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CAPÍTULO IV: A IDENTIFICAÇÃO DO CICLO DE PROTESTOS NO DESENROLAR DO TRABALHO DE CAMPO

4.5. As últimas iniciativas e tentativas de revitalização do QSLT

Seguiram-se meses de estagnação. Até ao fim do ano, só voltariam a reunir-se uma vez, em meados de novembro, tendo estado presentes 13 elementos. O número restrito de membros levava a que as iniciativas de alguns ganhassem bastante preponderância, o que chocava com a ideia de funcionamento horizontal, sem lideranças. O modelo da convocação de manifestações parecia ter-se esgotado e a dificuldade em obter destaque nos media surgia como um elemento que contribuía para tal. Na reunião seguinte, que teve lugar já em janeiro, com 20 ativistas, a questão do futuro do QSLT voltou a ser abordada, com a constatação de que a ideia da abertura geral não funcionara (na verdade não chegou a ser concretizada). Apontou-se por isso para uma tentativa de alargamento por convites, no sentido do estabelecimento de sinergias com outros que não aqueles que se apresentavam em plena disputa com o QSLT.

A demissão do Governo e o fim do programa da Troika, as principais reivindicações, não haviam sido alcançadas, apesar do êxito das primeiras duas manifestações. Isso apontado como um fator de desmobilização externa e perda de eficácia do grupo. Falou-se na reativação dos grupos de

trabalho que se dedicassem a pequenas iniciativas, eventualmente dentro de um registo mais provocatório de desobediência civil. Sugerimos que, seguindo o exemplo espanhol, em que diversos grupos se haviam dedicado a levar ações para evitar que bancos tomassem posse de casas por falta de pagamento dos respetivos créditos, ou o da recente vaga de protestos no Rio de Janeiro, contra o aumento do preço dos transportes, o QSLT devia procurar investir em áreas concretas onde estavam a decorrer cortes com implicações muito diretas na vida das pessoas.

Dado o historial de conflitos internos surgidos na Internet foi decidido o fim do QSLT

Underground. As decisões apenas seriam tomadas presencialmente e não online. Isso foi reiterado

na reunião seguinte em fevereiro, que contou com 14 pessoas e onde começou a tomar forma a proposta de criar uma campanha do suposto Partido Obrigado Troika (POT) por ocasião das eleições europeias. A primeira ação do POT nos media conseguiu impacto pelo cariz inverosímil do partido, gerando diversos artigos mas causando alguns constrangimentos junto de jornalistas que se sentiram ludibriados. As ações do POT passariam pela criação de textos, de um hino e de vídeos (nomeadamente com o registo de uma "Troika Party") para colocar na Internet. Ainda durante o mês de fevereiro surgiria um convite da Casa da Achada para o QSLT ser uma das estruturas de ativismo que participasse na iniciativa TRVDC, uma celebração alternativa às tradicionais comemorações da Revolução dos Cravos, que decorria na noite de 24 para 25 de abril, com os diversos rios humanos a confluírem a partir de diferentes pontos até ao Largo do Carmo.

Os convites diretos levaram ao surgimento de cerca de uma dezena de novos membros, grande parte dos quais recém-chegados a este meio, o que não foi de todo suficiente para que se recuperasse a anterior dinâmica e dimensão. Nos meses seguintes, o QSLT irá dedicar-se sobretudo a essas duas atividades, ocorrendo alguma divisão dos seus membros, com alguns a apostarem mais nos TRVDC e outros a optarem por não participar nessa iniciativa. A decisão dos grupos que integraram os TRVDC de não cumprirem a obrigação legal de comunicarem a iniciativa às entidades oficiais gerou a discordância de alguns membros do QSLT que não estavam a participar na organização da mesma. Eles consideravam também que não estava a ser feita a aposta fundamental na divulgação junto dos media. Fatores que encaravam como próprios de uma irreverência anarquista ineficaz. Os mesmos elementos colocaram também em causa que o rio do QSLT fosse autónomo (fora decidido que o grupo do QSLT partiria da Rua do Século, junto ao Tribunal Constitucional, que recentemente travara algumas mudanças que o Governo pretendia implementar) de outros grupos afetos e que habitualmente engrossam as fileiras, como os PI, o que

facilmente levaria a uma presença ainda menos numerosa. O reconhecimento mediático do QSLT levou a que estes surgissem em destaque em algumas notícias de apresentação da iniciativa, o que gerou algum desagrado por parte dos outros grupos.

No plenário, que decorreu dias depois de TRVDC, foi apresentada a proposta de realização de uma manifestação a 24 de maio – data em que as manifestações não eram permitidas por ser o dia de reflexão que antecedia as eleições europeias. Teria a forma de um "Dia da Raiva" ou, num registo mais irónico e próximo das ações do POT, de um "cocktail da vitória". A ideia teve oposição dentro do QSLT. Para lá dos riscos que acarretava para os seus participantes, alguns achavam que podia surgir ou ser encarada como de apoio aos partidos de esquerda. Por isso, foi colocada de lado.

Nas eleições europeias, o partido espanhol Podemos – gerado dentro da dinâmica dos novos grupos de protesto – tinha obtido excelentes resultados, o que gerou a esperança de uma possível transposição para Portugal desse sucesso e a uma disputa pela vinda de membros do partido ao nosso país. O BE conseguiu antecipar-se e trazer a eurodeputada Teresa Rodriguez para um debate. Algo que seria repetido posteriormente com outros membros do Podemos que vieram a dois debates promovidos por grupos de ativismo. O último deles teve lugar no ISPA, com divisões quanto ao sentido de se criar ou não em Portugal um partido dentro do espírito do Podemos. A iniciativa gerada por ativistas de diversos grupos, acabaria por culminar numa aliança com o MAS, que deu origem ao Agir, coligação que posteriormente se candidatou às eleições europeias, tendo contudo ficado muito longe de eleger um deputado.

Ainda antes, embora sem nunca ter decidido o seu fim, o QSLT terminou as suas atividades. A eventual adesão a protestos contra o caso BES, ou de contestação à privatização da TAP, foram as últimas ideias, que não chegaram a concretizar-se.

O ciclo de mobilizações, fora dos movimentos sociais tradicionais, já teria por essa altura encerrado há algum tempo, o que foi especialmente significativo por ter ocorrido ainda em pleno período de aplicação das medidas de austeridade e sem sequer ter quaisquer garantias de que estas viessem a desaparecer no futuro. A última ação com adesão suficiente para consistir numa pressão política significativa ocorrera no 2 de março de 2013. A de 26 de outubro de 2013 já não havia conseguido adesão superior à da CGTP, a central sindical com maior base de apoio, e que antes da crise tinha conhecido um gradual declínio, mas ainda assim possuía uma capacidade de resiliência

muito superior. As dinâmicas de protesto em torno das novas estruturas tinham ganho grande amplitude graças a laços de fraca densidade, que vieram a revelar-se efémeros.

CAPÍTULO V: DA GAR AO QSLT – A RECONSTITUIÇÃO CRONOLÓGICA ENTRE O

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