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CAPÍTULO I: ENQUADRAMENTO

1.5. Facebook, Internet e revolução da esfera pública

A Internet começou a ser utilizada como uma infraestrutura que permitiu inovar a dinâmica dos movimentos sociais ao longo da década de 1990. O movimento político/espiritual chinês Falun

Gong – cujo líder Li Hongzhi, residindo em Nova Iorque, conseguiu mobilizar dezenas de milhões de seguidores que desafiaram o poder do Partido Comunista chinês – é apontado como um pioneiro (Castells, 2001: 168). Mas o caso que ganhou mais destaque, em meados da década, foi o do movimento Zapatista de Chiapas, que utilizou a rede para obter simpatias e apoio, à escala global, para a causa de reconhecimento dos direitos dos indígenas face ao estado mexicano, numa mudança estratégica do seu modo de atuação (Castells, 2001: 167; Castells 2001b: 88-102; McDonald, 2006: 15). Porém, considera-se que foram as manifestações de Seattle em 1999, em protesto contra a globalização neoliberal e as suas instituições, por ocasião de uma conferência da Organização Mundial do Comércio, que transpuseram verdadeiramente o uso da Internet para causas e movimentos para além do âmbito local (McDonald, 2006: 14).

A organização de campanhas off e online, o hacktivismo (que pode ir desde atos como o congestionamento intencional de sites até ao cibercrime) e a difusão de informações e propostas alternativas em novas redes de media independentes, são apontados como os três principais usos da rede para promoção de novas formas de ativismos (Rigitano, 2003: 3-8).

Os níveis de penetração que a Internet e as redes sociais online têm alcançado ao longo da segunda década do século XXI nas práticas quotidianas de grande parte da população mundial tornaram-se num importante veículo no desenvolvimento de relações sociais, mas também do modo como se passou a aceder à informação dos mass media. As redes sociais online contribuíram para que o acesso à informação dos meios de comunicação social passasse a ser feita em moldes menos passivos, quer pela possibilidade de republicação seletiva dos seus conteúdos, numa escolha que reflete as filiações identitárias e ideológicas, quer pela possibilidade de efetuar comentários sobre os mesmos. Críticas, comentários de apoio ou de repúdio, passaram a ser veiculados nas redes, por vezes criando efeitos em cadeia capazes de gerar ondas de indignação e protestos.

Com a Internet, os meios de comunicação de massas passam a coexistir com a self- comunicação massiva das redes, esta última numa estrutura mais horizontal que vai para lá do

mainstream e das elites. Os dois modos de comunicação interagem e convergem, de modo nem

sempre pacífico, com os media tradicionais a tentarem estar presentes nas novas redes, e com os atores destas a procurarem por vezes alcançar destaque nos meios de comunicação de massas, de modo a alargar o apoio e impacto das suas 'causas' (Castells, 2007: 248-255).

No quadro do que Castells denomina como sociedade em rede (onde a globalização tornou as velhas estruturas do Estado-Nação algo obsoletas, com a desorganização das bases da democracia liberal estabelecidas na Era Industrial, apesar de continuarem a ser a nossa principal referência, tanto em termos organizativos como a nível simbólico e emocional) a Internet veio responder à necessidade de afirmação de identidades mais individualizadas, em reação à descentralização do poder e a uma vida social e laboral menos linear (Castells, 2001c: 433; Castells 2007: 145-161, McDonald, 2006: 9-34).

A rede social Facebook é apresentada como potenciadora de microactivismo (Marichal, 2010: in passim) dentro da mudança histórica da esfera pública na Era da Informação, onde novos

media, como a Internet, surgem como infraestruturas de redes horizontais, que ultrapassam a

unidirecionalidade dos media mainstream (Castells, 2007: 246).

