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5. Os cachimbos, história e produção

5.10. Outros centros de produção europeus

Podemos encontrar mais países com tradição de fabrico de cachimbos, mas que não tiveram a mesma expressão das produções Holandesas e Inglesas. Países como a Alemanha registam uma certa quantidade de centros de produção, no geral de uma qualidade inferior, mas com algumas exceções, numa tentativa de imitar as fábricas de Gouda. Entre todas, a localidade mais famosa era Westerwald, «these makers appear to have specialized in cheap pipes often plagiarizing the names of makers in other countries», a produção nesta região tendo sido fundada em 1830 (Walker, 1971:31). Sarah Hissa lista outras localidades, como: Zittau, Bernstadt, Wittenburg, Dresden, Berlim, Görlitz, Pirna, Kirchgasse, Freiburg, Breisgau, Bavária, Bohémia, Bremen, Hamburgo (esta última junto com Westerwald, também fazia imitações das peças de Gouda) (Hissa ,2018:90). As produções iniciais na Alemanha surgem com características próprias, como é o caso das peças produzidas na Saxónia, que seriam totalmente manuais, sem recurso a moldes ou rodas de oleiro. Estes exemplares foram também detectados na Polónia. Contudo, apesar da singularidade destes objectos, tornou-se impossível afastar a influência dos estilos Holandeses nas produções alemãs, que passaram a estar «dominadas» por eles nos séculos XVIII e XIX: «In the latter part of the 18th century and during the 19th century, German pipe makers were, to a great degree, inspired by the products of their Dutch competitors. Pipe bowl forms and decorations were adopted, if not duplicated. Clay pipes with imperfect reproductions of the coat of arms of Gouda, the most importante Dutch center of manufacture, or misspelled versions of the place name “Gouda” are generally interpreted by scholars as signs of plagiarism by German pipe makers» (Mehler, 2018: 458).

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Convém ressaltar que a produção na Bavaria foi estritamente controlada, e isso deve-se ao facto de os cachimbos estarem sob monopólio, tal como o tabaco. Esta concessão de monopólio foi criada em 1675 por Ferdinand Maria e incluía igualmente o comércio de cachimbos e na verdade, e de acessórios para consumo de tabaco, «The few records that do mention pipes show that they were part of the monopoly. Foreign pipes were either prohibited or burdened with extremely high taxes to protect local production. The monopoly was not implemented by the state, but by private businessmen» (Mehler, 2009:267-269). Mehler crê que antes da implantação da concessão cachimbos na Bavaria, estes eram feitos por artesãos nas suas oficinas, mas que devem ter cessado quase de imediato após a mudança de legislação. A concessão dura até 1717, quando é substituída por um imposto geral de terras, pago por todos, fumadores ou não, de forma a que muita documentação sobre cachimbos e tabaco desaparece. Este facto cria uma baliza cronológica importante para a arqueologia, pois os cachimbos do período de monopólio eram moldados com as marcas do detentor deste e não do fabricante em si. Mais tarde, podemos também assistir à inclusão do escudo de armas da localidade, tanto carimbado como moldado (Mehler, 2009: 272). Tal como qualquer outro monopólio, a concessão do tabaco e acessórios de consumo na Bavaria era fiscalizado, mas por uma entidade com pouca expressão: uma força a cavalo, de cerca de 40 cavaleiros, chamada «Überreiter», cuja função era revistarem e punirem os infractores ao monopólio: «they were not salaried, but were rewarded on a bounty basis, recieving a share of the confiscated goods and of the fine, which motivated them to hunt for malefactors. Fines and punishments were draconian» (Mehler, 2009: 274).

No que respeita aos cachimbos alemães devemos considerar dois aspetos, o primeiro é que não existe uma evolução linear na tipologia dos cachimbos. Ao passo que em Inglaterra, Holanda, Escócia e outros a tendência é para um aumento do tamanho dos fornilhos, justificado pela capacidade de se adquirir mais tabaco, na Alemanha os fornilhos pequenos não foram abandonados, continuando a produção destes juntamente com fornilhos de maiores dimensões (Mehler, 2009:262). Em segundo lugar, não deve ser esquecido que na região também se produziam cachimbos de porcelana, que no século XVIII eram objetos de luxo, que não estavam ao acesso de qualquer um. Só no século XIX é que estes se tornam numa verdadeira competição aos cachimbos de caulino, quando o seu fabrico é facilitado e tornado mais barato com processos

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industriais. Estas peças tornaram-se assim mais baratos, «everyday objects for even the lowest classes of society», como nota Mehler (2018:456).

