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Voz e democracia: a liberdade de expressão na esfera interamericana de direitos humanos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

CIBELE FRANCO BONOTO SCHAFER

VOZ E DEMOCRACIA: A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA ESFERA

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

IJUÍ (RS) 2017

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CIBELE FRANCO BONOTO SCHAFER

VOZ E DEMOCRACIA: A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA ESFERA

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Dissertação final do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Direito.

Orientadora: Profª Drª Vera Lucia Spacil Raddatz

IJUÍ (RS) 2017

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Catalogação na Publicação

Eunice Passos Flores Schwaste CRB10/2276

S296v Schafer, Cibele Franco Bonoto.

Voz e democracia: a liberdade de expressão na esfera interamericana de direitos humanos. / Cibele Franco Bonoto Schafer. – Ijuí, 2017. –

113 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientadora: Vera Lucia Spacil Raddatz”.

1. Liberdade de expressão. 2. Democracia. 3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. I. Raddatz, Vera Lucia Spacil. II. Título.

CDU: 342.727

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

VOZ E DEMOCRACIA: A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA ESFERA

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

elaborada por

CIBELE FRANCO BONOTO SCHAFER

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Profª. Drª. Vera Lucia Spacil Raddatz (UNIJUÍ): ___________________________________

Prof. Dr. Rafael Santos de Oliveira (UFSM): _______________________________________

Prof. Dr. Maiquel Angelo Dezordi Wermuth (UNIJUÍ): ______________________________

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Não existe pesquisa solitária. Esta dissertação teve o estímulo e a presença, silenciosa ou não, de pessoas que amo e de outras que vieram somar ao meu bem-querer. A todas eu gostaria de agradecer.

Então, à minha filha, ao meu marido, aos meus irmãos e meus sobrinhos, aos meus colegas de trabalho, obrigada pela compreensão cúmplice nas horas de ausência. A vocês o meu amor.

A todos os professores do Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí, obrigada pelos seus atos e suas falas que inspiraram o caminho percorrido durante a pesquisa. A vocês a minha admiração.

Além de todos, há alguém que especialmente desejo agradecer: a minha orientadora, Profª Vera Lucia Spacil Raddatz que além de seus ensinamentos e da direção nesse percurso, se mostrou um exemplo de acolhimento e afeto, dando sentido ao que é viver o respeito aos direitos humanos. Alguém disse que “a gratidão é a lembrança do coração”, assim que a você, Profª Vera, a eterna lembrança no meu coração.

Por fim, a Deus por me permitir ser quem sou e estar aqui. A Ele, a minha fé.

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Se a liberdade foi conquistada, como explicar que entre os louros da vitória não esteja a capacidade humana de imaginar um mundo melhor e de fazer algo para concretizá-lo? E que liberdade é essa que desestimula a imaginação e tolera a impotência das pessoas livres em questões que dizem respeito a todos?

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RESUMO

A presente pesquisa parte do questionamento da relação dentre os standarts fixados a partir da atuação do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos e o avanço ou retrocesso no processo de afirmação das democracias latino-americanas, tendo como objetivo principal analisar o tratamento axiológico dado à liberdade de expressão no âmbito interamericano da proteção aos direitos humanos. Para consecução do objetivo, o percurso metodológico adotado é pautado no método fenomenológico e para a abordagem do problema se faz uso do método qualitativo buscando traçar um espaço de interlocução entre o objeto de estudo – a liberdade de expressão – e sua compreensão no âmbito do sistema interamericano. No primeiro momento se busca expor as premissas teóricas da liberdade de expressão a partir da matriz dos direitos humanos, bem como traçar uma trajetória na construção do conceito do direito à comunicação, para ao final demonstrar-se a relevância de ambos conceitos – liberdade de expressão e direito à comunicação – como elementos estruturais da democracia mediante o estudo destes elementos e de como são percebidos no mundo. A seguir, se faz uso da pesquisa bibliográfica para trazer um aporte teórico sobre os sistemas de proteção de direitos humanos, em especial, à proteção do direito à liberdade de expressão, dando-se ênfase à esfera interamericana, compreendida neste estudo pelo conjunto formado pelos órgãos que compõe o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e as Constituições de países que o integram. Por fim, a pesquisa busca analisar leading cases julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, envolvendo violação ao artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos que trata do direito à liberdade de expressão, e a partir da análise destes, apontar os principais pressupostos jurisprudenciais internacionais que informam o tratamento a ser dado na ordem jurídica interna dos países latino-americanos ao direito de expressão e sua relevância para a manutenção dos regimes democráticos.

Palavras-chave: Liberdade de Expressão. Democracia. Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

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ABSTRACT

The present research starts from the questioning of the relation between the standarts established from the performance of the Inter-American System of Protection to Human Rights and the advance or retreat in the process of affirmation of the Latin American democracies, with the main objective to analyze the axiological treatment given to freedom expression in the inter-American context of the protection of human rights. In order to achieve the objective, the methodological course adopted is based on the phenomenological method and to approach the problem is made use of the qualitative method seeking to draw a space of interlocution between the object of study - freedom of expression - and its understanding within the scope of the system inter-American In the first stage, the objective is to expose the theoretical premises of freedom of expression from the human rights matrix, as well as to draw a trajectory in the construction of the concept of the right to communication, in order to demonstrate the relevance of both concepts - freedom of expression and the right to communication - as structural elements of democracy through the study of these elements and of how they are perceived in the world. Next, bibliographic research is used to provide a theoretical contribution on the systems of protection of human rights, especially the protection of the right to freedom of expression, with emphasis on the inter-American sphere, understood in this study by the group formed by the organs that make up the inter-American system for the protection of human rights and the constitutions of its member countries. Finally, the research seeks to analyze leading cases judged by the Inter-American Court of Human Rights, involving a violation of Article 13 of the American Convention on Human Rights, which deals with the right to freedom of expression, and from the analysis of these, point out the main international jurisprudential presuppositions that inform the treatment to be given in the domestic legal order of the Latin American countries to the right of expression and its relevance for the maintenance of the democratic regimes.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...09

2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITOS HUMANOS...14

2.1 O DIREITO HUMANO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO...21

2.2 A COMUNICAÇÃO COMO DIREITO HUMANO...29

2.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO: A VOZ NA DEMOCRACIA...36

3 SISTEMAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO ...44

3.1 PARÂMETROS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO ...46

3.2 SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS...54

3.3 SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS...58

3.3.1 Sistema Regional Europeu de Proteção dos Direitos Humanos...59

3.3.2 Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos...63

3.3.3 Sistema Regional Africano de Proteção dos Direitos Humanos...70

3.3.4 A proteção dos direitos humanos nos países árabes...73

3.4 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS NORMAS DE PROTEÇÃO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA AMÉRICA LATINA...75

4 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E À COMUNICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS...80

4.1 JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO...82

4.1.1 Caso Olmedo Bustos e outros vs. Chile (caso A Última Tentação de Cristo)...83

4.1.2 Caso Ivcher Bronstein vs. Peru...86

4.1.3 Caso Canese vs. Paraguai...88

4.1.4 Caso Kimel vs. Argentina...89

4.1.5 Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil (caso Guerrilha do Araguaia)...91

4.2 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ACERCA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO...93

4.3 A INTERLOCUÇÃO ENTRE OS SISTEMAS EUROPEU E INTERAMERICANO ACERCA DE STANDARTS EM MATÉRIA DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO ...97

5 CONCLUSÃO... 100

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1 INTRODUÇÃO

A liberdade de expressão é um requisito fundamental para realização plena do homem na medida em que através das mais diversas formas – literatura, arte, música, opinião – o indivíduo dá vazão aos seus sentimentos e às suas percepções sobre a vida, sobre o outro, sobre o mundo e, assim, se constrói enquanto sujeito e define a sua identidade.

