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CAPÍTULO I: ENQUADRAMENTO

1.6. A Internet como um novo campo etnográfico

A inovação de repertório da utilização do Facebook para a convocação de protestos começou por remeter o projeto desta tese para uma etnografia da Internet, um campo bastante recente, com grande potencial e complexidade, que obrigam ao desenvolvimento de novas abordagens metodológicas. A posterior observação do objeto de estudo levou contudo a uma mudança (que esteve aliás em sintonia com a defendida em metodologias já desenvolvidas para esta área) no sentido de abordar o on e offline de uma forma integrada (em consonância com a intima ligação existente entre ambos) e não como campos distintos.

A ideia de abordar a Internet como um campo autónomo iria ao encontro de algumas primeiras abordagens teóricas, que surgiam envoltas num grande entusiasmo e fascínio com o seu potencial, supostamente autónomo do mundo físico. Tal como aconteceu com tecnologias precedentes, a Internet comandou a imaginação do público (Costigan, 1999: XII). O ciberespaço criou fortes expectativas e visões revolucionárias de um novo mundo, em que o corpo ficaria obsoleto e a subjetividade destruída (Escobar, 1994: 216).

Esta visão popular, influenciada pelos presságios de autores de ficção cientifica, contaminou também a perspetiva das ciências, com os teóricos pós-modernos a enquadrarem o novo medium como algo gerado no sentido de levar mais longe uma sociedade cada vez mais fragmentada,

complexa e dinâmica, numa mudança que coloca a vida social em crise. A fragmentação dos conceitos da modernidade como o self, a sociedade e a cultura, acompanha uma perda da fé nas grandes narrativas da ciência e religião (Hine, 2000: 5-7). A tecnologia tem sido essencial para a aparência e consolidação das estruturas modernas.

Contudo, não se confirmaram as expectativas mais radicais. A ideia que a informação digital iria tirar lugar à forma material (Hine, 2000: 2) não se concretizou e o fascínio pelo ciberespaço esmoreceu (é notório, aliás, que hoje o termo caiu bastante em desuso). Manteve-se a certeza de que as novas comunicações eletrónicas trouxeram profundas mudanças que importa integrar nas ciências sociais. Robins defende que é preciso desmistificar-se a cultura virtual se queremos ter acesso às verdadeiras implicações que tem nas nossas vidas pessoais e coletivas. A Internet é encarada como um espaço para um escape utópico, fruto de uma alucinação consensual. Mas os usos quotidianos da Internet são mais interessantes, nuanceados, diferenciados e entediantes do que os futurologistas nos levaram a crer. As instituições que promovem as novas tecnologiass existem neste mundo. E mais do que desenvolver fantasias sobre um ciberespaço onde existiria uma liberdade ilimitada para construção de selfs, será mais proveitoso cruzar a análise com os debates e as crises identitárias existentes no mundo real e com a necessidade de resgate de coerências e continuidades identitárias perdidas, e tentar perceber o impacto que os novos media eletrónicos têm sobre a sociedade e sobre os processos de socialização (Robins, K, 1995: 136-149).

Todas as tecnologias são invenções culturais, no sentido do que trazem ao mundo. Emergem de condições culturais particulares e ajudam a criar outras (Escobar, 1994: 211). O progresso atinge as ciências sociais, mudando os seus paradigmas e colocando-lhe novas questões e desafios (os construtivistas, por exemplo, procuram saber por que emergem as tecnologias), assim como certas construções sociais, no que é encarado pelos seus críticos como uma forma irresponsável de relativismo, por não se preocupar em saber os efeitos que as tecnologias têm sobre as pessoas (Escobar, 1994: 212).

A Internet não é apenas uma tecnologia, mas um motor de mudança social que transformou os hábitos de trabalho, educação, relações sociais e, talvez mais importante que tudo, as esperanças e os sonhos (Jones, 1999: 2). Em lugar de o agente de mudança ser a tecnologia em si, os usos e entendimentos dela são centrais. O estudo das práticas quotidianas em torno da Internet surgiu, justamente, como forma de questionar as assunções inerentes às previsões de que ela traria um

futuro radicalmente diferente (Hine, 2000: 4).

