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5. Os cachimbos, história e produção

5.8. Produções holandesas: o pico da qualidade

Os Países Baixos, até inícios do século XIX, estiveram na dianteira das potências marítimas, ao lado da Inglaterra, Portugal e Espanha, até à estagnação criada pelas convulsões revolucionárias e guerra com a França em finais do século XVIII. Como país com colónias ultramarinas, a Holanda criou a sua dependência do tabaco, à semelhança das potências concorrentes e, com isso, virá também a adoção do cachimbo de caulino.

Abordamos até agora, como este objecto chegou até Inglaterra e como quase automaticamente ganhou adeptos nos restantes territórios adjacentes, e como de forma subtil se foram criando centros produtores, fosse por mão de um aprendiz que voltara ao território de origem, fosse por um dono de fábrica em busca de novos mercados. A verdade é que poucos anos depois de se registarem manufaturas nos centros primordiais de Londres e Westminster, as ilhas adjacentes mostravam já que estavam ao alcance das exportações de cachimbos e tinham condições para um fabrico próprio, ainda que limitado. O mesmo ocorre com os países mais próximos do Reino Unido, e o melhor exemplo dessa influência é a Holanda. Refira-se que, aquando da expansão de produção e comércio de cachimbos em Inglaterra, a região dos Países Baixos debatia-se em conflitos com a Coroa Espanhola. De facto, a guerra pela independência holandesa duraria de 1568 até 1678. Nos finais do século XVI geram-se aproximações entre a Holanda e a Coroa Inglesa, despoletadas pelo inimigo mútuo que era Espanha. Isto vai traduzir-se no envio de unidades de combate Inglesas para os Países Baixos. (Rogers,1886:136). É possivelmente aqui que encontramos a génese dos cachimbos holandeses.

De acordo com a análise do investigador Don Duco, podemos atribuir o início de produção de cachimbos na Holanda a três hipóteses: (1) a técnica é trazida por artesãos fugidos de James I de Inglaterra, e das suas apertadas regras contra o tabaco, elemento sem o qual não justificaria o fabrico de cachimbos, (2) comerciantes e artesãos ingleses vindos para a Holanda em busca de melhores mercados e condições económicas ou (3) soldados ingleses, enviados para auxiliar na luta contra os espanhóis e que consigo trazem a técnica de produção de cachimbos e, no fim da guerra, acabam por assentar nos Países Baixos e fundar as suas fábricas. Porém, o consenso pende para que a técnica tenha sido trazida por mestres ingleses na primeira metade do século XVII. Acredita-se

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que os inícios da produção rondem os anos de 1610 a 1620, sendo que em 1640, o volume de fabrico era já comparável ao volume da produção inglesa (Wacke, 2014: 10).

«A produção de cachimbos na Holanda foi igualmente expressiva […] desde o século XVII […] Os primeiros produtores de cachimbos na Holanda eram Ingleses […] para Duco um factor que atesta essa origem inglesa do fabrico holandês de cachimbos brancos de tabaco é a utilização de palavras e termos ingleses […] kasten, wire, tremmen, glazen» (Hissa, 2018:75). Richard Le Cheminant fala em produção de cachimbos em Amsterdão já em 1607, mas os primeiros nomes de fabricantes ingleses associados a oficinas de cachimbos, são os de William Jorreson Boyseman e Thomas Lourens (Hissa, 2018:75) que operam nessa mesma cidade, e aparecem só no ano de 1611. Em pouco tempo esta novidade transmite-se a outras cidades, desde Harlem, passando por Roterdão e Leiden a Gouda. Apesar de todas as cidades com pontos de produção na Holanda, aquela que mais destaque terá, será esta última localidade. Aparentemente, também aqui os créditos pela inauguração da produção de cachimbos são atribuídos a um inglês, William Barends, que aparece referenciado em 1617 (Hissa, 2018:77).