Diante disso, a liberdade de expressão é um direito de toda pessoa, em condições de igualdade e sem discriminação de qualquer espécie, haja vista tratar-se do direito que exterioriza a habilidade fundamental que caracteriza os seres humanos como indivíduos: o pensar.

Esta afirmação leva à certeza de que o direito à livre manifestação de pensamento é um entre os direitos humanos na medida em que se trata de um direito individual que garante uma das mais importantes liberdades: o direito a pensar o mundo a partir da própria perspectiva e a compartilhar livremente ideias e sentimentos.

Sob esta perspectiva, a liberdade de expressão transcende o universo particular do ser humano e alcança uma concepção dialógica, constituindo, assim, o direito à comunicação, o qual permite a emancipação da pessoa através das trocas de informações e de opiniões com os demais e onde se constrói o conhecimento e a livre circulação de informações. Por assim ser, o direito humano de liberdade de expressão, que traz implícito o direito à comunicação, necessita garantir um espaço ao pluralismo para a manifestação dos indivíduos a bem de concretizar a diversidade de opiniões que emergem das múltiplas relações humanas, além de garantir que a dimensão civil da sociedade, informada, assegure o rumo das ações do Estado.

Percebe-se, então, que o direito à liberdade de expressão não resta restrito à esfera pessoal, haja vista que o direito ao livre expressar-se constitui o ser tanto enquanto indivíduo, como enquanto cidadão, posto que a partir da difusão e troca de ideias – ou o encontro de todas as partes da verdade a que se refere Mill (2011) – se torna possível construir, através de um processo deliberativo, um modelo democrático de sociedade. Nesta perspectiva, a liberdade de expressão traça uma relação estrutural com a democracia, na medida em que viabiliza o debate e possibilita ao cidadão o acesso às opiniões e informações sobre assuntos públicos.

Assim, a livre expressão em sua ampla concepção é relevante para o desenvolvimento pleno do indivíduo, constituindo-se em um direito que incide não apenas sobre o sujeito da comunicação isoladamente (portador da ideia) mas sobre o processo comunicativo como um todo (a troca de ideias), o qual é essencial à afirmação e ao desenvolvimento da democracia.

Por esta razão a liberdade de expressão resta reconhecida dentre os direitos humanos a partir do disposto no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece

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que “todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”, documento este que serve como princípio básico para outros instrumentos internacionais, a partir dos quais restam formulados parâmetros para concretização do direito humano de liberdade de expressão.

O tema também tem destaque na dinâmica dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos (europeu, interamericano, africano), os quais compõem a ordem internacional e tem como fundamento servir de instrumentos para o avanço e concretização das garantias aos direitos humanos no âmbito interno dos Estados e para a prevenção de retrocessos nos sistemas democráticos. Mais especificamente no âmbito do sistema interamericano, verifica-se o esforço para o desenvolvimento doutrinário sobre o tema, tendo como marco a Convenção Americana de Direitos Humanos, além de outros instrumentos normativos como a Declaração de Princípios da Liberdade de Expressão e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos que unem-se no objetivo de fortalecer sistemas democráticos pluralistas e deliberativos mediante a proteção a livre circulação de informação e ideias, sem descuidar da regulação democrática dos meios de comunicação de concessão pública como garantia de espaços plurais de expressão. Sobre estas premissas, então, se alicerça a presente pesquisa que teve origem a partir do problema pautado na ação do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos ao fixar standards sobre liberdade de expressão: avanço ou retrocesso para a democracia? Sob esta instigação, procurar-se-á testar a hipótese de que a indicação de padrões interamericanos baseados na ausência de censura e na garantia de diversidade, pluralismo, convalida a proteção ao direito humano de liberdade de expressão e o fortalecimento da democracia.

Assim, esta pesquisa tem como objetivo principal investigar e analisar as indicações teóricas e jurisprudenciais sobre o direito à liberdade de expressão emanadas dos organismos internacionais que compõem o sistema interamericano de direitos humanos e suas implicações na afirmação da democracia nos países latino-americanos.

Como objetivos secundários se propõe a demonstrar a amplitude conceitual da liberdade de expressão como um elemento significante do indivíduo, da sociedade e da democracia; a discorrer sobre o direito à liberdade de expressão e sua concretização através do pleno exercício do direito à comunicação; a apurar os parâmetros internacionais de proteção à liberdade de expressão no âmbito dos sistemas global e regionais de direitos humanos e, por fim, identificar

standards contidos em diretrizes e jurisprudência provenientes dos instrumentos e organismos

do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos acerca da liberdade de expressão, analisando-os sob a ótica da afirmação democrática.

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O percurso metodológico traçado para esta pesquisa parte do axioma que a liberdade de expressão é um entre os direitos humanos para, através do método fenomenológico, verificar a proteção internacional sobre tal direito na afirmação do ideal democrático. Para abordagem do problema, se faz uso do método qualitativo buscando traçar um espaço de interlocução entre o objeto do estudo e a sua compreensão no âmbito do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos a partir da pesquisa bibliográfica acerca do aporte teórico já existente e sobre os documentos internacionais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O estudo foi organizado de modo que cada um dos capítulos constitua um contributo autônomo, mas compondo uma visão de conjunto que, ao final, interligue a análise das decisões internacionais tendo como escopos a liberdade de expressão e a democracia.

No primeiro capítulo, sob o tema da Liberdade de Expressão e Direitos Humanos se apresenta um panorama conceitual para a compreensão do direito à liberdade de expressão e a sua inserção entre os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, haja vista tal direito estar assentado sobre um imperativo moral fundado na proteção da autonomia individual, sendo condição para o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo enquanto agente autônomo e consciente, permitindo-lhe o controle de suas próprias ações e destino, traduzindo, assim, uma dimensão da sua dignidade pessoal.

Nesta ótica, o capítulo trata do direito humano à liberdade de expressão a partir do reconhecimento de que tal liberdade transcende a ideia do livre pensamento e se exterioriza em várias formas como o livre manifestar/cultuar religioso, a liberdade de expressão intelectual e artística, a livre demonstração das manifestações culturais, traduzindo-se na auto realização da personalidade humana. Tal liberdade, portanto, deve ser direcionada a todas as formas pelas quais os indivíduos manifestam as suas percepções do mundo, permitindo-lhes partilhá-las com os demais. Assim, a liberdade de expressão abrange as manifestações de pensamento, opiniões, da consciência, de ideias, de crenças e juízos de valor e deve restar assegurada a todo indivíduo como forma de garantir-lhe uma existência humana digna.

Sem descuidar-se da dimensão individual do direito à livre expressão, o capítulo em questão abordará, ainda, o direito à comunicação abrangendo a dimensão coletiva da liberdade de expressão que se traduz no direito do cidadão de comunicar e de ser comunicado, ou seja, de expor fatos e opiniões e de tomar conhecimento dos fatos que envolvem as questões públicas, de forma a assegurar-lhe a condição de ator social na medida em que possa fazer escolhas livres e conscientes, exercendo, desta forma, a sua participação democrática.