Vamos encontrar também uma subtil produção na Noruega. Dados arqueológicos obtidos de trabalhos em zonas portuárias deste país revelaram que: «all pipes used in Norway until the middle of the 18th century were foreign imports» (Ludvigsen, 2009:1), e só se dá a produção local em 1752, na região de Oslo, mais precisamente nas cidades de Drammen, Moss e a antiga Christiania (agora Oslo). Os fabricantes mais importantes do século XVIII são Jacob Boy, estabelecido em Drammen, Christopher Bocklum, de Moss, Knut Rist de Drobak e Lorenz Wahlstrom de Oslo (Ludvigsen, 2009:2) Destes, foi Jacob Boy o primeiro a ser autorizado a estabelecer uma manufactura, na região de Drammen, no Fjord de Oslo. A escolha da localização não é aleatória, foi o ponto onde a maioria das manufacturas e indústrias de instalaram, devido á facilidade de comunicação por trajetos fluviais. Jacob Boy não só se tornou no primeiro fabricante oficializado, como conseguiu deter o monopólio, que beneficiava o mesmo com os direitos aduaneiros sobre argilas e parte dos impostos acrescidos aos cachimbos importados. Pouco tempo depois conseguiu alargar estes direitos ao país todo, quando anteriormente só os detinha na cidade onde estava instalado, e conseguiu mesmo a proibição de importação de peças estrangeiras (Ludvigsen, 2009:3). Dois anos depois da concessão a fábrica de Boy é inspecionada para atestar as condições de trabalho e a sua capacidade para assegurar o abastecimento ao país e a qualidade das suas peças e aparentemente as autoridades ficaram impressionadas (Ludvigsen, 2009:3). As peças de Drammen teriam estilos variados, uns a imitar cachimbos ingleses e holandeses, de valores mais elevados, outros eram referidos como «farmer’s pipes» (Ludvigsen, 2009:4) de produção mais barata.

Apesar de ter apresentado produção suficiente para impressionar as autoridades, as vias de comunicação do país tornaram difícil a distribuição de peças e manutenção dos seus direitos, e nos anos de 1760, já com concorrência a apertar e os monopólios a desaparecer, Boy vendeu a fábrica. Passou por vários proprietários ao longo dos anos, e encontramos a fábrica em 1788 com a produção definhada, ao ponto de estarem só três pessoas empregadas, a produzir apenas os ditos «farmer’s pipes» (Ludvigsen, 2009:4).

Knut Rist foi o segundo produtor a ser autorizado a fazer cachimbos pelas autoridades. Abre uma unidade de produção em Husvik em 1767. Em 1780 esta era comprada por Christopher Bocklum, um ano antes de morrer, passando a propriedade para a sua viúva

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e o novo marido, Hans Jaspersen. Christopher Bocklum já possuía uma pequena fábrica em Larkollen antes de adquirir a unidade de Knut Rist, onde começou a trabalhar em 1769 (Ludvigsen, 2009:4-5).

Para o século XVIII, apresentamos para finalizar, o fabricante Lorenz Wahlstrom, que inicia uma produção em 1781, obtendo peças de grande qualidade, mas que não se consegue manter em funções durante muito tempo. Para o século XIX apontamos três nomes dos produtores que mais se destacaram, Ivar Nielsen (início de funções em 1852), Hans Jensen Berg (registado primeiramente em 1865 e depois em anos posteriores) e John Eriksen (fábrica fundada em 1879). Os cachimbos de caulino não sobreviveriam ao século XX, quando a concorrência de outros materiais e formas de consumo de tabaco se sobrepõem. Segundo Ludvigsen, alguns habitantes recordam que nos anos de 1960 ainda existiam mulheres de certa idade que fumavam cachimbos de caulino, e apresenta o caso de uma drogaria que possuía um stock generoso de peças, nos anos de 1940 (Ludvigsen, 2009:8).

Também na Suécia, «capital da Escandinávia», houve produção de cachimbos de caulino. Estes entraram no quotidiano dos suecos relativamente cedo, tendo sido encontradas peças inglesas, datadas de finais do século XVI e inícios de XVII (Akerhagen, 2009:134). As evidências recolhidas de embarcações naufragadas no século XVII-XVIII (Vasa afundado em 1628, Kronan em 1676 e Jutholm em 1700) são então para importações maioritariamente inglesas, sendo cerca de um terço de produções holandesas (Akerhagen, 2009:134). É já na primeira metade do século XVIII que se assiste às primeiras licenças emitidas, para a instalação de produções em Estocolmo (Carl Aspergen em 1708) e Alingsás (Jonas Alstromer em 1729). Em 1742 ocorre um «boom», despoletado pelo embargo de produtos manufaturados de importação. O pico das produções é exemplificado por um quadro de Arne Akerhagen, onde se assiste a uma produção anual de cerca de 18.245 peças para Alingsás e 17.976 para Estocolmo para o ano de 1764. Já em 1800 a produção tinha sido reduzida para 990 para Alingsás e 1.490 em Estocolmo (Akerhagen, 2009:135). O século XIX vê desaparecer estes centros e surgirem dois outros, em Dalsland e Varmland, de menor dimensão, que se vão manter até aos anos 20 do século seguinte. Durante toda a história de produção na Suécia, os modelos em que os fabricantes lançavam baseavam-se em modelos ingleses e holandeses, como é o caso dos cachimbos armoriais de três coroas,

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com as armas suecas ou com os símbolos de Gustav III (Akerhagen, 2009:135). Segundo o autor referido, não existem registos de produções suecas exportadas.

Devemos incluir uma nota sobre a produção e importação de cachimbos no Sul da Europa. Apesar de não existirem indícios concretos sobre se existiram produtores em países como Portugal, Espanha, Itália etc. deve-se manter sempre em mente que as produções locais e populares poderiam ser uma realidade, visto que mesmo os primeiros produtores de cachimbos, como já foi referido, se podiam dedicar a outras funções. O mesmo poderia ocorrer com oleiros ou artesãos de outras áreas, que quiseram produzir para si, ou como encomenda ocasional, cachimbos de barro ou outro material plástico. Porém não existem provas de que uma produção generalizada se tenha instalado em localidades mais a sul do território francês. Provavelmente estes países recorreram simplesmente à importação destas peças avulsas, preferindo ao invés investir em fábricas de tabaco manuseado (produção de charutos, cigarrilhas, rapé ou tabaco de mascar).