Dadas as suas características de comunicação não presencial, o Facebook surge como um espaço para manifestação de identidades menos condicionadas pelas características físicas, permitindo projetar selfs socialmente desejáveis (Zhao, 2008: 1817, 1828). O que leva alguns autores a questionarem o 'real' grau de envolvimento manifestado no Facebook. Não se estarão a criar laços mais fracos e uma maior passividade, por baixo de uma ilusão de ação política? (Haider, 2011: 2, 5) Os céticos consideram que as redes de cidadãos baseados na Internet, ao permitirem que muitos interesses diferentes e até contraditórios sejam discutidos a nível internacional, geram um engarrafamento de ideias, perspetivas e posições sobre o mundo, levando a que nunca se alcance qualquer meta. Numa posição contrária, teóricos de influência gramsciana e liberal acreditam no potencial de participação democrática dessas redes em arenas anteriormente monopolizadas pelo Estado (Rigitano, 2003: 2). Há também quem pense que as novas formas de interação baseadas no Facebook estão a desencadear um processo gradual que levará a mudanças de fundo na sociedade civil e na esfera pública, cujo impacto só será verdadeiramente sentido a médio e longo prazo (Haider, 2011: 5). Promovendo a exposição pública de dados do foro privado e o voyeurismo, o Facebook abre campo a que, numa atitude passiva, essas experiências sejam integradas num mundo interno de fantasia e imaginação, onde muitas pessoas passam grande parte do seu tempo (Miller, 2011: 172-177).

A rede social criada em 2004 por Mark Zuckerberg na Universidade de Harvard – no âmbito das relações hedonistas, de afirmação de status e de jogos passionais entre os estudantes

universitários – rapidamente cresceu, ganhando dimensão mundial e diversificando o tipo de utilizadores, bem como os usos que fazem da rede. Esta passou a ser utilizada em simultâneo para os mais diversos tipos de finalidades (Miller, 2010, 2011: in passim), como a frivolidade, a manifestação de ideologias e de identidades, assim como o seu uso estratégico face aos mais diversos sistemas políticos, a surgirem de modo sobreposto.

Em 2008, na Colômbia, uma página no Facebook contra os raptos levados a cabo pelas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) conseguiu em apenas um mês uma manifestação com milhões de pessoas (Neumayer, 2008: 3; Miller, 2011: 187, 188).

Os telemóveis e mais tarde a Internet – com o Twitter, o YouTube e o Facebook – permitiram contornar a censura dos mass media no Egito e ser um complemento informativo na Tunísia, nomeadamente na monitorização de eleições, com cidadãos comuns a emergirem como novos atores que contribuíram para desencadear processos de democratização nestes países (Perna, 2012: in passim).

Os protestos populares que levariam à queda do regime de Hosni Mubarak foram desencadeados por Esraa Abdel Fattah, uma mulher de 27 anos que em março de 2008 criou uma página no Facebook para apoiar uma greve de trabalhadores da indústria têxtil, conseguindo em semanas um largo apoio que foi muito para lá da rede social (a que na altura ainda só uma pequena parte da população tinha acesso) (Faris, 2008: 1-3). A 'Primavera Árabe' não foi prevista pelos estudiosos, cujo foco de análise deixava de fora as novas redes onde a cultura da revolução se estava a desenvolver (Musleh, 2012: 15).

As vagas de protestos geradas no norte de África, no Egito e Tunísia, e posteriormente na Líbia, Marrocos e Argélia, apresentam diferenças entre si, acentuando-se ainda mais em países do sul da Europa, como Portugal, França, Itália e Espanha (Tejerina, 2012: 94). Enquanto a ‘Primavera Árabe’ nasceu no âmbito de lutas pela democratização dos regimes políticos e as redes descentralizadas da Internet permitiram, pelo menos na fase inicial, contornar o controlo de regimes autoritários, nos protestos do sul da Europa o online surgiu como um veículo capaz de permitir o estabelecimento de novas dinâmicas de inter-relações, em proximidade com o imediatismo das práticas do quotidiano e num contexto de grande heterogeneidade e complexidade social. Num momento mais intenso das medidas de austeridade, em sequência da crise no sistema neoliberal, a

Internet veio ao encontro do descontentamento e do sentimento de falta de representatividade dos dirigentes políticos, surgindo ao mesmo tempo como uma janela de saída para um sistema em que a esfera pública se encontrava fechada, sem espaço para um debate face ao domínio mediático da narrativa neoliberal.

A Internet e o Facebook têm tido um papel central na contestação dos movimentos de crise ao anti-capitalismo neoliberal. A magnitude alcançada pelas manifestações da GAR contribuiu para a abertura de um novo ciclo de protestos, com a expansão internacional dos novos modos de mobilização, grande propagação internacional dos reportórios e bases populares mais alargadas, mas mais circunscritas aos diferentes Estados-Nação, num cenário de contágios e influências recíprocas.

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