Sob tais perspectivas, ao final deste capítulo, dedicar-se-á a análise da relação entre a liberdade de expressão, o direito à comunicação e a democracia. Esta análise se justifica no fato

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de que é a liberdade de expressão que sustenta o debate público no qual o indivíduo desenvolve argumentos sobre as questões da vida comum, amalgamando condições para que se forme, em instâncias não governamentais, uma opinião crítica sobre a vida em coletividade. Desta forma, o debate público constitui um elemento básico da democracia e somente se torna possível em um ambiente onde garantidos a diversidade, o pluralismo e a liberdade de manifestação.

A partir dos pressupostos estabelecidos no capítulo anterior, o segundo capítulo busca sistematizar o estudo acerca dos Sistemas de Proteção Internacional dos Direitos Humanos, valendo-se dos instrumentos e mecanismos internacionais incidentes sobre o tema. No primeiro momento, a partir da apresentação contextual do processo de universalização dos direitos humanos, a pesquisa analisa os instrumentos internacionais de proteção ao direito à liberdade de expressão no âmbito do sistema global, tratando da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotados em 1966, enquanto referenciais para a adoção de medidas efetivas de garantia à liberdade de expressão. Nesta ótica da liberdade de expressão nos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos europeu, americano e africano, a pesquisa segue discorrendo sobre aspectos relativos a institucionalização dos sistemas de promoção dos Direitos Humanos ao longo do Século XX, a partir das suas três principais vertentes: o sistema europeu, o sistema americano e o sistema africano, procurando descrevê-los e demonstrar a abordagem do objeto de estudo na perspectiva do Convenção Europeia para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos, dentre outros instrumentos normativos que as amplificam. Não se olvidou, ainda, de tecer considerações sobre o incipiente sistema árabe de proteção aos Direitos do Homem.

Ao cabo deste capítulo, a pesquisa se volta para a liberdade de expressão no âmbito das Constituições dos países que compõem o bloco latino-americano buscando demonstrar qual o atual estado da arte do objeto estudado no âmbito constitucional latino-americano.

No terceiro e último capítulo, tomam-se alguns casos referenciais ou leading cases1

acerca do debate sobre a liberdade de expressão no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos para analisá-los a partir das abordagens que constituem a sua jurisprudência sobre esta matéria e que consolida o pressuposto quanto a importância da liberdade de expressão dentro do catálogo dos direitos humanos, haja vista ser compreendida como uma qualidade que

1 De acordo com Guido Fernando Silva Soares (1999, p.40), o leading case é uma decisão que tenha constituído em regra importante, em torno da qual outras gravitam, ou seja, que “cria o precedente, com força obrigatória para casos futuros".

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acompanha e caracteriza o ser humano e lhes permite desenvolver todo o seu potencial criativo na arte, na ciência, na tecnologia, na convivência e política, além de ser um componente básico da sociedade civil baseada nos princípios democráticos.

Diante de tal pressuposto, identifica-se nas decisões internacionais o reconhecimento da relação estrutural e indissolúvel da liberdade de expressão com a democracia, denotando a certeza de que o exercício pleno do direito a expressar as próprias ideias e opiniões, do direito à circulação da informação e a possibilidade de deliberar de modo aberto sobre os assuntos que dizem respeito a todos é uma condição indispensável para a consolidação, o funcionamento e a preservação dos regimes democráticos, pois a formação de uma opinião pública informada e consciente não seria possível se esse direito não fosse garantido.

Percebe-se, por fim, confirmada a hipótese da existência de uma função democrática da liberdade de expressão, a qual a converte em uma condição necessária para prevenir a fixação de sistemas autoritários e garantir o exercício de outros direitos fundamentais, além de assegurar a realização pessoal de quem se expressa e a deliberação pública, plural e aberta dos cidadãos de determinado Estado em favor dos interesses comuns, standards estes encontrados de forma reiterada nas decisões proferidas no âmbito do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.

Em suma, a preservação da liberdade de expressão é uma condição necessária para o funcionamento pacífico e livre das sociedades democráticas das Américas, pois a plena e livre discussão evita que se paralise uma sociedade e a prepara para lidar com tensões que destroem as civilizações, tendo-se como princípio que “uma sociedade livre, hoje e amanhã, é aquela que

possa manter abertamente um debate público e rigoroso sobre si mesma”2.

2 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório Anual 1994. Capítulo V: Relatório sobre a Compatibilidade entre as Leis de Desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Título III. OEA/Ser. L/V/II.88. doc. 9 rev. 17 de fevereiro de 1995.

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2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITOS HUMANOS

O homem vive de pensamentos, porém não está concentrado em seu próprio espírito. Não vive só. E essa condição lhe impõe a necessidade de se. Não apenas comunicar-se, mas de expressar-comunicar-se, traduzindo-se ao mundo através das suas percepções e sentimentos.

Essa necessidade eleva a liberdade de expressão à condição de uma necessidade humana e, por assim dizer, à condição de direito humano. Não por outra razão, a liberdade de expressão se insere dentre os direitos humanos internacionalmente afirmados, direitos estes que traduzem no núcleo conceitual a “igualdade de essência” das pessoas, conforme Fábio Konder Comparato (2008), ou seja, dizem respeito aos direitos intrínsecos à condição humana.

A formulação da doutrina dos direitos humanos surgiu inicialmente a partir da teoria dos direitos naturais ou jusnaturalismo, pela qual tais direitos seriam inatos à natureza humana. Todavia, com o passar do tempo, os direitos humanos se afirmaram através das lutas históricas pela emancipação e libertação do homem, galgando integração ao direito positivo diante do seu reconhecimento não como mero produto da razão natural, mas a partir de uma racionalidade de resistência na luta pela dignidade humana.

Servindo-se das categorias tradicionais do direito natural e do direito positivo, Norberto Bobbio (1998, p.30) descreve o processo que culmina no reconhecimento dos direitos humanos tal como hoje nos são apresentados, ao afirmar que “os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais”. A historicidade dos direitos humanos, portanto, ainda que tenha raízes assentadas no estado de natureza humana,

compondo, assim, o que se denominou de direito natural3, demonstra que seu percurso seguiu

uma trajetória de lutas por direitos até chegar à concretude formal com a positivação na esfera

constitucional em alguns Estados (ao que se passou denominar direitos fundamentais4) e, por

fim, alcançando a internacionalização através das declarações de direitos que conferem validade universal aos valores comuns e indispensáveis para uma existência digna à toda a humanidade,

3 Ao tratar-se do direito natural, se faz necessário referenciar os diferentes momentos do seu desenvolvimento. Primeiramente o direito natural restou assentado na filosofia grega e compreendido como uma emanação da própria natureza, cuja existência encontrava a sua razão de ser em si próprio, independentemente de qualquer ação exterior ou ato de positivação, correspondendo ao justo natural defendido por Aristóteles. Esta concepção, posteriormente, se funde ao pensamento teológico (Santo Agostinho, São Tomás de Aquino) afirmando que a lei natural, por estar diretamente atrelada à natureza, retratava em parte a lei divina. Com a passagem do pensamento teocêntrico ao antropocêntrico, surge a segunda fase do direito natural, cuja a base não seria mais a natureza ou Deus, mas a reta razão. Ao fim, a ideia do direito natural também vai estar presente na passagem do pensamento político do absolutismo para o iluminismo, na visão de Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau.

