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O foco nos grupos, a escolha dos entrevistados e as entrevistas semiestruturadas

CAPÍTULO II: A CONCEÇÃO DO PROJETO E A DEFINIÇÃO DA METODOLOGIA

2.4. O foco nos grupos, a escolha dos entrevistados e as entrevistas semiestruturadas

Entre o on e o offline, a identificação de atores centrais ou preponderantes efetuada dentro da observação participante foi de enorme importância para a perceção e compreensão das dinâmicas e inter-relações entre os diferentes grupos e estruturas.

O QSLT fora claramente criado com uma lógica de rede que procurou ter elementos capazes de fazer pontes para diferentes grupos e setores. O contacto com essa plataforma, assim como com outros grupos, a par da observação da Internet (que permitiu nomeadamente fazer recúos temporais), facilitou a reconstituição cronológica dos acontecimentos.

Foram efetuadas 23 entrevistas a elementos centrais no estabelecimento de elos dentro desse circuito de ativismo em redor das grandes manifestações. São entrevistas semiestruturadas, onde se procedeu a uma reconstituição dessas manifestações: descrição das mesmas, forma como estiveram envolvidos e participaram, descrição dos grupos, suas características e evolução, assim como o posicionamento ideológico, percurso político dos entrevistados e seu uso da Internet para ativismo.

No início das entrevistas foi estabelecido o compromisso de que na tese não seriam mencionados nomes de pessoas, para facilitar a relação de confiança e por o foco da tese serem os grupos e as suas dinâmicas, não os indivíduos que dentro delas interagiam.

A escolha dos entrevistados procurou englobar elementos dos grupos e estruturas que mais se destacaram nos processos da convocação das manifestações neste período, abarcando os diversos setores, desde ativistas de movimentos sociais sem ligação a sindicatos ou partidos até àqueles que integravam esse dois tipos de estruturas. O foco nos grupos fez com que os ativistas independentes ficassem subrepresentados.

Alguns dos grupos descritos no quadro que se segue têm reduzida dimensão. O critério para a seleção foi o impacto que ganharam nas dinâmicas para a convocação das grandes manifestações, entre as alianças e antagonizações ocorridas, assim como a relevância que tiveram no micro-cosmos em estudo, mesmo que em alguns casos tenham uma dimensão residual fora desse circuito. A escolha dos entrevistados procurou incluir membros das diferentes organizações de ativismo associadas à organização das manifestações políticas em Lisboa, no período em análise. Esse critério levou a que grupos de menores dimensões estejam sobrerepresentados. Pelo mesmo motivo, estão também sobrerepresentados os ativistas que acumulam pertenças a várias organizações, em detrimento daqueles cuja participação ocorreu a título mais pontual e limitada a uma única. No contexto geral, esses casos são contudo exceção. A composição das três estruturas privilegiou elementos com multipertenças, decisão para a sua eficácia no estabelecimento de pontes o mais abrangentes possível. Esse critério esteve presente logo nos convites endereçados pelos quatro membros iniciais da GAR, para os elementos que integraram o grupo (que sempre se manteve de dimensões reduzidas). Existiu também na P15O, assim como no QSLT. Esta última estrutura teve na sua génese a ideia de criar um grupo que não fosse demasiado amplo. E inúmeras organizações contavam apenas com um elemento representado.

A amostra procurou ser representativa, mas não equitativa. De fora ficaram grupos que, embora tenham surgido no campo em estudo, já lá não permaneciam quando se iniciou a etnografia. O QSLT tinha uma posição preponderante no período da observação participante e tem mais destaque nos dados e respetiva análise. O facto de a plataforma ter sido construída com essa lógica de reunir elementos de um leque abrangente de organizações levou a que fosse um bom ponto de estabelecimento de contactos. Mas foram também incluídos os grupos com os quais se tinham criado antagonismos e que foram mantidos de fora, mas continuavam a disputar esse campo de mobilização política.

