações entre as pessoas; compreendendo tanto o direito a comunicar aos outras os pontos de vista, mas também o direito de conhecer opiniões, relatos e informações dos seus pares.

Mais do que isso, a jurisprudência da Corte IDH reconhece que a dimensão individual intrínseca à liberdade de expressão não se esgota no direito a falar, escrever, mas compreende todas as formas de expressão, ou seja, assegura o direito de todo indivíduo a utilizar qualquer meio apropriado para difundir o pensamento e fazê-lo chegar ao maior número de destinatários.

E em referência a sua dimensão coletiva, a Corte afirma que esta deve ser observada em relação aos meios de comunicação em uma sociedade democrática, pois estes são reconhecidos

como verdadeiros instrumentos da liberdade de expressão e não veículos para restringi-la, razão pela qual devem constituir-se em espaços que contemplem a pluralidade e diversidade.

Pelas suas posições afirmadas, percebe-se que a Corte IDH considera ambas dimensões de igual relevância, assegurando que as mesmas sejam observadas simultaneamente para dar efetividade total à liberdade de expressão nos termos do artigo 13 da Convenção Americana.

A concepção dúplice do conteúdo da liberdade de expressão resta referendada pela Corte IDH no julgamento do caso Olmedo Bustos e Outros vs. Chile em sua nota 64; caso Ricardo Canese vs. Paraguai em sua nota 148 e, ainda, no caso Kimel vs. Argentina, em sua nota 53.

Um segundo precedente diz respeito a proibição de censura. De assinalar-se que a realidade latino-americana, construída sob os escombros culturais e políticos dos processos ditatoriais, foi determinante para que se buscasse um marco amplo de liberdade de expressão, tendo por regra ser ilegítima qualquer forma que obste a manifestação do pensamento humano.

Ou seja, de nenhuma maneira se poderá invocar a “ordem pública” ou o “bem comum” como meios de suprimir o direito à liberdade de expressão, especialmente porque tais conceitos devem ser objeto de interpretações restritas, evitando que sejam utilizados como suportes para o desenvolvimento de regimes autoritários.

De toda sorte, a Corte afasta de plano qualquer forma de censura prévia, entendendo-a como uma supressão radical da possibilidade de expressão do pensamento, na medida em que afetam além do direito de se expressar do emissor, atingindo o direito de qualquer pessoa a ter conhecimento das ideias que por meio de qualquer produção intelectual (livros, filmes, peças teatrais) terceiros pretendiam divulgar, violando seu direito a estar informado e afetando uma das condições básicas da sociedade democrática: a formação da opinião pública.

Todavia, a liberdade de expressão não tem caráter absoluto, existindo limites ditados pela Convenção Americana de Direitos Humanos e que vem sendo reconhecidos pela Corte IDH, ainda que tais restrições sejam bem menos amplas que em outros instrumentos. O exame das restrições é importante na medida em que definem os contornos de proteção da liberdade de expressão, conjugando os limites de sua proteção com as hipóteses de sua restrição. Assim que, de acordo com as disposições da CADH são admitidas as seguintes restrições; casos que demandem responsabilização ulterior, situações envolvendo a regulação do acesso dos menores aos espetáculos públicos e a obrigação de impedir a apologia do ódio religioso.

Em relação a primeira das restrições, o precedente interamericano aponta que o direito à livre expressão deve ser exercido sem excessos ou abusos de forma a não ferir a reputação de outras pessoas, a segurança nacional e a ordem pública, do que demandaria a responsabilização posterior. Não obstante, ressalva que por ser uma restrição, cada situação deve ser analisada à

luz da pertinência, da proporcionalidade e da racionalidade para ponderar-se se houve ou não abuso a justificar a repressão da livre manifestação, não se admitindo que sejam tidas de forma ampla e deste modo limitem, além do estritamente necessário, o pleno alcance da liberdade de expressão, convertendo-se em um mecanismo indireto de censura.

Esta análise resta apreendida a partir do julgamento do caso Canese vs. Paraguai onde afirmado pela Corte IDH que os limites da crítica aceitável são mais largos no caso que envolva um político em relação a um cidadão comum, pois não poderá haver limitação no contexto do debate político. Isso não significa que os políticos (ou funcionários públicos e figuras públicas em geral) não tenham seu direito à honra protegido, mas que se deve sopesar o seu direito e o direito da sociedade a ter acesso a informações de interesse público a eles relativas, pois a estas pessoas (agentes públicos) se aplicam limiares diferentes de proteção, considerando a natureza de suas atividades e a sua investidura pública.

