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4. Enquadramento histórico do consumo de tabaco

4.5. Tabaco: toda uma economia

Como vimos, tanto em Portugal como no resto dos países que comercializavam a planta do tabaco, houve tentativas de controlo estatal e alfandegário rígido, na forma de associações, companhias, juntas ou administrações, tributações, impostos etc. O tabaco revelava-se assim um produto rentável, capaz de compensar as mais duras críticas. Eric Burns, em referência aos Países Baixos, explica mesmo que «[os mercadores holandeses] were selling tobacco so quickly and profitably that at least a few of them had a hard time keeping up with demand and counting their money» (Burns, 2007:32). O facto de se ter instalado como um vício, aliado no repúdio por parte de alguns dirigentes de estado e líderes espirituais, fez com que o produto fosse alvo de fortes taxas e tributação. O mesmo se pode confirmar perante a tributação criada por Jaime I em Inglaterra, depois deste se ter apercebido, a muito custo e com enorme perda da sua

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reputação, que era inútil tentar banir a planta. Dos produtos do novo mundo, o tabaco figurava como um dos que liderava as tabelas de exportação. «Had this Indian plant not been discovered, the whole history of some portions of America would have been far different. In the west indies three great products – Coffe, Sugar-Cane and Tobacco – have proved sources of the greatest wealth» (Billings, 1875:45). De facto, do Brasil (mais especificamente da Bahia neste exemplo) para Portugal, entre 1796 e 1811, segundo a análise apresentada por Maria Patrícia da Silva, 82% dos volumes exportados reportam apenas a 13 produtos, entre os quais figuram o tabaco e o açúcar como as mais importantes exportações (Santos, 2009:2). Em meados do século XVIII, vemos o comércio de tabaco a manter-se mais ou menos estável aquando da crise de remessas de ouro brasileiro para Portugal, sendo mesmo a «principal exportação portuguesa» (Reis, 2013:27), pouco afetada pelo panorama internacional.

Em torno do tabaco começa a criar-se toda uma base económica, que logo desde o início, era rigidamente orientada pela Coroa, na forma de contratos ou monopólio régio direto, como foi mencionado anteriormente. As remessas de tabaco passam a ser sujeitas a tributação e regulamentação, que visavam obter o maior rendimento do produto. Vejamos o exemplo do «Regimento da Junta de Administraçam do Tabaco», de 1751, em que se refere a importância do lucro do comércio de tabaco aplicado no pagamento de salários aos soldados de D. José I14. Salientamos também um privilégio interessante, o de se excluírem do serviço de soldado os filhos ou criados (na falta de filhos) dos vendedores de tabaco na província de Entre Douro e Minho15.

«Um dos Monopólios da Coroa mais lucrativos durante o século XVIII foi incontestavelmente o estanco real do tabaco em Portugal e no seu império. Então como agora, pouca pessoas conseguiram desistir do vicio do tabaco, por mais elevados que fossem os impostos sobre o tabaco […] Um moderno historiador francês calculou que, entre 1676 e 1716 a concessão to tabaco da Coroa em Portugal produzia em média mais do que quarenta vezes por cabeça a quantia proveniente do monopólio real correspondente em França, e mais do que duas vezes e meia a da concessão espanhola» (Boxer, 2001:310). Para termos uma ideia da importância das tributações feitas a este

14 OL - Regimento da Junta de Administraçam do Tabaco, 1751:13 Disponível em:

https://openlibrary.org/works/OL15867583W/Regimento_da_Junta_da_Administra%C3%A7am_do_tabaco

15 «Hey outrosi por bem, que os filhos daquelas pessoas, que tiverem tenda de tabaco na provincia de Entre-Douro , e Minho, sejão izentos de serem soldados; como também será izento o criado daquela

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género, basta mencionar que os rendimentos retirados do mesmo, eram aplicados em embaixadas, presídios e unidades de cavalaria, armazéns, soldos de pessoal de artilharia e infantaria etc (Silva,1986: 36). Contudo, a sua importância não se ficava por aqui, «uma grande quantidade de tabaco era importada para consumo no reino ou para reexportação em direcção à Europa. Todavia, a sua maior importância residia no papel que desempenhava, quer nas trocas com África, onde constituía o principal meio de pagamento dos escravos, quer no comércio com o Oriente […]. Os escravos eram comprados nas costas do golfo da Guiné ou de Angola, a troco de pólvora, armas, tecidos e bugigangas diversas, caso os navios fossem procedentes de Portugal, ou de tabaco, aguardente e mandioca, caso o tráfico fosse feito (e era-o maioritariamente) a partir do Brasil» (Serrão, 1993:98).

É claro que o tabaco teve as suas flutuações no que diz respeito à comercialização. No século XVII, era exportado para portos europeus como os de Amsterdão, Londres, Hamburgo, La Rochelle, Ruão, etc. Porém, pelos finais deste século assiste-se a um abrandamento comercial, sendo que Ingleses e Holandeses deram os passos para criarem um sistema comercial autossuficiente (estando o tabaco incluído), que levou a um fechar de portos a mercadorias de origem brasileira. Assim percebemos que o tabaco tenha descido de 260 réis em 1650, para 70 réis em 1688 (Serrão,1993:101-102). É necessário esperar pelos conflitos entre Ingleses e Holandeses, na transição do século XVII para o XVIII, para presenciarmos a uma valorização no do sistema comercial português, «O comércio externo conhece então, durante os primeiros 50 a 60 anos do século XVIII, um período de expansão acelerada […] No retorno [do Brasil] as frotas vinham carregadas de ouro e diamantes, mas também de açúcar e tabaco» (Serrão, 1993:104-105).

Muito mais tarde, o tabaco apresenta-se como uma solução viável perante as mutações económicas do século XIX e XX. É resultado disso a tentativa de cultivo de tabaco em Angola, numa expectativa de tornar a colónia numa quase perfeita cópia do Brasil, «Nos feracíssimos sertões de Angola e Benguella, não faltam léguas de um solo virgem mui superior em força productiva ás já cansadas terras da America […] As amostras do seu tabaco acabam de ser methodicamente examinadas em Lisboa […] declarando o

pessoa, que lhe vender o tabaco na tenda, não tendo filho que lho possa vender» in OL - Regimento da Junta da Administraçam do Tabaco, 1751: 15.

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excelente para confecção de rapé e charutos»16. Este apontamento, de 1846, surge numa altura de investimento apenas teórico na colónia Angolana, e resultou em fracos resultados finais. Em Angola a grande aposta recaía no algodão e na cana de açúcar. O tabaco surgia ainda como um investimento de reduzidas dimensões, apesar do solo ser propício ao cultivo da planta e da sua colocação em mercado do produto ser certa (Ferreira, 1877:6). Apesar de um investimento de tímida expressão em Angola, não faltam, como no apresenta Salles Ferreira, referências e instruções sobre o cultivo, nos boletins provinciais desde os anos de 1840 (Ferreira, 1877:12).