As entrevistas foram levadas a cabo na segunda metade de 2013, altura em que se verificava o acentuado declínio da capacidade de mobilização das novas estruturas. Após os ativistas do grupo GAR terem saído do campo das mobilizações e com a erosão interna da P15O, verificava-se o desapontamento daqueles que haviam integrado o QSLT, que dominara a segunda e última parte do período em análise. Apenas 3 entrevistas foram levadas a cabo entre finais de 2016 e abril de 2017, quando a atividade do QSLT já tinha mesmo sido encerrada.

Para manter o anonimato dos ativistas, é indicada apenas a data em que a respetiva entrevista foi efetuada e as organizações que referiram integrar durante o período em análise nesta tese (não são referidas pertenças anteriores). Evitando dados que poderiam contribuir para a sua identificação não são apresentadas as suas idades, nem o respetivo género (todas as referências e construções verbais que poderiam dar essa indicação foram colocadas no masculino).

Em termos de género, a composição do meio ativista é significativamente equitativa e isso é algo que também acabou por estar refletido entre os entrevistados: 13 são do género masculino, 10 do feminino. Em termos de idades, situam-se entre os 27 e os 76 anos: 2 na casa dos 20, 9 na dos 30, 9 na dos 40, 1 na casa dos 50, 1 na dos 60 e 2 na dos 70. A esmagadora maioria tem formação universitária. Alguns ainda se encontram ligados ao meio académico, nomeadamente como investigadores bolseiros, e um como professor universitário, três são jornalistas, um é ator. Apenas um era ativista a nível profissional, três pessoas referiram estar desempregadas. A situação de precariedade laboral afetava uma parte substancial dos inquiridos.

A esmagadora maioria indicou situar-se politicamente na área da extrema-esquerda (tendo como referência o atual espectro político). 14 definiram-se como marxistas ou comunistas e três dos quais também como trotskistas. 3 referiram sentir-se próximos do ideário anarquista. Quase todos já estavam ligados ao ativismo antes da manifestação do 12 de março de 2011, ou haviam estado no pós 25 de Abril e tornaram-se ativos por essa altura. Os movimentos estudantis surgem como um forte antecedente, nomeadamente os ligados ao meio universitário de Coimbra. 7 tinham esse antecedente, apesar de todos os entrevistados no momento da observação participante estarem a residir e a participar em estruturas de ativismo da área de Lisboa (a área geográfica onde a observação participante esteve centrada). Um fator que se apresenta também muito associado à participação no ativismo é o contexto familiar e o crescimento num contexto e cultura fortemente politizados. Os pais de diversos ativistas haviam tido forte participação política. A maioria não eram nascidos ou eram muito novos para terem participado no momento de maior mobilização política do pós-25 de Abril. Mas esse processo surge como uma referência para a generalidade.

8 entrevistados acumulavam a participação em organizações de ativismo e em partidos políticos, cinco dos quais no BE, que se situa numa área de maior confluência. Encontram-se também ativistas que saíram do BE e que integraram a Revista Rubra (2) e o MAS (1) que se constituiu como partido político neste período. As disputas entre essas estruturas estarão muito

presentes nas dinâmicas em análise. Há também um membro do PCP, partido que de início esteve praticamente arredado deste campo mas gradualmente foi ganhando mais proximidade, com a participação de elementos do partido que estabeleceram uma aproximação, ainda que informal. 2 entrevistados referiram também ligações a partidos políticos no passado, ao PCP num dos casos e ao PCP e BE noutro.

A questão da relação com os partidos políticos surge como sensível e marcante, com este campo a ser disputado por ativistas com posicionamentos muito díspares nesta matéria. Entre os que têm uma posição de equidistância, os que são antipartidários e aos que acumulam o ativismo e a militância partidária, ocorreram diversas alianças e antagonizações.

Embora se cruze com o objeto de estudo, a lógica interna dos partidos políticos e das estruturas sindicais ficou de fora da observação efetuada. Também os moldes em que ocorreu o crescimento e declínio da participação de parte significativa da população e os fatores associados, como a influência dos mass media, surgem apenas de forma tangencial, foi excluída da observação, que se manteve centrada nos grupos e estruturas de ativismo político.

CAPÍTULO III: OS PRINCIPAIS GRUPOS E PLATAFORMAS

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