Não imita o mundo 'real', cria um rápido, novo, imediato mundo de múltiplas camadas. Esta inovação tecnológica, altamente ligada à mudança social, tem implicações nos padrões de expressão de emoções. Transforma o ato de escrever em ‘discurso’. Há uma dimensão imediata, contínua, de diálogo de expressão de emoções, embora sem comunicação cara-a-cara. Estudos revelaram que a comunicação interpessoal das comunidades virtuais permite aos seus membros exprimirem livremente as suas emoções, atingindo um alto nível de descolagem do self (Sade-Beck, 2004: 3).

A ausência da corporalidade, o distanciamento físico não implicam necessariamente que as interações estabelecidas online sejam emocionalmente desinvestidas. Em alguns casos verifica-se mesmo que o seu modo de comunicação não presencial confere um efeito de libertação de constrangimentos sociais, onde mais facilmente se exprimem sentimentos de frustração, indignação e revolta, cuja exteriorização pode dar lugar ao aumento da confrontação e conflitualidade.

A interação com o virtual pode produzir estados de consciência gerados por particulares sentimentos intensos de conexão, exploração identitária, erotismo e domínio sobre o ambiente. Nesse sentido, a cibercomunidade não é mensurável como a comunidade física, tem uma composição corporal própria (Fernback, 1999: 217).

O impacto da interação com o online remete para um campo de interconexões e de fronteiras ténues, não muito facilmente aferível. Mas mais do que cibercomunidades, o que estará em foco nesta tese são comunidades, grupos de ativismo que criam relações próximas (seja de aliança ou de antagonismo), apenas parcialmente desenvolvidas no online. A Internet terá contudo importância crucial como meio de gerar iniciativas de protesto que se propagam a amplas camadas da população. Um fator que lhes dará protagonismo e será determinante nas relações que depois se irão desenvolver no meio ativista.

A informação digital é sempre uma cópia sem o original (downloads, uploads, renomeações, mover, retroceder,…). É sempre uma replicação de algo que outrora já lá esteve. Tal como num ato performativo, cada objeto (ficheiro) e a sua relação com o todo está sempre a mudar no tempo e no espaço. O digital abriu novos campos à etnografia, com novas infraestruturas a apresentarem novas possibilidades performativas (Hsu, 2017: 43).

Vale a pena observar as ligações entre o efémero e a conceção de ritual, especialmente em relação às formas de comunicação da Internet. No geral, a Internet não vai ao encontro dos requisitos de fixabilidade das medições académicas. Mas o que persiste não é informação passada por nós, entre nós, entre nós e os outros, mas uma ordem abstrata que deixamos para trás quando nos movemos no ciberespaço (Jones, 1999: 6, 7), o que irá representar um dos novos desafios em termos de metodologia.

Algumas abordagens vão no sentido do desenvolvimento de etnografias computacionais que permitem aceder a grandes quantidades de dados (nomeadamente a metadados, que remetem para dados quantitativos) sem que os investigadores sejam notados. A metodologia adotada para o trabalho de campo desta tese afastou-se contudo dessas abordagens, tendo-se optado por uma imersão num campo etnográfico localizado (não multisituado, mas que integrasse on e offline), no sentido de uma experiência holista próxima da vivenciada pelos ativistas que operaram no campo em estudo.

Não se tratou dum estudo à distância, mas antes duma observação participante, numa experiência que conjugou os contactos diretos (cara-a-cara) com a integração em acontecimentos em que apenas se participou à distância ou de forma mais mediada (à semelhança do que aconteceu com a generalidade dos envolvidos).

A Antropologia Digital contesta a ideia da fusão do on e offline (Boellstorff, 2012: 41) e importa realçar que, apesar da nossa abordagem integrar estes dois campos, não vai no sentido de os encarar como um único espaço homogéneo, mas no de perceber as dinâmicas desenvolvidas pelos indivíduos que se movem entre ambos.

As relações no Facebook apresentam diversas camadas, que se sobrepõem e se desenvolvem em cadeia. Primeiro, o nível de amigos próximos (vindos do offline) ou de pessoas com as quais se possui maior afinidade e se interage mais frequentemente. A seguir, o nível das pessoas que têm laços com estas e que eventualmente irão aceder por tal via às publicações efetuadas na rede social. Este tipo de propagação em cadeia das mensagens e dos processos comunicantes tem o potencial de os fazer projetar do nível de relações próximas para o do espaço das comunidades imaginadas, conforme foram definidas por Benedict Anderson no espaço simbólico do Estado-Nação (Anderson, 1991: in passim). Os mass media irão aliás surgir também nesse processo, dando destaque a

iniciativas de cariz político surgidas no Facebook, ajudando a transpô-lo para esse plano de comunicação massificado (neste caso ao nível do Estado-Nação, mas atingindo também uma escala global).

