• Nenhum resultado encontrado

5. Os cachimbos, história e produção

5.7. Irlanda, Escócia e o País de Gales

No tempo em que o comércio e fabrico destas peças se espalha por Inglaterra, a sua proximidade a portos movimentados, repletos de marinheiros e viajantes, tornou inevitável que um fluxo de exportação deste produto fosse criado. Torna-se então estatisticamente mais provável que fossem os territórios adjacentes de Inglaterra a sofrer os primeiros impactos da exportação de cachimbos e adoção de práticas de produção. Falamos claro dos restantes territórios do Reino Unido: Irlanda, Escócia e País de Gales.

A produção de cachimbos na Irlanda parece ter sido de fraca expressão quando comparada com Inglaterra e Escócia. Os números com que nos deparados ao longo desta investigação apontam para quantitativos pouco significativos em fins do século XVII, sendo que do século seguinte as referências são ainda mais escassas. A Irlanda terá produções notórias, mas apenas no século XIX, começando a aparecer mais fábricas a partir de 1819. Alguns produtores mantiveram-se até à primeira metade do século XX. Sendo dos exemplos mais interessantes o de Knockcroghery, Roscommon County (agora República da Irlanda). A primeira menção à produção nesta localidade é de meados do século XVIII, à oficina de um Thomas Buckley, e só voltaremos a obter referências a produções de cachimbos na aldeia em 1832. Não são transmitidos nomes de fábricas ou proprietários, mas o autor desta referência, Isaac Weld, afirma que a indústria «had been located for a considerable time in the village, it having been brought there by a settler who was acquainted with the process, and from who others picked it up. At the time of his visit there were eight kilns in operation, with a somewhat smaller number of masters, employing some 24 jorneymen moulders. The average production was about 500 gross per week» (Norton,1986: 1-2). Weld continua descrevendo o tipo de cachimbos que encontrou, como modestos, de haste curta e fornilho pequeno, destinados maioritariamente ao uso em velórios. «this small pipe was known as ‘lord ha’ mercy’. The pipes were hawked through the country by pedlars, who purchased them from the makers and then re-sold them. The clay for their manufacture was obtained locally, in later times it was imported from England» (Norton,1986:1). Os dados fornecidos por Weld continuam, e exemplificamos a recusa persistente dos fabricantes em contratar mulheres para o processo, apesar de confrontados com a realidade de outras fábricas fora da Irlanda que as contratavam. Numa fase mais avançada as mulheres fariam parte das fábricas sim, mas com funções de «acabamento»

54

e «empacotamento». Knockcroghery manteve uma produção local até 1921, quando assistiu ao seu abrupto fim, na noite de 21 de junho (altura de grandes repressões a irlandeses separatistas) tendo indivíduos em carrinhas, vestidos de gabardines, entrado na aldeia, expulsando os habitantes das suas casas e incendiado o local, «reports stated that the town was still burning three days afterwards […] Knockcroghery never recovered as a pipemaking center. The village was rebuilt but the pipemakers moved into other areas of livelihood» (Norton, 1986:2-3).

Figura 6: cachimbo curto, de aspeto grosseiro, produzido em Knockroghery, Irlanda (século XIX), in Norton, 1986:3

De momento parece que os centros irlandeses se focavam mais num comércio local do que propriamente de exportação. O mesmo pode ter a ver com a turbulenta relação que o país ia tendo com a Inglaterra e a natureza das suas trocas comerciais. Arqueologicamente, alguns dados podem ser enganadores. Na verdade, são vários os cachimbos que surgem em escavações com símbolos tradicionalmente associados com a Irlanda, como harpas, trevos ou nomes de cidades, tal como «Dublin», «Cork» ou «Limerick». Estes símbolos não devem ser tomados como indicadores de proveniência, pois muitos exemplares de Glasgow incluem estes motivos, «they were simply motifs designed to appeal particularly to people from the countries whose emblems were depicted» (Walker, 1971:31). Acrescenta-se que alguns nomes de cidades moldadas nos fornilhos podem fazer referência à própria tipologia de fornilho, que em vez de número ou carimbo ficava associado aquela localidade.