4 Adota-se na presente pesquisa a conceituação de Ingo Sarlet (2006) ao indicar a separação terminológica entre “direitos humanos” (matriz internacional) e “direitos fundamentais” (baseados nas Constituições).

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independentemente da vinculação do homem à determinada ordem constitucional. No dizer de Ingo Sarlet (2006, p.36), este último estágio do reconhecimento dos direitos humanos “aspira à validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revela um inequívoco caráter supranacional (internacional)".

Por certo que a aspiração à universalidade conferida aos direitos humanos não é um atributo que encontra adesão teórica de forma uniforme, haja vista que o relativismo cultural se apresenta como o desafio à esta concepção. De acordo com Piovesan (2004), para os relativistas cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, os quais relacionam-se às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade, daí que o pluralismo cultural impediria a formação de uma moral universal, sendo necessário o respeito as diferenças culturais. Todavia, não é nossa intenção aprofundar este debate na presente pesquisa, fazendo-se tal registro apenas para esclarecer que neste estudo coaduna-fazendo-se com a concepção universal dos direitos humanos sob o enfoque que lhe é dado por Zygmunt Baumann (2000, p.204) quando afirma que a universalidade não é inimiga da diferença, na medida em que significa nada mais nada menos que a capacidade da espécie se comunicar e alcançar entendimento mútuo “no sentido, repito, de ‘saber como prosseguir’, mas também saber como prosseguir diante de outros que podem – tem o direito de – prosseguir por caminhos diferentes”.

Esta percepção encontra eco na noção da “margem nacional de apreciação” explorada por Delmas-Marty (2004, p.203) a qual permite “suavizar o universalismo, sem renunciar, entretanto, ao status supranacional dos direitos humanos”, na medida que leva à conformação entre os direitos humanos universais e as normas nacionais particulares, apaziguando conflitos interculturais através da compreensão que o universalismo dos direitos humanos não coincide com a uniformidade das normas nacionais. Ou dito de outra forma, a universalidade não deve ser confundida com homogeneização (LUCAS, 2009). Assim, a respeito deste debate, e com respaldo no dizer de Lucas (2009, p.123) tem-se que “a universalidade dos direitos humanos não se contrapõe ao direito à diferença, podendo, inclusive, ser condição de possibilidade para que as diferentes manifestações humanas possam se expressar e conviver em igualdade”.

Assim, nos permitimos seguir a partir da perspectiva do caráter universal do objeto5 do

discurso dos direitos humanos, ou seja, entendendo-os a partir da extensão de tais faculdades a todos os homens sem exclusão, caráter este que marca a origem da doutrina de direitos humanos

5 Usa-se a expressão “objeto” dos direitos humanos para ressalvar a crítica trazida por Boaventura de Sousa Santos no sentido de que embora a hegemonia dos direitos humanos seja incontestável como linguagem de dignidade humana, a grande maioria da população mundial não é “sujeito” de direitos humanos (SANTOS, Boaventura de Sousa; CHAUÍ, Marilena. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013).

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na modernidade, haja vista que direitos na acepção de status são notados em tempos anteriores, todavia, como atributos de apenas alguns membros da comunidade. Nesse sentido, Pérez-Luño (2002) observa que somente a partir do momento em se pensa direitos para todas as pessoas é que se torna possível falar-se em direitos humanos. Nas fases anteriores poder-se-ia falar de direitos de príncipes, de etnias ou de grupos, mas não de direitos humanos como significantes jurídicos de titularidade universal. Assim, o grande invento jurídico-político da modernidade residiu em ter estendido direitos a todos os homens, formulando o conceito de direitos humanos. De acordo com Pérez-Luño (2013, p.165)

Los derechos humanos, en su acepción estricta, surgieron en el clima cultural ilustrado de la Modernidad. Fueron formulados entonces como categorías que pretendían expresar las exigencias intemporales y perpetuas de la naturaleza humana; como un conjunto de facultades jurídicas y políticas propias de todos los hombres y en todos los tiempos. Ese paradigma eleático concebía los derechos humanos como unas verdades, cuya evidencia podía demostrarse a través de la recta razón6.

De fato, os direitos humanos são parte integrante do projeto da modernidade. Projeto que apontou para a construção sociocultural, histórica, política e ideológica de mundo fundada na ideia de que a razão domina sobre a natureza e que julgava possível haver o desenvolvimento harmonioso entre regulação e racionalização da vida. A racionalidade passa a ser vista como o meio de assegurar a liberdade e a felicidade aos homens. Sob este paradigma de emancipação humana e na crença de que pelo uso da razão a trajetória da humanidade alcançaria um estágio de maior desenvolvimento e maior humanização, fortaleceu-se a doutrina centrada no indivíduo e seus direitos, derivando, assim, o reconhecimento dos direitos humanos.

Todavia, ao falar-se do projeto de modernidade não se poderia deixar de ressalvar suas contradições. Uma delas, o fato deste projeto a par de pretender, entre outras medidas, estruturar direitos humanos universais, o fez a partir de uma raiz histórica patriarcal, tendo por modelo de destinatário de tais direitos o homem (masculino), branco, europeu (ocidental), heterossexual, cristão e proprietário, ou seja, uma identidade que excluía todas formas de alteridade (de raça, gênero, cultural, religiosa, sexual e social) deixando à margem enorme parcela da humanidade que pretendia alcançar, de forma que como assevera Boaventura de Sousa Santos (2007, p.17) “não é difícil concluir que as políticas de direitos humanos estiveram em geral ao serviço dos interesses dos Estados capitalistas hegemônicos”.

6 Tradução pela autora: “Os direitos humanos, em seu sentido estrito, surgiram no clima cultural que emergiu da Modernidade. Eles foram formulados, então, como categorias que pretendiam expressar as exigências intemporais e perpétuas da natureza humana; como um conjunto de faculdades jurídicase políticas próprias de todos os homens e em todos os tempos. Este paradigma elástico concebia os direitos humanos como verdades, cuja evidência poderia ser demosntrada através da reta razão”.

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Assim, a emancipação humana preconizada pela modernidade ficou limitada ao sujeito histórico que a ela deu origem, centrado apenas nos seus interesses, não permitindo o diálogo intercultural a partir das diferentes concepções de dignidade humana e da convivência mundial, motivo para que fosse afirmado que os direitos humanos tornaram-se um sistema inadequado e ilusório (BAUDRILLARD, 1992) e uma promessa não cumprida. Em justa oposição, pode ser entendido que “os direitos humanos são uma das promessas primárias da modernidade e, na aparência pelos menos, uma das que obteve o maior grau de realização” (SANTOS, 1989, p.1). Mas certo é que a doutrina dos direitos humanos “marca los límites dentro de los cuales

puede moverse la reflexión ética e política”7 (ATIENZA, 1985, p.165) e no âmbito doutrinário

encontra várias concepções que demarcam a sua conceitualidade.

Para Hannah Arendt (1989), os direitos humanos não são um dado, mas uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução dentro de um espaço simbólico de luta e ação social. Já para Carlos Santiago Nino (1989), sob uma concepção ética, os direitos humanos são uma construção consciente vocacionada a assegurar a dignidade humana e a evitar sofrimentos, em face da persistente brutalidade humana. Sob outra perspectiva, para Ferrajoli (2002) os direitos humanos compõem uma arquitetura internacional de contrapoder em face do absolutismo do Estado, simbolizam a lei do mais fraco contra a lei do mais forte.