Existe uma grande diversidade no modo como a questão das identidades tem sido encarada pelos teóricos. Como é típico em Sociologia, veem-se pessoas a explorarem o potencial do medium para experienciarem diferentes papéis. A Internet parece em certa medida libertar as pessoas dos constrangimentos da comunicação cara-a-cara, permitindo-lhes projetar os seus ideais e fantasias, numa atitude de maior expansividade. Nesse sentido apresenta um potencial para avançarem para

selfs aspiracionais. A questão é se se tratará de uma expansão ou de uma fragmentação, constituindo

nesse caso uma ameaça à ideia de um self unificado (Turkle, 1995: 11-18, 263-265). A questão também é se existe mesmo esse self unificado. Estarão as tecnologias a causar uma mudança de conceções identitárias?

Alguns referem que a experimentação do offline e online em simultâneo resulta num entendimento múltiplo do self, fornecendo evidências de fluidez e multiplicidade identitária. Contudo, as pessoas tendem a percecionar as suas identidades e selfs como integrais e contínuos. Kendall diz que a pesquisa que efetuou a levou a concluir que os utilizadores persistem em encontrar bases essencializadas para os selfs que encontram online, como a etnia, idade ou género (Kendall, 1999: 61, 62).

No cenário tradicional de interação no quotidiano, quando um indivíduo entra na presença de outros mobiliza a sua atividade no sentido de transmitir determinada impressão sobre a sua identidade, num jogo que interage com expectativas e assunções de que as pessoas se comportem de modo adequado às características sociais dos envolvidos. Este processo de interação começa em geral por ter um caráter promissório, na medida em que o relacionamento é estabelecido apenas em torno das assunções de identidades sugeridas pelo modo como os indivíduos se apresentam e agem, sem que estas sejam comprovadas (Goffman, 1959: 1, 2).

O modo de comunicação não presencial da Internet altera o quadro em que este processo ocorre, pois os indivíduos podem facilmente apresentar selfs que não se coadunam com as suas características físicas. Os fóruns online, ao limitarem as pistas avaliáveis, permitem experimentar e jogar com a identidade. Contudo, essas hipóteses continuam a ser limitadas (no sentido por exemplo

que determinada identidade pressupõe determinado tipo de conhecimentos) (Kendall, 1999: 66-67).

O fascínio com as potencialidades do ciberespaço levou a que fosse dada demasiada ênfase à apresentação de identidades radicalmente distantes das do mundo offline, quando na realidade a maior parte das interações na Internet têm uma muito maior ligação entre ambos os 'mundos'.

Mais do que encará-la como um fenómeno autónomo, importa aferir o impacto da Internet no ativismo político, focando a íntima ligação e o papel que ela veio ocupar no quotidiano dos seus intervenientes, nos tipos de teias de relações que permite desenvolver, e no impacto que essas dinâmicas têm na definição e posicionamentos identitários.

Anonimato não é igual a ausência de identidade e, tal como no cenário tradicional descrito por Goffman, também aqui existem uma série de assunções identitárias que serão mantidas até prova em contrário. Os fóruns não são livres de expectativas identitárias e as interações reproduzem muitas vezes as relações de poder e hierarquias do offline.

Quanto ao Facebook, as características da rede social promovem a exposição de dados da vida privada – desde a apresentação de fotos a dados biográficos. Criado no contexto de uma rede de estudantes universitários, o novo instrumento foi instituído como um meio de potencializar encontros, sexuais e não só, em que o corpo (a sua apresentação narcísica e sedutora e a sua busca de prazer) era fulcral. Uma dimensão que surge sobreposta a diversas outras, nomeadamente a da aspiração à construção de determinados selfs políticos.

Ao contrário de algumas das previsões iniciais, as redes sociais da Internet foram também no sentido de resgatar relações sociais e de laços de proximidade perdidos e o grande triunfo do Facebook pode dever-se aliás à sua capacidade de satisfazer esses desejos (Miller, 2012: 147-149).