As produções iniciais revelam uma grande qualidade, mesmo as de fabrico mais económico. À semelhança do caso inglês, a determinada altura foi necessário recorrer à criação de companhias para gerir as várias profissões e, em 1660, nasce a “Companhia de Gouda”, que irá gerir vários aspetos da profissão de fabricante de cachimbos, como idades mínimas dos aprendizes, marcas e carimbos pessoais a utilizar, preços, dimensão dos recipientes para ir ao fogo, os «saggars», para uma padronização de produção etc. Existia também, nas cidades holandesas, um processo semelhante ao que ocorria em Londres: para ter liberdade de produção e direitos de cidadão livre (como participar na assembleia local), o aspirante a fabricante teria que cumprir dois anos de trabalho como aprendiz numa oficina. Só depois era admitido pelo governo local e obtinha autorização para desempenhar funções, legitimidade de marca própria etc. (Hissa, 2018:77). Por causa das regras rígidas e qualidade do produto final, os cachimbos de Gouda tornaram- se no padrão que os outros centros tentavam copiar ou mesmo falsificar. Este é o caso de localidades vizinhas como Gröninger ou Alphenaanden Rijn. Este último local recebeu fabricantes de Gouda em 1700, fugidos das regras apertadas da Companhia e à procura de melhores condições (Meulen, 1989:17).

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Dentro das imitações podia havê-las mais baratas e de menor qualidade, ou com a qualidade de Gouda e que exibiam marcas copiadas da cidade, com apenas uma pequena diferença para não entrar em conflito com as regras da companhia local, como foi o caso de Hoogenboom, localidade que, por meados do século XVIII, conseguia exportar 1000 grosas de cachimbos por mês, em peças que carregavam uma marca semelhante ao brasão de Gouda (Meulen, 1989:17).

O pico da produção holandesa dá-se no século XVIII, quando nos deparamos já com um bom número de companhias pertencentes a várias cidades, de funcionamento semelhante, mas tendo regras menos severas que a Companhia de Gouda. Seguindo também uma evolução semelhante ao país do outro lado do canal, estas companhias vão desaparecer em 1795, devido a uma quebra na procura de cachimbos, mas nem por isso a produção holandesa desaparece, tornando-se apenas um pouco mais reduzida no século seguinte.

Ao longo de toda a história relacionada com cachimbos, a produção holandesa, vai ser considerada como a de melhor qualidade, uma das que exportou para os mais variados sítios, mas também aquela que, devido aos custos de produção, mais sofreu com a baixa nas vendas. Tentativas foram feitas para «modernizar» a oferta. Damos o exemplo dos cachimbos alusivos, com nomes de terras ou «slogans», não para consumo interno, mas especificamente para exportação, «the second half of the 19th century brought great changes for the pipemakers of Gouda. From the technical point of view their products were perfect, but fashion was changing in favour of the short stemmed pipes [Gouda era conhecida também pelos seus longos e finos cachimbos] Gouda pipemakers accepted orders from abroad for special pipes. Large orders for short pipes came particularly from Great Britain and the United States […] It is difficult to account for all the different kinds of pipes made for export from Gouda because they were not made for sale in Holland» (Duco, 1984:1). Estes cachimbos seriam então encomendados em grandes remessas a produtores holandeses, e a sua decoração figuraria algo alusivo ao local de destino, como por exemplo o nome moldado da cidade (ex: London ou Dublin) ou então frases de ordem na moda, como por exemplo «HOME RULE». Deste tipo de decoração falaremos mais à frente.

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O término da produção na Holanda dão-se como em Inglaterra, já no século XX, quando a procura por cachimbos de cerâmica cessa, as pessoas de estratos sociais comuns se viram para os cigarros ou tabaco de mascar, charutos ou para os cachimbos «Briar» ou «Meerschaum», feitos de materiais mais caros mas duráveis. A partir da primeira metade do século XX algumas produções mantêm-se, mas só de forma vestigial.

Figura 7: Mapa da Holanda e os principais centros de produção. Fonte: Duco (1987) in Hissa, 2018:76

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