Partindo destas premissas conceituais e inserindo-se no ambiente da modernidade e suas

contradições, o presente estudo busca na classificação em fases ou gerações8 dos direitos do

homem, o eixo teórico condutor deste capítulo inicial.

A respeito, Thomas Humprey Marshall (1967) aponta ao reconhecimento sequencial da

expansão histórica9 dos direitos humanos: primeiro os direitos civis, depois os direitos políticos

e, por fim, os direitos sociais, expressando a própria evolução da cidadania. Cada uma destas conquistas corresponde a um determinado período histórico, pois os direitos civis tiveram seu surgimento no Século XVIII, os direitos políticos no Século XIX e os direitos sociais no Século XX (BEDIN, 2002), na medida em que “los derechos humanos aparecen como un conjunto de

7 Tradução pela autora: “Marca os limites dentro dos quais pode mover-se a reflexão ética e política".

8 A expressão geração referenciando os Direitos Humanos foi originariamente criada por Karel Vasak, em 1979, na aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo, e posteriormente emprestada por Norberto Bobbio (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais, Atlas, 2008). 9 Para os defensores da fundamentação histórica dos direitos humanos, os direitos assegurados seriam resultado de reivindicações e lutas pela afirmação dos mesmos por uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico, em afirmação aos seus direitos enquanto cidadãos. Porém, como lembra Lucas (2009, p.127), é verdade que não se pode viver fora da história, nem mesmo compreender o mundo afastado dela, mas não se deve esquecer que “é preciso reconhecer, porém, que não se pode aceitar a legitimidade das justificativas e dos fundamentos a respeito de valores morais quando a única razão para aceitá-los seria a sua referenciabilidade histórica ou cultural”, pois, conforme o citado autor lembrando Le Goff, a história não é necessariamente apenas uma sequência linear de fatos, totalidade ou caos; é também memória, descontinuidade, manipulação, saber, poder, processo e resultado.

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facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la

dignidad, la libertad y la igualdad humana”10 (PÉREZ-LUÑO, 1999, p.48).

De forma similar, Bobbio (1992) propõe que em um primeiro momento afirmaram-se

os direitos de liberdade – os chamados direitos de primeira geração – nos quais identificada a preponderância dos direitos individuais em face do poder soberano do Estado, restando entre estes o direito à vida, à segurança, à liberdade, à propriedade. A segunda geração se refere aos direitos sociais, culturais e econômicos, identificando aqueles direitos que visam assegurar a igualdade material entre as pessoas, como direito à saúde, à educação, ao trabalho, à habitação, os quais exigem do Estado não mais a atividade negativa de restrição da sua atuação, mas uma ação positiva de efetiva garantia. A terceira geração de direitos se constituiu inicialmente como uma categoria, no dizer de Bobbio (1992, p.11), “excessivamente heterogênea e vaga”, mas se afirmou na proteção dos interesses de natureza transindividual, de titularidade coletiva ou difusa, consagrando o direito a um meio ambiente equilibrado, o direito ao desenvolvimento, à

paz11 e os direitos de solidariedade e de fraternidade. No dizer de Pérez-Luño (2013), a terceira

geração de direitos efetiva o projeto emancipatório cosmopolita da modernidade, contrapondo-se ao caráter emancipatório individual ditado nos direitos referentes às gerações anteriores.

Além das três gerações clássicas, se insere uma quarta geração dos direitos humanos, apesar de ainda não haver consenso na doutrina a respeito do conteúdo que lhe corresponda. Assim que para Bobbio (1992) a quarta geração corresponderia aos direitos que se relacionam à engenharia genética e ao biodireito, enquanto que para Paulo Bonavides (2006, p.571-572) “a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social”, destacando como tais o direito à democracia, à informação e ao pluralismo e ressaltando que deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro em sua dimensão de máxima universalidade.

Ainda a respeito da diversidade concepcional da quarta geração de direitos, poder-se-ia dizer que estes direitos se colocam na consciência cada vez maior dos seres humanos e no seu desejo de participar ativamente na construção não apenas de espaços políticos e burocráticos, mas se materializam na necessidade das pessoas de dizerem a sua palavra, expressarem a sua opinião, manifestarem livremente o seu pensamento, exercitando a sua cidadania e entendendo a política como vivência da liberdade (GUARESCHI, 2013).

10 Tradução pela autora: “(...) os direitos humanos aparecem como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, de liberdade e de igualdade humana”. 11 Para Paulo Bonavides (2006), a inclusão da paz como direito de quinta geração deriva do reconhecimento universal de ser ela um pressuposto qualitativo da convivência humana e elemento de conservação da espécie.

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É preciso ter, não obstante, que a classificação em gerações (primeira, segunda...) não busca classificar os direitos humanos em graus de relevância, mas apenas retrata o surgimento de direitos com mesma inspiração axiológica em determinadas etapas evolutivas da civilização, pois, “os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 1992, p.5), o que permite se falar em uma evolução expansiva dos direitos humanos

(BEDIN, 2003), agregando-se às gerações já reconhecidas, outros direitos12 que venham a

surgir no curso da luta pela dignidade humana haja vista que “os direitos humanos não tem um lugar, um tempo ou ideologia próprios (...) Eles estão abertos à aplicação a novas áreas e novos campos que agora seguem a lógica da continuidade” (DOUZINAS, 2009, p.374).

No mesmo sentido, concluem Morais e Spengler (2012, p.16) que os direitos humanos “se formulam quando e como as circunstâncias sócio-histórico-político-econômicas são propícias ou referem a inexorabilidade do reconhecimento de novos conteúdos”.

Portanto, a expressão geração é aqui compreendida a partir de uma ideia de coexistência e interação entre os direitos humanos reconhecidos, assim como admitindo a possibilidade de que outros venham a se somar a estes a partir de novas necessidades humanas que surjam.

Também não se pode olvidar que não é pacífico o acolhimento da classificação que ora se utiliza (gerações de direitos), sendo exemplo desta divergência a crítica de Cançado Trindade (1997, p.390) à tal compartimentalização, para quem é inadequada uma visão fragmentada ou atomizada dos direitos humanos, pois “o fenômeno de hoje testemunhamos não é o de sucessão, mas antes, de uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos humanos”.

Sob outra ótica, Boaventura de Sousa Santos (2013) se une aos divergentes e ressalva que o reconhecimento sequencial dos direitos humanos, segundo a lógica de gerações, não pode ser aplicado à maioria dos países nos quais a história dos direitos humanos é uma história contingente e acidentada.

No entanto, “quanto ao fato de ser possível ou não compreendermos e/ou classificarmos as várias reinvindicações de direitos do homem em fases ou gerações distintas, as respostas apontam, claramente, para a mesma direção: é possível” (BEDIN, 2002, p.41).

12Sob esta ótica, a doutrina referencia direitos de quinta geração compreendendo o direito à paz (BONAVIDES, 2006) e os direitos virtuais, ou sejam, aqueles direitos que visam proteger valores humanos no ambiente virtual (ZIMERMANN, 2002), bem como de sexta geração correspondendo ao direito à água potável (FACHIN, 2010) diante do seu reconhecimento como condição imprescindível à existência humana.