As demais restrições admitidas estão explicitamente elencadas no art. 13 da Convenção Americana e tem por objetivos, explícitos, a proteção moral da infância e da adolescência, assim como assegurar a convivência pacífica mediante o afastamento de toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

De resto, todo impedimento é ilegítimo e afronta ao Estado de direito, à democracia e aos direitos humanos e a sua impossibilidade vem afirmado pela Corte IDH no julgamento do caso Olmedo Bustos e Outros vs. Chile em sua nota 72; caso Ricardo Canese vs. Paraguai em sua nota 72 e, ainda, no caso Kimel vs. Argentina, em sua nota 54.

Outro entre os precedentes reiterados nas decisões da Corte é o reconhecimento que a liberdade de expressão possui papel essencial na dinâmica de uma sociedade democrática, em especial na no âmbito latino-americano em que muitos países enfrentam a transição de regimes ditatoriais para regimes democráticos, momento em que a liberdade de expressar as opiniões e o pensamento é particularmente relevante para formação da opinião pública. Para tanto também é imprescindível que haja uma ampla circulação de notícias, ideias e opiniões para que todos sejam suficientemente informados e, assim, exerçam suas opções. Neste contexto, a Corte aponta que uma sociedade que não é bem informada não é plenamente livre e sem uma efetiva liberdade de expressão a democracia desvanece e cria-se um campo fértil para que os sistemas autoritários se solidifiquem.

Sob outro ângulo, mesmo nas democracias consolidadas, a liberdade de expressão tem um papel significativo na medida em que permite o controle democrático, ou seja, permite uma forma de fiscalização dos agentes e das ações estatais, confrontando-as com a vontade popular. Segundo Adriana Ulloa (2010, p.29),

[…] la opinion pública también juega un papel importante en la sociedad democrática ya que, como lo ha señalado la jurisprudencia interamericana, con el ejercicio de su libertad de expresión fomenta la transparencia de las actividades estatales y promueve la responsabilidad de los funcionarios públicos sobre su gestión pública.80

Desta forma, resta compreendido pela Corte IDH que o controle democrático por parte da sociedade ocorre através da opinião pública e da participação nas decisões e na fiscalização das atividades estatais, o que somente resta garantido no caso de haver ampla liberdade para as manifestações e informações circularem.

Esta indicação resta contida no julgamento do caso Ricardo Canese vs. Paraguai em sua nota 82 e, ainda, no caso Kimel vs. Argentina, em sua nota 23.

Em específico no julgamento do Caso Kimel vs. Argentina, a Corte IDH analisou o papel dos meios de comunicação em uma sociedade democrática, pronunciando-se acerca da importância de garantir-se liberdade de expressão frente aos canais e profissionais relacionados à comunicação social, afirmando que o Estado não deve apenas evitar as restrições à circulação da informação, mas deve, também, promover o pluralismo informativo, assegurando condições estruturais que permitam uma equitativa expressão de ideais nos meios de comunicação.

Assim, a liberdade de expressão requer que os meios de comunicação social acolham a todos sem discriminação, ou seja, ofereçam condições igualitárias para que todos indivíduos ou grupos possam se manifestar, servindo como veículos da livre manifestação, posto que apenas uma sociedade informada de forma ampla e plural permite que seus cidadãos façam escolhas.

Ademais, a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza deve ser considerada independente das fronteiras e se incluem toda forma de expressão artística ou intelectual, resta afirmado no caso Bronstein vs. Peru, nota 145.

Por fim, a Corte IDH tem afirmado a vocação ampla da Convenção Americana em torno do artigo 13 da CADH, admitindo como precedente o reconhecimento do direito de acesso às informações em poder do Estado, exigindo a máxima divulgação, transparência e publicidade a respeito de suas atuações e das informações que detenham. Isso porque o acesso à informação é um instrumento fundamental no controle dos cidadãos a respeito da atividade administrativa, permitindo o exercício dos direitos políticos, inclusive na exigência de respostas e reparação à atos já cometidos, como afirmado no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil.

80 A opinião pública também desempenha um papel importante na sociedade democrática, uma vez que, como foi apontado na jurisprudência interamericana, o exercício da liberdade de expressão promove a transparência das atividades estatais e promove a responsabilidade dos funcionários públicos em sua gestão pública.

Como procurou se demonstrar, a Corte Interamericana de Direitos Humanos através de suas decisões tem buscado afirmar um marco de proteção à liberdade de expressão como elemento de consolidação democrática e como fonte de intercâmbio com outros sistemas de proteção, de forma a concluir-se pela sua relevância no tratamento da matéria e da sua proteção em nível global.

4.3 A interlocução entre os sistemas europeu e interamericano acerca de standards em