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Nesta pesquisa abordo o trabalho artístico com o um a proposição do autor, um convite ao espectador. Sendo assim , isso nos leva a cogitar a participação e a co-autoria do espectador na produção da obra de arte e, con seqüen tem ente, n a sua significação. Nesse sen tido, a pesquisa en contra respaldo n o pen sam ento do filósofo Rolan d Barthes, em suas idéias a respeito da in terpretação da obra e do lugar do espectador nesse jogo do diálogo.

Barthes in icia o seu texto “A m orte do autor”, indagan do sobre as possíveis origen s de um determ in ado trecho da n ovela Sarracine, de Balzac, onde con clui que: “Será para sem pre im possível sabê-lo, pela boa razão de que a escrita é a destruição de toda a voz, de toda a origem ”61. O autor afirm a que a escrita é a

destruição de toda origem, a perda da identidade do autor. Barthes escreve:

Sem dúvida que foi sem pre assim : desde o m om en to em que um facto é con tado, pra fin s in tran sitivos, e n ão para agir directam en te sobre o real, quer dizer, fin alm en te fora de qualquer fun ção que n ão seja o próprio exercício do sím bolo, produz-se este defasam en to, a voz perde a sua

origem, o autor entra na sua própria morte, a escrita começa. 62

A partir do m om en to em que a obra está com pleta, (ou o que o autor con sidera com o com pleta de acordo com os seus objetivos e inten ções), há esse rom pim en to com a origem , que n o caso é o próprio autor. Esse rom pim en to é defin itivo e um a vez liberta do autor, a obra é en tregue ao leitor que está livre para a sua interpretação. Barthes n os en sin a que ao passado do autor pertencem seus sentim en tos, vivências daquele m om en to extinto. O quan do “escrevia” é o ún ico vínculo que ele tem com a obra. Propon ho que isso seja válido não só n ão literatura, m as para toda obra de arte. A obra liberta do autor perm ite-nos desfrutá-la, descobrindo, à n ossa m aneira, a m elhor form a de descobri-la, a nossa condição de compreendê-la.

61 BARTHES. A morte do autor. In: O rumor da língua, p. 49.

Um outro pon to im portante a ser discutido aqui é se existe um a in terpretação correta da obra. Trata-se do sign ificado origin al da obra, a significação origin al e in tencional do autor. Barthes susten ta que o significado do autor n ão é, n em m esm o em prin cípio, recuperável e com relação a esse assun to escreve:

Um a vez o autor afastado, a preten são de decifrar um texto torn a-se totalm en te in útil. Dar um Autor a um texto é im por a esse texto um m ecan ism o de seguran ça, é dotá-lo de um sign ificado últim o, é fechar a escrita. Esta con cepção con vém perfeitam en te à crítica, que preten de en tão atribuír-se a tarefa im portan te de descobrir o Autor (ou as suas hipóstases: a sociedade, a história, a psique, a liberdade) sob a obra: en con trado o autor, o texto é explicado, o crítico ven ceu; n ão há pois n ada de espan toso n o facto de, historicam en te, o rein o do Autor ter sido tam bém o do Crítico, n em n o de a crítica (ain da que n ova) ser hoje abalada ao m esm o tem po que o Autor. Na escrita m odern a, com efeito,

tudo está por deslindar, mas nada está por decifrar. 63

Barthes afirm a que esse sign ificado origin al da obra é in acessível, portan to n ão se justifica a busca dessa in terpretação correta. Mas, em que sen tido, o autor, fala de sign ificado origin al da obra? A prin cípio in terpretei essa origem com o a intenção do autor, mas, Barthes escreve que:

O e s crito r n ã o p o d e d e ix a r d e im ita r u m ge s to s e m p re a n te rio r, n u n ca o rigin a l; o seu ún ico poder é o de m isturar as escritas, de as

con trariar um as às outras, de m odo a n un ca se apoiar n um a delas. Se quisesse exprimir-se, pelo m en os deveria saber que a “coisa” in terior que tem a preten são de “traduzir” n ão passa de um dicion ário totalm en te com posto, cujas palavras só podem explicar-se através de outras palavras,

e isso indefinidamente. (Grifos nossos). 64

obra” tam bém pode estar se referin do ao significado prim ordial, ou seja, a origem , o prim eiro gesto. Este, de fato, é in acessível tan to ao leitor/ espectador quanto ao historiador ou ao crítico. Quan do Barthes afirm a que o autor n ão tem o poder de criar, pois sem pre vai existir um gesto anterior ao seu e assim por dian te, esten do esse raciocín io à figura do leitor/ espectador, e pen so se a nossa leitura/ in terpretação n ão estaria con den ada ao m esm o m ovim ento, sem pre con struin do n ossa in terpretação em ecos de outras leituras. Um a espécie de “Cadeia interpretativa” on de sem pre haveria um a interpretação an terior que influencia a in terpretação posterior, e assim sucessivam ente. Um berto Eco n os fala que o procedim en to de leitura de cada in divíduo é baseado em um “código individual de leitura”, conforme vimos anteriormente. A liberdade interpretativa do espectador n ão é tão livre quanto pen sam os, se con siderarm os, além da in tencionalidade da obra, os condicion am en tos sociais e culturais. Apesar de carregar esses vestígios de outras interpretações propon ho que ain da prevaleça a subjetividade do in divíduo, a singularidade de cada percepção e seu conhecim en to construído individualmente, tornando sua interpretação única.