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Seguindo este pressuposto, a classificação em gerações dos direitos humanos é utilizada, nesta pesquisa, com o propósito metodológico de situar o tema de estudo, direito à liberdade de expressão, no contexto histórico do seu reconhecimento como uma necessidade da sociedade humana, sem descuidar-se da unidade indivisível que os cercam em sua essência, mas sem se descuidar da lição de Walter Benjamin (1994) no sentido que é necessária a reconstrução do paradigma contemporâneo de direitos humanos, o qual exige uma nova cultura que prime pela afirmação das diferenças nas circunstâncias históricas dos indivíduos num horizonte ético baseado na dignidade humana.

Desta feita, a liberdade de expressão13, objeto deste estudo, resta incluída entre os

direitos da denominada primeira geração, pois encerra uma liberdade básica: a exteriorização livre do pensamento e como as demais liberdades clássicas, restou afirmada no Século XVIII através das declarações de direitos de 1776 (Declaração da Virgínia) e 1789 (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão) dentro de um contexto histórico marcado pela oposição ao Estado Absolutista e pelo surgimento do Estado Moderno, consistindo em direitos universais de “resistência ou de oposição perante o Estado” (BONAVIDES, 2006, p.563). Estes direitos correspondem, então, aos direitos do “homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo ao indivíduo iniciativa e independência diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado” (BONAVIDES, 2006, p.563) e, segue o citado autor, referindo que tais direitos tem a sua importância no fato de se destacarem na ordem dos valores políticos pela separação entre a Sociedade e o Estado, que lhes confere verdadeiro caráter antiestatal, valorizando o homem em sua individualidade e garantindo-lhe a livre manifestação de sua personalidade.

No mesmo sentido reconhece Ramos (2005, p.245) que os “os direitos civis – que dizem respeito à personalidade do indivíduo (liberdade pessoal, de pensamento, de religião, de reunião e liberdade econômica) – podem ser chamados de direitos de primeira geração”, sendo direitos que obrigam o Estado a uma atitude de abstenção diante dos cidadãos.

Não obstante ainda que se trate de uma liberdade negativa clássica, há de se ponderar que para a efetivação deste direito humano de liberdade de expressão, há em um segundo plano a exigência de prestações positivas do Estado que objetivem garantir condições efetivas para o exercício de tal direito na esfera pública, especialmente em relação a democratização dos meios de comunicação, garantindo voz a todos indivíduos e grupos sociais para que possam produzir

13 De acordo com José Afonso da Silva (2000) a liberdade de expressão consiste, em sentido amplo, num conjunto de direitos relacionados às liberdades de comunicação, que compreende: a liberdade de expressão em sentido estrito (do pensamento ou de opinião), a liberdade de criação e de imprensa, bem como o direito de informação.

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e veicular conteúdos de acordo com suas demandas. Do contrário, como alerta Hamelink (2005, p.143) esse direito humano, essencial para o diálogo entre as pessoas, pode restar cingido “a liberdade de expressão do mendigo que fala em uma esquina e ninguém para a ouvi-lo (...).” Assim, é preciso levar em conta que, “a simples declaração do direito à liberdade não a institui concretamente, mas abre campo histórico para a criação desse direito pela práxis humana” (CHAUÍ, 2005, p.405).

A partir dessa ressalva, conforme salientado por Desmond Fisher (1984), embora o direito à liberdade de expressão encontre-se entre os direitos de primeira geração, a garantia de seu exercício passou a ser insuficiente para regular a complexidade das relações da sociedade contemporânea. Esta constatação tem aberto espaço ao direito à comunicação, um direito de quarta geração, dentre aqueles relacionados à afirmação da cidadania e da democracia.

Sob as premissas acima expostas, tem-se que a compreensão da liberdade de expressão pode ser apreendida sob três perspectivas. A primeira, como um direito individual que reflete uma característica única dos seres humanos: a capacidade de pensar o mundo e de manifestá-la através da linguagem, dos sons, da arte, das ideias. A segunda, como construto da comunicação com o outro, permitindo que se estabeleça uma sociabilidade fundada em trocas e na construção coletiva da representação da realidade. A terceira, como sustento da democracia, viabilizando o exercício da cidadania através de um processo de participação popular. Essas três perspectivas da liberdade de expressão serão objeto das abordagens que se seguem neste capítulo, a iniciar pelo reconhecimento do direito humano à liberdade de expressão.

2.1 O direito humano à liberdade de expressão

A compreensão da liberdade de expressão pressupõe um entendimento sobre o que é liberdade. A liberdade, antes de qualquer definição, é preciso ser compreendida como algo que o homem exercita na intimidade de sua existência e como um desejo profundamente presente na vida de qualquer indivíduo. Sob esta percepção, a liberdade é, em todas suas formas e acima de qualquer definição, uma condição da existência humana, o que resta ilustrado por Jean-Paul Sartre (1998, p.542/543) ao definir-se, assim como os demais seres, como

[...] um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporaliza-se como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser.

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A liberdade é, assim, um elemento significante do ser. A liberdade se entende como a possibilidade que o ser humano tem como indivíduo para escolher o que considere adequado para a sua felicidade. Aristóteles (1985), em sua obra Ética a Nicômado, afirma que a liberdade é a capacidade de optar entre as alternativas que a vida oferece, utilizando-se, para tal, da

vontade e da razão. Era livre14 o indivíduo que tinha em si o princípio para agir ou não agir. A

liberdade se opõe, assim, tanto ao que é condicionado externamente (necessidade), como ao que acontece sem escolha (contingência). Em síntese, liberdade é uma escolha. Esta primeira concepção de liberdade permanece através dos séculos (CHAUÍ, 2005).

Todavia, conforme Chauí (2005), uma segunda concepção da liberdade foi desenvolvida pela escola estoica, ressurgindo no século XVII com o filósofo Espinosa e, no século XIX, com Hegel e Marx. Ela conserva a ideia aristotélica de que a liberdade é autodeterminação, de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido por nada ou por ninguém. No entanto, diferentemente de Aristóteles, não coloca a liberdade no ato de escolha realizado pela vontade individual, mas na atividade do todo, do qual os indivíduos são partes. Assim, a possibilidade de escolha não se limita à individualidade do ser, mas se define no coletivo.

Essa dualidade de compreensão sobre a liberdade transparece na contraposição tecida a partir do panorama histórico-social entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos, como informada por Benjamin Constant (1985), para quem a liberdade dos antigos se concretiza na participação na vida política da comunidade, enquanto a liberdade dos modernos se volta ao indivíduo, pressupondo a proteção da liberdade individual dentro de limites compatíveis com o exercício da mesma liberdade pelos demais indivíduos. A liberdade dos primeiros correspondia à inserção no controle do aparelho do Estado (liberdade política), enquanto a liberdade dos segundos consiste em não ser reprimido pelo Estado (liberdade civil).

O embate entre essas concepções filosóficas interessa ao tema em estudo na medida em que aponta formas de compreensão da liberdade: de um lado, a entronização do individualismo na definição de ser livre, de outro o ideal de liberdade que se insere na construção do coletivo e no fortalecimento da democracia enquanto forma de organização social. Assim, uma vez que “as palavras também são atos” (WITTGENSTEIN, 1999, p.146) do que decorre seu efeito causal, a liberdade de expressão reverbera a compreensão que se possa ter de liberdade.