A rede social Facebook é frequentemente utilizada para reencontrar velhos amigos e colegas ou para manter contacto com quem tenha emigrado. Nesse sentido, pode mesmo apresentar-se como uma rede de relações sociais que se aproxima do sentido de comunidade existente no offline, incorporando também as contradições de uma comunidade. Tal como nas comunidades tradicionais, também no Facebook, para ter uma maior ligação, é necessário abdicar de alguma privacidade e individualismo. O Facebook surge como um meio de complementar a versão offline de comunidade (Miller, 2010: 5-8). O ciberespaço pode fornecer uma alternativa importante, onde os indivíduos se

podem encontrar virtualmente e envolver no tipo de discurso para a reconstituição de uma esfera pública vibrante (Fernback, 1999: 226).

Apesar de ir no sentido de maior descentralização e de um menor papel de líderes, a maior parte dos grupos do Facebook não surgem para fomentar a discussão em torno de pontos de vista divergentes, mas antes para veicular determinadas posições, muitas de contestação a determinada política (Marichal, 2010: 6).

Há áreas da Internet que parecem florescer com a diversidade de opinião, mas o politicamente correto é prevalente. As divergências em relação à opinião consensual nos

newsgroups são frequentemente desafiadas de forma direta (Costigan, 1999: XVIII). O Facebook

irá surgir simultaneamente como uma rede social online que servirá de base para enormes mobilizações de protesto, alargadas a bases sociais heterogéneas. Por outro lado, também irá potenciar o desenvolvimento de nichos de opinião que se afastam do mainstream, contribuindo para uma segmentação, onde esse politicamente correto seguirá a linha do respetivo grupo.

S. London defende que a comunidade de rede tem a capacidade de levar a resgatar laços que tinham vindo a ser perdidos, contribuindo para o desenvolvimento de diálogo, deliberação e sentimentos de confiança, reciprocidade, ligação social e cooperação que juntam uma comunidade. Qualidades sociais vitais ao desenvolvimento de sistemas democráticos participativos ou comunitários (London, 1997).

E. Goffman recorre ao termo ‘palco’ para definir o espaço onde as performances individuais funcionam de determinada maneira, em geral de acordo com determinadas modas, para definirem a situação para aqueles que as observam (Goffman, 1959: 66). Dentro desse palco, o Facebook é menos sobre mudanças instrumentais e mais sobre troca de informações para performar uma identidade (Marichal, 2010: 4). Na medida em que criam uma nova separação entre o ‘palco’ e os ‘bastidores’, as redes sociais da Internet concedem aos seus utilizadores uma maior latitude para a apresentação de selfs aspiracionais. Contudo, Goffman refere também que o palco é parte de uma performance mais alargada, o que se aplica também ao novo contexto de cruzamento entre o on e o

offline, podendo remeter tanto para ações mais ou menos imediatas que sejam espoletadas no palco

frontal, como para este ser embrião de novas formas de cidadania que só se irão revelar no longo prazo.

Os mass media sempre deram lugar a identidades ligadas a locais. Os media impressos promoveram as comunidade imaginadas nos séculos XVIII e XIX, os emergentes medias digitais e as suas redes sociais estão implicadas nas redes globais e transnacionais do século XX. Contudo, as novas tecnologias digitais, da Internet aos telemóveis, não estão necessariamente a criar o mundo global outrora previsto, mas em lugar disso a múltiplos mundos sociais, onde as experiências locais proliferam (Kraemer: 2017: 179).

Ao contrário de outros media, a Internet integra o pessoal e os meios de comunicação de massas. Constitui um novo modo de comunicação humana, permitindo aos participantes acederem a essa dupla perspetiva comunicativa. As audiências deixam de ser meros consumidores passivos da informação – como acontece na televisão ou na rádio – passando a ter um papel mais interativo e de intervenção (Sade-Beck, 2004: 3, 4). A Internet é um tipo diferente de objeto, e para a estudar torna-se necessária uma mudança de foco (Costigan, 1999: XI).

Diferentemente do offline, na Internet as comunidades são frequentemente construídas e destruídas, não porque desafiaram a estrutura, mas porque a ligação não é temporalmente sensitiva. Como é preciso pouco tempo ou estrutura para criar uma comunidade online, o esforço para manter essas estruturas e comunidades não é muito valorizado (Costigan, 1999: XXII).