55

O País de Gales é outro exemplo de produção reduzida, pouco documentado, existindo indícios anteriores ao século XVII, mas com maior expressão entre 1812 e 1850 (cerca de 6 produtores) (Hissa, 2018:74). Esta “expansão” de produção no século XIX prende- se muito com fabricantes de Bristol que se mudaram para Gales para investir nesta indústria. O primeiro produtor de Bristol em Gales surge em fins do século XVIII, mas o maior fluxo migratório é claramente referente aos anos de 1800. Não se consegue, porém, estabelecer uma relação entre os primórdios do fabrico em Gales com o novo impulso oitocentista. Há possibilidades de uma quebra na presença de fabricantes nesta região no século XVIII, que coincide igualmente com o abrandamento das produções de cachimbos no geral, voltando mais tarde a tornar-se um centro produtor. A tendência é para uma concentração no Sul do País de Gales (Cardiff, Newport, Hafod, Nantgraw, Tredegar e Merthyr Tydfil) (Evans, 1981:60). O ponto inicial parece ser Cardiff, mas, por volta dos anos 20 do século XIX, existem já instalações fora da cidade, em Hafod e Newport. Em 1840 Nantgraw torna-se o local mais importante, ultrapassando Newport e Cardiff, até ocorrer um abrandamento do mercado em 1850, retomando uma dimensão sustentável novamente a partir da década de 70 (Evans, 1981:61-62). O alvor do século XX, tal como na maior parte do mundo, parece ter ditado o fim destes focos.

Neste grupo do Reino Unido, o país que mais se destacou logo a seguir a Inglaterra, em volume de produtores e peças exportadas, foi a Escócia. O fabrico de cachimbos neste país é detetado inicialmente em Edimburgo, com William Banks, registado como produtor de cachimbos e revendedor de tabaco, que surge a primeira vez num documento de maio de 1622. Detém o monopólio da produção desde os anos 20 até a sua morte em 1659. Documentação subsequente do Parlamento parece não diferenciar olaria tradicional do fabrico de cachimbos. Apesar do monopólio de Banks, nos anos 50, surge William Young a operar com um aprendiz, bem como vários documentos relativos a presseguições a outros fabricantes que desafiavam o controlo de Banks. Alguns autores sugerem fabricantes a operar à rebelia ainda antes de 1642 (Sharp, 1984:1-3). Ao mesmo tempo Thomas Banks (filho de William Banks) assume um negócio independente do pai. Cachimbos destes fabricantes surgiram em escavações em Edimburgo e Glenochar. Eram possivelmente a mais importante família produtora de cachimbos na Escócia até meados de 1600 (Sharp, 1984:4).

Stirling teria seus fabricantes, que são normalmente identificados pelo carimbo em formato de estrela na base dos cachimbos. Já Glasgow mostra uma ascensão rápida, «in

56

the mid 17th century Glasgow was rapidly rising in importance as a trading and production center. This recieved impetus in the late 1660s when the burgh gained full rights of self-governance» (Gallegher, 2011:2-7). Mas é no século XIX que os cachimbos escoceses vão ter a sua época áurea, «the Scottish industry […] is almost entirely a 19th-century phenomenom, with Glasgow and Edinburgh being the chief production centres» (Walker, 1971:23). Entre 1810 e 1850 assiste-se a uma duplicação nos produtores, o pico sendo atingido entre 1875-85. Após estes limites cronológicos, o fabrico de cachimbos foi progressivamente desaparecendo, existindo apenas 10 unidades em 1910 (Walker, 1971:23). Até esta data foi possível uma distribuição mundial destas peças, desde a Jamaica até à Austrália.

Escavações associadas a requalificações de ruas em Sydney, em 1982-1984 por exemplo, revelaram exemplares escoceses, com os nomes de William Murrey (1830- 1861) e Alexander Coghill (1826-1904), ou um exemplar de Thomas White, de Edimburgo (1825-1870). Este último tornou-se um dos mais proeminentes produtores da região durante o século XIX, pois a qualidade dos cachimbos era famosa. Chegaram a ser feitas imitações, ligeiramente alterada, onde aparecia a marca «TW» no fornilho, ao invés do verdadeiro «TW & CO» (Gallagher, 1989:1). Outros cachimbos sem identificação de produtor, mas com a marca «Glasgow» na haste foram encontrados (Wilson & Kelly, 1987:21). Estes cachimbos são datados da segunda metade do século XIX.

É igualmente interessante notar que uma das produções mais antigas instalada no Canadá, foi fundada por um fabricante escocês, William Henderson, que se encontrava registado em Glasgow como produtor de cachimbos, na primeira metade do século XIX. Em 1846/1847, aparece referido em documentos oficiais de Montreal (Quebec) e surge com uma dívida fiscal. É descrito como: «The earliest recorded Montreal pipemaker […] William Henderson who appears to have established a pipe concern in the city in 1846. Recent genealogical research in Scotland has shown that this Montreal pipemaker was active in Glasgow prior to his emigration to Canada» (Smith, 1988: 21).

A disseminação da manufatura de cachimbos através da emigração para fora do Reino Unido não deve ser subestimada, sendo um dos fatores que se crê que contribuiu para a criação de um dos polos que seria o epitomo de qualidade, os centros holandeses.

57