Partindo dessa ideia, percebe-se que no atual estágio da historicidade humana, prevalece o conceito moderno de liberdade, haja vista que a busca pela liberdade individual é um norte

14 Não se olvide que no mundo antigo clássico, contemporâneo da obra de Aristóteles, a liberdade era restrita, pois escravos, mulheres e estrangeiros estavam impedidos juridicamente de ser livres.

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que se desenhou na modernidade e que tem espaço na contemporaneidade, onde prevalece o reconhecimento da liberdade individual como um direito inerente à condição humana.

A sustentação teórica da liberdade dos modernos e as suas implicações ao direito de livre expressão, são afirmadas por Stuart Mill (2011) para quem subsiste a liberdade individual, todavia, sujeita ao que denominou princípio do dano, segundo o qual qualquer interferência na liberdade do indivíduo somente se justificaria a fim de evitar danos a terceiros. Com isso cada indivíduo tem liberdade de decidir o que é melhor para si mesmo e esta liberdade o leva ao seu pleno desenvolvimento. Em sua obra Sobre a liberdade, Mill (2011) parte de uma análise crítica sobre o conceito de liberdade ao longo da história, destacando épocas em que os governantes exerciam seu poder sem atentar a opinião e aos anseios dos governados, por se entenderem mais preparados para decidir sobre as questões comuns, período no qual não haveria liberdade seja individual de contrapor-se às decisões dos governantes, seja política através da participação nas decisões, para chegar ao reconhecimento do indivíduo como elemento do Estado, estabelecendo espaços de cidadania e de democracia a partir do exercício da liberdade. A liberdade, segundo Mill (2011, p.50), “não tem nenhuma aplicação em um estado de coisas anterior ao tempo em que a humanidade se tornou capaz de se aperfeiçoar através da discussão livre e igualitária”.

Este exercício de liberdade se sustenta na individualidade, no ouvir todas as opiniões a fim de se obter todas as partes da verdade, reprimindo, desta forma, a tirania da opinião, ou seja, o sentimento dominante da sociedade que busca impor silêncio àqueles cujo pensamento seja divergente. Isso porque a sociedade tem a tendência de impedir o desenvolvimento da individualidade a fim de que possa impor as suas ideias e práticas como regras de conduta mesmo para aqueles que discordam delas, compelindo-os a se amoldar ao modelo pretendido. Por esta razão, subsiste a imprescindibilidade da defesa da liberdade individual, devendo haver “um limite à legítima interferência da opinião coletiva com a independência individual. E achar esse limite é indispensável tanto a uma boa condição dos negócios humanos como à proteção contra o despotismo político” (MILL, 2011, p.42).

Mill (2011) a par de defender o direito que o indivíduo tem de pensar e agir, não entende tal prerrogativa como uma possibilidade de fazer o que aprouver ao indivíduo, mas a liberdade de optar, com respeito ao outro, por determinada maneira de pensar e agir, pois o ser livre

[...] requer a liberdade de gostos e de inclinações; em podermos montar o nosso plano de nossa vida de acordo com nossos próprios caracteres, em fazer como quisermos, sujeitos à consequências que poderão se seguir, sem impedimento de nossos pares, enquanto não lhe causarmos danos, mesmo que eles achem nossa conduta imbecil, pervertida ou errônea (MILL, 2011, p.53).

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Nota-se, assim, que embora a centralidade da liberdade resida no indivíduo e deva ser absoluta, tal concepção não afasta a responsabilidade com que o homem deve pautar suas ações no que refere aos demais indivíduos e à coletividade, pois como adverte Mill (2011, p.28), “a única parte da conduta de qualquer pessoa, pela qual ela está submissa à sociedade, é aquela que concerne aos outros”. Todavia, “na parte que concerne a si próprio, sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano” (MILL, 2011, p.28).

A liberdade, assim, não é uma condição alheia a quaisquer limites. Também sob este pressuposto, Phillip Pettit sustenta que alguém é livre quando comanda racionalmente as suas ações e pode ser responsabilizado por aquilo que faz no exercício da sua liberdade. A liberdade, assim, se justifica na correspondência entre o fato de ser livre e o de ser responsável. O sujeito é um agente livre e a sua ação é uma ação livre, na medida em que aquele é capaz de ser considerado responsável pela escolha, ou seja, detendo o controle racional da ação (PETTIT, 2007). De acordo com Pettit, a liberdade pode ser discutida em três domínios: o da ação; o do

self e o da pessoa. A ação corresponderia ao que o agente efetua em uma ou outra ocasião; o self está relacionado “ao eu mesmo” capaz de agir de forma livre e a pessoa diz respeito ao

“status” social. A partir destes três domínios, Pettit indica que “um agente é livre na medida em que o é no seu self e na sua pessoa e isso lhe permite fazer escolhas pelas quais estará completamente adequado para ser responsabilizado nesse sentido” (PETTIT, 2007, p.17).

Sob este paradigma da liberdade – enquanto um direito individual, mas sujeito a ser exercido de forma responsável a fim de evitar danos aos demais – se estabelece a compreensão do direito humano à liberdade de expressão.

De acordo com Sarlet e Molinaro (2014, p.127), a “liberdade de expressar o pensamento é um direito humano de conquista inarredável e que integra o núcleo das liberdades atribuídas ao ser humano pela ordem jurídica internacional”. Esta liberdade compreende, basicamente, o direito do indivíduo participar, quer como portador da mensagem, quer como destinatário, dos processos comunicativos que envolvam a difusão de informações, opiniões e ideias, que possam ser compartilhados pela linguagem oral, escrita ou por imagens. Assim que o termo liberdade de expressão comporta várias acepções: liberdade de pensamento, liberdade de manifestação, liberdade de opinião, liberdade de informação, liberdade artística, liberdade de imprensa, haja vista que “independentemente do termo utilizado, ambos estão relacionados a um complexo de liberdades comunicativas” (SARLET, MOLINARO, 2014, p.128).

Todavia, um conceito assim estruturado é meramente prático, haja vista que tal direito possui uma dimensão maior, sendo um imperativo da condição humana, pois é através da

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liberdade de pensar e de se revelar, livremente, diante dos outros que o indivíduo poderá buscar seu pertencimento no mundo. Sob este prisma, a liberdade de expressão se consubstancia não apenas na capacidade do homem de falar ao mundo, mas, também, na sua capacidade de pensar o mundo a partir da sua perspectiva e, através de um processo dialético, intercambiar ideias e visões, compreendendo a realidade e transmitindo e recebendo as lições da civilização.

Nesse sentido, Dworkin esclarece que a livre expressão é essencial não apenas como um meio para o desenvolvimento humano mas como parte dele, pois os seres humanos não estão apenas sujeitos à sua história, mas buscam ter consciência dela, assim “o desenvolvimento dos indivíduos, da sociedade e da humanidade em geral é um processo adequadamente constituído em parte pela livre expressão e pelo intercâmbio da comunicação humana” (2005, p.500).

A liberdade de expressão deve ser compreendida, assim, como o direito dos indivíduos manifestarem livremente pensamentos, opiniões, ideias, de modo a concretizar o exercício da sua atividade intelectual. Dito de outra forma, esta garantia de liberdade não consiste em apenas ter a faculdade para pensar livremente, mas sim na garantia de exteriorizar os pensamentos para os demais. A liberdade de expressão é, assim, uma condição indissociável do desenvolvimento do indivíduo, na medida em que é “com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico e original” (ARENDT, 2001, p.189).