A difusão da responsabilidade é acompanhada por uma difusão da autoridade, cada vez mais indefinida e originando o ‘populismo de massas’, em rede inorgânica. Comunidades virtuais são agregados sociais que emergem da Internet quando um número suficiente de pessoas levam a cabo discussões públicas com suficiente duração e suficiente sentimento para formarem redes de pessoas no ciberespaço (Hine, 2000: 17). Mas correspondem essas comunidades virtuais ao conceito tradicional de comunidade, ou será necessário criar novas categorias? Laços estabelecidos através da Internet podem satisfazer o desejo e necessidade de pertença mas ao mesmo tempo contribuir para uma situação de ainda maior isolamento dos intervenientes, caso estas ligações sejam estabelecidas de forma parcial e segmentada, não ganhando densidade ou uma ligação mais ampla entre os envolvidos, o que facilmente acontece se ficarem circunscritas ao online.

A Internet e os novos meios de comunicação digitais levaram ao desenvolvimento de uma nova subdisciplina, a Antropologia Digital, cujos teóricos têm repudiado reivindicações de psicólogos e de gurus do digital, de que as transformações ocorridas com as tecnologias digitais

representariam mudanças nas capacidades cognitivas ou na essência do ser humano. O digital tem intensificado a natureza dialética da cultura e tem-se tornado uma parte constitutiva daquilo que nos torna humanos, mas é a nossa definição de ser humano que mede o que é a tecnologia e não o inverso (Miller, 2012: 3,4, 29).

A observação participante surge neste quadro como uma metodologia privilegiada para dar o contraponto de um insight sobre como são vivenciadas essas tecnologias no quotidiano e o impacto que têm sobre os indivíduos nos processos comunicantes e nos processos identitários desenvolvidos dentro das relações estabelecidas nas redes sociais, ocorridas num espaço de interpenetração entre o

on e o offline.

O papel das redes sociais na Internet no desenvolvimento de dinâmicas de ativismo político do Norte de África e Médio Oriente, em Espanha ou nos Estados Unidos foram focados em diversos estudos. Mas os académicos ficaram predominantemente centrados no modo como as tecnologias determinaram o surgimento de novas formas de organização política e a etnografia digital permitirá ir para além dessa perspectiva tecnodeterminista, ajudando-nos a perceber como faz parte de uma realidade mais complexa, de uma construção social e negociação humana, que muda consoante os diferentes contextos e grupos envolvidos (Barassi, 2017: 407, 408).

Dentro de climas de instabilidade política, a Internet e as suas redes abriram possibilidades de colaboração de ativistas entre largas redes, a um nível mais vasto e rápido, e potenciaram também o surgimento de efeitos virais políticos, através da partilha de fotografias ou de vídeos no YouTube (Postill, 2012: 175-179), fenómenos que estarão presentes neste estudo.

Numa perspetiva naturalista ou realista do projeto etnográfico, a etnografia da Internet surge como altamente problemática, por nos remeter para uma noção de 'campo' diferente daquela em que o etnógrafo se desloca até a um determinado espaço físico distante do seu. Contudo, o desenvolvimento das tecnologias mais interativas levam à questão: Porque é tão fundamental o viajar? A ideia da viagem remete para a de tradução de uma cultura nativa com a qual se entrava em contacto colonial. A ideia de ir, ver, ler, imaginar. Mas é possível viajar na net sem sair do mesmo lugar, em pé de igualdade com os outros utilizadores. É possível ao antropólogo abrir-se à imprevisibilidade do campo, de modo a que pelo menos parte da agenda seja dada pelo quadro com que o etnógrafo é confrontado (Hine, 2000: 43-46), à semelhança do que acontece na generalidade

dos trabalhos de campo.

É um novo campo, rico e complexo, na medida em que oferece ao etnógrafo a possibilidade de com ele interagir para captar a sua fluidez e multiplicidade identitária, em experiências relacionais do self. O papel do investigador passa por identificar conceitos chave, padrões, regras e procedimentos dentro dos fluxos da rede (Thomsen, 1998).

A forma de reenquadrar uma etnografia por detrás deste campo seria usar os seus objetivos

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