Com relação a in terpretar um a obra de arte a partir da biografia do autor, Barthes comenta que:

O Autor rein a ain da n os m an uais de história literária, n as biografias de escritores, n as en trevistas das revistas, e n a própria con sciên cia dos literatos, preocupados em jun tar, graças ao seu diário ín tim o, a sua pessoa e a sua obra; a im agem da literatura que podem os en con trar n a cultura corrente é tiranicamente centrada no autor, na sua pessoa, na sua história, n os seus gostos, n as suas paixões: a crítica con siste ain da, a m aior parte das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire é o falhan ço do hom em Baudelaire, que a de Van Gogh é a sua loucura, a de Tchaikowski o seu vício: a explicação da obra é sem pre procurada ao lado de quem a produziu, com o se, através da alegoria m ais ou m en os tran sparen te da ficção, fosse sem pre afin al a voz de um a só e m esm a pessoa, o autor, que

nos entregasse a sua “confidência”. 65

Sendo assim , é viável procurar en ten der ou explicar um a obra de arte un icam ente através da vida do autor, cujo trabalho é, n a realidade, a m anifestação de um con texto social e de sua visão do m un do em um período específico? É relativam ente com um historiadores, críticos e in teressados em arte de m odo geral, buscarem em um a obra “sin ais” do autor, sua person alidade, vícios e paixões. Muitas vezes procuram ver em um a obra a “pessoa” do artista e dessa form a explicar o objeto artístico através da vida do seu autor. Realm en te o artista é um pon to de in teresse para a an álise da obra, m as isso n ão quer dizer que a in terpretação do objeto de arte deva ser con struída sobre a biografia do autor. Sobre a autoria Barthes escreve:

O autor n un ca é n ada m ais para além daquele que escreve, tal com o eu não é senão aquele que diz eu: a linguagem conhece um “sujeito”, não uma “pessoa”, e esse sujeito, vazio fora da própria en un ciação que o defin e, basta para fazer suportar a lin guagem , quer dizer, para a esgotar. [...] o

scriptor m odern o n asce ao m esm o tem po que o seu texto; n ão está de

m odo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita.

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É preciso pon derar que, quando Barthes con den a a busca do autor n as obras ou a ten tativa de encontrar “a in terpretação correta”, isso n ão quer dizer que o autor n ão existe ou que n ão tem im portân cia, m as que essa form a de busca, de entendimento, é extrem am en te lim itada. Prim eiro porque a obra de arte, pela sua própria natureza polissêmica, possibilita a proliferação de múltiplas interpretações. En tretan to, se o espectador tem con sciência dessa lim itação, esse estreitam en to pode ser um a form a de se chegar à obra e buscar um en tendim en to m ais am plo a partir disso. Se o espectador tem con sciência e o cuidado de n ão pretender que a visão da crítica, do m useu, da in stituição ou do autor seja a sua in terpretação, ele é livre n o seu jogo com a obra para seguir sua in tuição. E todo con hecim en to que obtiver pode rem etê-lo n ovam en te à obra, lan çar n ovas luzes sobre ela e con duzi-lo

Nesse con texto, inform ações históricas, leituras sobre a cron ologia do autor e outros detalhes são conhecimentos que podem influenciar, apoiar ou questionar a prim eira leitura. Muitas vezes n ão há n en hum a in form ação que an tecede a in terpretação. É da própria obra que se parte. Em outras relações, o espectador possui con hecim en tos an teriores ao jogo com a obra, com o os citados acim a e outros. Podem os conhecer o autor, sua vida, sua época e até sua visão de m un do, m as é preciso ter cuidado e consciência para n ão traduzir essas (e outras) visões (com o a da crítica especializada, galerias ou m useus) com o se fossem a n ossa. É característica da arte essa m ultiplicidade de sign ificados, essa possibilidade de m últiplas in terpretações de acordo com os vários tipos de leitores em épocas diferentes.

