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A intervenção Arqueológica do nº 208-214 da Rua Mouzinho da Silveira.

7. A coleção da Mouzinho da Silveira 208-214

7.2. A intervenção Arqueológica do nº 208-214 da Rua Mouzinho da Silveira.

A escavação que forneceu as peças agora estudadas teve como objetivo o diagnóstico arqueológico do imóvel número 208-214, localizado na Rua Mouzinho da Silveira, e decorreu no contexto de recuperação do edifício, por iniciativa da Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto. Os trabalhos que tiveram a direção científica das arqueólogas Susana Rodrigues Cosme e Isabel Alexandra Lopes e decorreram de 19 de novembro de 1998 a 20 de fevereiro de 1999. Uma segunda fase foi realizada entre julho de 1999 e setembro do mesmo ano (Cosme & Lopes,2000:3).

A área prevista de intervenção era de 35m2, dentro de um edifício descrito como «amplo, sem estruturas interiores sendo o pavimento constituído por lajes rectangulares de grandes dimensões […] A fachada principal do imóvel encontra-se virada à Rua Mouzinho da Silveira e as traseiras à Viela do Anjo» (Cosme & Lopes, 2000:4). Nas sondagens, em número de quatro, foram identificadas 76 camadas estratigráficas, sendo as restantes UE’s55 referentes a estruturas ou momentos interfaciais. Para o enquadramento dos cachimbos estudados interessa referir que as unidades nas quais foram recolhidos (u.e’s 005, 088, 100, 102, 105, 114, 119, 128, 129 e 130) fazem parte de contextos anteriores à construção da casa ou que preenchem momentos de

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construção da mesma (valas de fundação). Igualmente, com exceção das unidades 105,114,119,128 e 130, estão todas associadas a grandes quantidades de cinza, terras pretas ou escuras, com matrizes arenosas, anteriores ao lajeado detetado no edifício. As restantes são chamadas «terras castanhas homogéneas» (Cosme & Lopes,2000:6).

A grande maioria dos fragmentos de cachimbo foram encontrados na sondagem 4, (alargamento realizado da Sondagem 2). Na sondagem 2 foram identificados dois muros com um pequeno lajeado associado (Cosme & Lopes,2000:8), que contribuíram para a decisão de alargamento e abertura da quarta sondagem. Logo na camada superficial, de destruição das estruturas mais antigas, a U.E.88, foram recolhidos fragmentos de cachimbo. Esta camada produziu igualmente materiais ferrosos, como pregos, e manchas de carvão. Outros materiais associados a estes depósitos são: vidrados de chumbo, faianças, cerâmica comum tipo Ovar e cadinhos (Cosme & Lopes, 2000:9). Segundo a descrição geral da área, a U.E 100 cobria toda a zona e apresentava-se como composta por terras «negras e arenosas» (Cosme & Lopes,2000:8), tendo contribuído com a maior parte da coleção de cachimbos, bem como para a recolha de materiais férreos (aglomerados metálicos, pregos). Esta camada surge em associação a restos que foram interpretados como elementos de forja (uma pedra quadrangular, com depressão circular e materiais metálicos agregados à sua superfície). Duas outras unidades que forneceram cachimbos são enchimentos da vala de fundação da parede Este (U.E 105 e 128), com materiais associados ao século XIX (Cosme & Lopes, 2000:10). Já a unidade 119 era cortada por estes muros e forneceu alguns exemplares deste acervo.

A interpretação da área realizada por Susana Cosme e Isael Lopes associa-os de restos de actividades metalúrgicas: «os elementos acima referenciados vem testemunhar a sua presença [das ditas actividades] neste local. Este facto é reforçado pelo aparecimento de grandes quantidades de aglomerações metálicas e de cadinhos de médias dimensões com vestígios de uso» (Cosme & Lopes,2000:10). Mais se acrescenta no mesmo relatório que os alçados dos muros (unidades 24, 109 e 110), detetados em níveis abaixo do lajeado, apresentavam uma patine negra e contacto com carvões.

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7.3. Breve caracterização do local.

O local intervencionado apresenta uma história curiosa, pois encontrava-se num ponto de concentração de vias antigas, que foram destruídas para dar lugar à actual rua da Mouzinho da Silveira. De facto, esta zona era ocupada de forma significativa já na Idade Média, encontrando-se dentro do perímetro da Muralha Fernandina (Rodrigues, 2007:97), na freguesia de S. Nicolau. Por sua vez, esta freguesia é uma das mais antigas do Porto, surgindo por volta de 1583 (Rodrigues, 2007:101) e englobava o bairro da Sé, que ocupava o morro da catedral, área da Rua Chã até à Rua das Flores, Rua de S. João, S. Nicolau da Ribeira, Rua dos Mercadores e Bainharia (Rodrigues,2007:101). Só é possível obter informações sobre o espaço ocupado pelo edifício objecto deste estudo na Baixa Idade Média (Cosme & Lopes, 2000:4), porém, sabe-se por dados arqueológicos que existiam vestígios de ocupação romana no local. As referidas ruas possuíam um traçado já próximo do actual (as que ainda existem) e encontravam-se ladeadas por casas com hortas e espaços verdes virados ao Rio de Vila (Cosme & Lopes, 2000:4). Este arranjo de ruas e vielas fazia a ligação entre a zona baixa e ribeirinha da cidade com o alto da Sé, até às reformulações viárias do século XIX (Brochado,2002:155). Tinham igualmente assento nesta rua lojas de ofícios como sapateiros, o dos pelames, bainheiros e mercadores em geral (daí a rua com o mesmo nome). Pela importância da zona, logo em 1521 se iniciam as transformações, com a abertura da Rua da Ponte Nova, que passou a ligar a Bainharia com a Rua das Flores e atravessava o Rio de Vila. Em 1580, a construção da Rua da Biquinha obriga a um primeiro encanamento do mesmo rio no local da via (Cosme & Lopes, 2000:4).

Porém, o empreendimento que mais vai afetar a zona é o rasgar da Rua Mouzinho da Silveira, que resulta da necessidade de criar uma via de melhor acesso à nova alfândega. Este projecto, de 1872 e iniciado no terreno em 1875, levou à destruição das Ruas das Congostas e Biquinha, bem como de inúmeros edifícios da praça de S. Roque. Já o Rio de Vila, que até aí corria maioritariamente ao ar livre teve de ser encanado na sua totalidade, desde a Porta dos Carros à desembocadura no Douro (Brochado, 2002:156). A nova via seria de traçado retilíneo (ver figuras 26 e 27 em anexo) e levaria ao desaparecimento de muitos estabelecimentos pré-existentes (Brochado, 2002:156). Disso são prova as «morosas expropriações» registadas na documentação (Cosme & Lopes, 2000:5).

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Recentemente novas intervenções arqueológicas vieram confirmar a presença de várias actividades, noticiadas já no século XVII e que contribuíram para a deposição de enormes quantidades lixo nas margens do Rio de Vila. Susana Cosme e Isabel Lopes, no relatório de intervenção do imóvel n.208-214, dão relevo à presença de cinzas e materiais associados a forja/fundição (Cosme & Lopes, 2000:5).