Mais ainda, a liberdade de expressar se constituiu em um elemento de resistência, haja vista que independente do período histórico, o homem esteve e está sujeito à dominação (seja da força, da religião, do capital, do mercado) e às formulas de disciplina que, segundo Foucault, são utilizadas para produção de “corpos submissos e exercitados, corpos dóceis” (2002, p.119). Mas como lembra Pêcheux (2009, p. 281) “não há dominação sem resistência” e a voz, o dizer seus sentimentos e pensamentos, constitui uma das formas de libertação do homem.

Ou seja, a existência humana se concretiza com a liberdade, sendo vital para a realização existencial a possibilidade de cada indivíduo afirmar seus pensamentos e interagir com os seus semelhantes, tanto para expressar as próprias ideias como para ouvir as expostas pelos outros.

Nesta perspectiva, por importar na exteriorização da ideia do homem, permitindo a sua constituição enquanto sujeito, a liberdade de expressão se define como direito fundamental, entendendo-se este como aquele direito que contém “pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana” (BONAVIDES, 2006, p.560). Direito este que compreende tanto a faculdade de expressar seu pensamento através de qualquer meio, como a proibição de impedimento ou discriminação a qualquer forma de manifestação, de forma que se enquadra na

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condição de liberdade negativa15, ou seja, entre os direitos de liberdade que não são providos

pelo Estado, entretanto, devem ser garantidos e respeitados por este. Consiste, pois, no direito de se pronunciar contra o Estado ou elementos da ordem vigente, sem que se demande do Estado nada além da sua não atuação, ou seja, a situação de liberdade corresponde meramente a poder expressar pensamentos e opiniões sem incorrer em nenhuma forma de censura, mesmo que tais pensamentos e opiniões defenda posições minoritárias, opostos ao governo ou que contrariem valores hegemônicos da sociedade.

A respeito é paradigmático o voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, por ocasião do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 187 (“Marcha da Maconha”):

“[...] nada se revela mais nocivo e mais perigoso do que a pretensão do Estado de reprimir a liberdade de expressão, mesmo que se objetive, com apoio nesse direito fundamental, expor ideias ou formular propostas que a maioria da coletividade repudie, pois, nesse tema, guardo a convicção de que o pensamento há de ser livre, sempre livre, permanentemente livre, essencialmente livre.

(...)

A livre expressão e manifestação de ideias, pensamentos e convicções não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícita interferência do Estado. A liberdade de expressão representa, dentro desse contexto, uma projeção significativa do direito, que a todos assiste, de manifestar, sem qualquer possibilidade de intervenção estatal “a priori”, as suas convicções, expondo as suas ideias e fazendo veicular as suas mensagens doutrinárias, ainda que impopulares, contrárias ao pensamento dominante ou representativas de concepções peculiares a grupos minoritários (...).”

Sob este aspecto, retorna-se à lição de Mill (2011), o qual sustentava que a liberdade de expressão deve ser posta a salvo da interferência governamental em benefício do esclarecimento da verdade de forma a preservar uma íntegra troca de todas as ideias, pois as opiniões, em geral, são conflitantes entre si, nenhuma delas sendo inteiramente exata, de modo que a verdade somente resultará do choque de ideias. A verdade, assim, somente poderá ser alcançada através da liberdade absoluta de opinião e de sentimento sobre quaisquer assuntos.

Neste prisma, a liberdade de expressão se volta tanto para voz individual, como para a voz pública, na medida em que expressão configura uma condição para a realização da pessoa como sujeito individual e como sujeito político, pois

[...] en el primer sentido, la persona, al expresar sus ideas y opiniones desarrolla sus virtualidades intrínsecas, defendiendo y potenciando su autonomía individual; en el

15 Por liberdade negativa, na linguagem política, entende-se a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido ou de não agir sem ser obrigado, por outros sujeitos ou pelo Estado. Por liberdade positiva entende-se, na linguagem política, a situação na qual o sujeito tem a possibilidade de orientar o seu querer, de tomar decisões, sem ser determinado pelo querer dos outros (BOBBIO, 1996, P.48-51).

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segundo, el ciudadano contribuye a la formación de la opinión pública y participa, a través de los cauces democráticos establecidos en las decisiones políticas, en la formación de la voluntad política16 (ANSUATEGUI ROIG, 1990, p.9).

Assim, a liberdade de expressão transcende o núcleo interno da pessoa, posto que além da dimensão individual (seja no livre pensar, seja na liberdade de expor as suas opiniões), é dotada de uma dimensão social na medida em que compreende o direito do indivíduo de expressar suas ideias e de conhecer a opinião alheia, consolidando as próprias perspectivas, pois “o hábito firme de corrigir e completar a própria opinião pelo confronto com a dos outros, muito ao contrário de causar dúvida e hesitação, constitui o único fundamento estável de uma justa confiança nela” (MILL, 2011, p.64).

Desta forma, a liberdade de se expressar guarda profunda relação com a manifestação política do indivíduo, mormente dentro do espaço público de forma compartilhada.

Na visão de Ferrajoli (2011) e sob a ótica da teoria garantista, a liberdade de expressão se enquadra na classe das libertades de, ou seja, entre as liberdades que devem ser garantidas não apenas pelas expectativas de lesão que podem sofrer, mas por se constituírem faculdades do indivíduo, diversamente das libertades frente a, que se revestem apenas de expectativas de lesão. De acordo com este pressuposto, o direito à livre expressão do pensamento está entre as

[…] libertades activas, a las puede llamarse libertades políticas. Forman un presupuesto esencial de la democracia política, es decir, del ejercicio de los derechos políticos, el cual supone, de un lado, la formación de opiniones políticas y de una opinión publica que sólo puede provenir de la libre expresión del pensamiento, del debate público y de una información independiente, y, de otro, la organización de los ciudadanos en partidos y sindicatos y el desarrollo de movimientos de opinión y de oposición17 (FERRAJOLI, 2011, p.329).

Assim que não por acaso, historicamente, o reconhecimento do direito à livre expressão remete à democracia direta ateniense, ainda que se ressalve que a ideia de liberdade ínsita à democracia grega é diferente do conceito atual, na medida em que aquela não se estendia a todos indivíduos, sendo apenas destinada a determinados grupos. Não obstante, na experiência democrática grega já se percebia a gênese da liberdade de expressão através do uso da palavra como fundamento da vida pública, entendendo-se a liberdade do pensar e falar como essenciais

16 Tradução pela autora: “[...] no primeiro sentido, a pessoa, para expressar suas idéias e opiniões, desenvolve seu potencial intrínseco, defendendo e potencializando sua autonomia individual; no segundo, o cidadão contribui para a formação da opinião pública e participar, através de canais democráticos estabelecidos, nas decisões políticas, na formação da vontade política”.

17 Tradução pela autora: [...] liberdades ativas, a elas se pode chamar de liberdades políticas. Elas formam um pressuposto essencial da democracia política, ou seja, o exercício dos direitos políticos, o qual supõe, por um lado, a formação da opinião política e da opinião pública, que só pode vir de livre expressão do pensamento, do debate público e de uma informação independente, e, por outro, a organização dos cidadãos nos partidos e sindicatos e o desenvolvimento de movimentos de opinião e oposição.

Referências

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