Outro ponto in portante que deve ser ressaltado é que Barthes não declara em momento algum que o autor não teve nenhuma intenção ao produzir a obra. Ele diz que essa in tenção é geralm ente irrelevante para a interpretação/ fruição da obra pelo espectador. No pen sam en to de Barthes há ainda um a crítica àqueles que dom in am (ou pen sam que dom inam ) os códigos eruditos e assim podem “decifrar” as obras de arte, ten do um a in terpretação correta das m esm as, um a in terpretação m ais próxim a do significado origin al da obra. O autor vai defen der o livre uso da obra por parte do leitor e chega a dizer que “o nascimento do leitor tem de pagar-se com a m orte do autor”67. É claro que devem os ter cautela em in terpretar essa

afirmação, pois o que está sen do atacado por Barthes é um conceito de autor com o fonte fixa, ún ica e determ in ada das obras artísticas e de seus sign ificados. Segun do o autor, as obras de arte são polissêm icas e polifôn icas, e con têm e expressam significados que vão além dos pretendidos pelos in divíduos que são seus autores. Além disso, o autor den tro de um con texto social e ideológico provavelm en te só form ulará e representará um pon to de vista. En tão, qual é o lugar do Autor Contemporân eo? Proponho pen sar que ele seja um m ediador de sen sações, um facilitador de experiên cias sen síveis e racion ais, n a m edida em que possibilita ao seu espectador n ovas experiências, cria objetos e am biências onde o sujeito pode in teragir, atuar, refletir, con tem plar, fruir, tran sform ar, participar. O espectador

n ão é depositário das in tenções, an seios e desejos do autor, ele é parceiro e co- autor nessa rede de relações.

Dian te das colocações de Barthes, é lícito dizer que é n ecessário que o espectador ten ha um con hecim ento específico - sobre arte ou sobre o próprio autor - para apreciar as obras de Waltercio Caldas, por exem plo? Um espectador leigo, livre e ativo teria um a experiência estética válida? Essa relação com a obra seria apen as um a experiência sen sível/ perceptiva ou poderia ser con siderada com o um a in terpretação da obra de arte? An tes é preciso esclarecer o que en tendo por “validade”, “legitim idade” e por “in terpretação”. A palavra “válido” possui vários sen tidos, o uso m ais corren te é o sign ificado de correto, verdadeiro, concordante com as regras. Mas, há tam bém o sen tido de valioso, sadio, forte, sólido. Aqui, en ten do por “válido” algo que possui esses valores, e seria a relação on de acon tece um a experiên cia in terpretativa onde o in divíduo con strói um sentido para a obra de acordo com seus parâm etros. O prin cipal é con siderar que toda in terpretação tem um valor ún ico. Nesse con texto a “legitim idade” está relacion ada à singularidade da interpretação do indivíduo. No Capítulo I ressaltei a singularidade da in terpretação de cada espectador, portan to, sugiro que toda in terpretação é legítim a devido a isso. Prim eiro porque existe a dificuldade de se julgar com o legítimo ou não-legítimo dentre coisas que são singulares. Como julgar algo melhor sen do que a sin gularidade é sua característica essen cial? Em segun do lugar, quais os parâm etros que estabeleceríam os para isso? Sugiro que a legitim idade im plica em algo único, então, com o a in terpretação é procedente da subjetividade (ún ica) do in divíduo ela pode ser analisada com o legítim a. Quan to à “in terpretação”, esta pesquisa não alude a idéia de que existiria um sen tido pré-existen te na obra e que caberia ao espectador a descoberta desse sen tido. Aqui a expressão “in terpretação” se refere à expectativa do espectador que con strói sua própria in terpretação da obra a partir dele m esm o e dos estím ulos propiciados pela obra. Voltan do às questões apresentadas, apesar do desconhecim ento teórico do leigo, sua

agiriam com o con dutores da percepção de seu espectador, de m odo a aguçar e ampliar seus sentidos, percepção e compreensão.

Barthes defende a idéia de que o sujeito é livre n a sua relação de in terpretação e fruição da obra de arte. Exalta o espectador com o co-autor da obra, sen do que n a sua in terpretação ele a fin aliza e lhe dá sen tido de ser, existir. Mais adiante verem os, com os argum entos de Um berto Eco, que essa liberdade de interpretação não é total com o um a prim eira leitura de Barthes poderia nos induzir.

Um a leitura equivocada de Barthes pode nos dar um a falsa idéia de que vale tudo, vale dizer qualquer coisa a respeito de qualquer obra. Mas, Eco nos alerta que a interpretação do espectador é uma atividade provocada por uma obra e que visa à in terpretação dessa obra. H á o direito de liberdade in terpretativa do espectador, baseada n a sin gularidade do in divíduo (e con seqüen tem ente de sua in terpretação), m as há tam bém a existên cia da obra (enquan to experiência relacion al), e um n ão subjuga o outro. A idéia da “in ten ção da obra”, proposta por Eco, está relacion ada ao fato de que há elem en tos ou possibilidades, presentes em quaisquer obras, que n ão é o desejado objetivam en te pelo criador, n em aquele con struído pelo sujeito que a interpreta: há a intencionalidade da obra que é operada pela própria obra.

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