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A INTUIÇÃO É MERAMENTE RACIOCÍNIO RÁPIDO?

Muitas pessoas contestam que a intuição nada mais é que uma palavra romântica para um processo de raciocínio que ocorre de maneira tão rápida que não temos consciência das etapas envolvidas. Neste modelo, a mente é como um computador programado para operar em seqüências lógicas e estritas, podendo fazê-lo com uma velocidade tão incrível que percebemos apenas como um relâmpago. Muitos psicólogos aceitam esse modelo de intuição como inferência, em grande parte porque ele lhes permite desenvolver experimentos. Malcolm Westcott, cuja pesquisa iremos discutir no Capítulo 5, utilizava problemas nos quais uma série de indicações conduzia logicamente a uma única resposta correta. Uma de cada vez, as indicações eram reveladas, como A, depois C, depois E, depois G, depois I. A resposta, naturalmente, é K. Aqueles que respondiam corretamente com poucas sugestões eram considerados intuitivos.

O problema com definições derivadas da experimentação é que elas são focalizadas tão de perto que a riqueza do objeto em questão pode se perder. A intuição torna-se aquilo que é medido por um teste particular, do mesmo modo como inteligência veio a significar aquilo que é medido por testes de QI. Embora discutível, podemos conceder que resolver um problema linear com menos informações que a maioria das pessoas precisa, qualifica-se como um tipo de intuição. Mas é incorreto concluir que intuição é inferência, ou que todas as experiências intuitivas podem de algum modo ajustar-se a este modelo. Esse tipo de argumento deixa de considerar diversos pontos importantes.

Primeiro, grande parte do que a intuição faz não pode ser feita pelo raciocínio. A lógica requer fatos indubitáveis, e cada etapa tem de estar correta antes de prosseguirmos. Em situações complexas, as informações não estão sempre disponíveis. Ademais, descobertas e inovações criativas não podem ser adquiridas seguindo-se o estreito caminho linear da lógica; temos de fazer relações incomuns, associações imaginativas que não são óbvias e não se revelariam em uma seqüência Iógica. É a intuição que salta por

sobre os obstáculos das informações insuficientes, faz desvios na rota e reúne combinações insólitas, às vezes até ilógicas.

Isso não é dizer que a intuição tira respostas do nada; não é mágica. Ela trabalha com as matérias-primas da informação, mas pode trabalhar com informações que não são acessíveis conscientemente, que podem ter sido acumuladas no passado ou adquiridas por meios subliminares ou algum outro meio não sensorial. O pensamento racional tem de trabalhar com o que quer que a mente perceba naquele momento, umas das limitações que inspirou o matemático e filósofo Blaise Pascal a dizer: "A razão é o método lento e tortuoso através do qual aqueles que não conhecem a verdade descobrem-na." A intuição não sofre tais restrições; ela é o produto da capacidade da mente de fazer muitas coisas ao mesmo tempo sem que tenhamos consciência delas.

Mesmo em situações onde as informações estejam disponíveis e uma conclusão possa ser obtida com raciocínio direto, o fato disso ser feito intuitivamente representa uma visível melhoria de eficiência. Vamos ver um exemplo da ciência.

Charles Nicolle, um médico que trabalhava em Túnis durante uma epidemia de tifo, ficou intrigado com o fato de a doença estar se espalhando rapidamente pela cidade, enquanto que no hospital ela não parecia contagiosa. Um dia quando entrava no hospital, tropeçou em uma vítima do tifo que havia desmaiado. Em uma percepção instantânea, compreendeu que o tifo era transmitido por piolhos. É fácil seguirmos uma seqüência de etapas lógicas encadeadas pela visão do novo paciente: as vítimas do tifo não transmitem a doença no hospital; quando os pacientes são admitidos no hospital, são barbeados e banhados; o processo de limpeza elimina os piolhos; portanto, o piolho é o portador do tifo. Argumentar que Nicolle realmente seguiu cada uma dessas etapas no processo da sua descoberta, ou que poderia ter seguido, não é inteiramente justificável. De fato, ele a considerou como uma experiência de Heureca!, e não podemos subestimar as vantagens de ter ocorrido dessa maneira. Um computador poderia talvez ser programado para chegar à mesma hipótese, mas primeiro ele teria de seguir e avaliar uma imensa quantidade de seqüências lógicas.

Os pacientes possuem inúmeras características além de serem barbeados e banhados; barbear e banhar produzem muitos efeitos além de eliminar piolhos. Que desperdício de tempo e de energia mental se Nicolle tivesse de examinar todas as permutações possíveis!

Seguir um procedimento puramente racional não só teria sido tedioso, como também poderia resultar em muitas outras hipóteses igualmente plausíveis, cada uma das quais teria de ser avalida. De algum modo, a mente intuitiva fez as escolhas corretas e reuniu as informações apropriadas em um instante; ou talvez Nicolle apreendeu em um instante o produto de um trabalho não consciente que possuía uma história mais longa. Sua intuição também o convenceu da veracidade da teoria por meio de uma sensação interior, pois ele teve certeza daquilo desde o começo, embora demorasse depois um certo tempo para prová-Io em uma série de experimentos com macacos.

Sob essa luz, chamar intuição de "nada além de uma rápida inferência" é ridículo. Mesmo quando ela pode ser explicada como rápida inferência e seus produtos puderem ser prontamente duplicados pela razão, as vantagens de fazer o serviço intuitivamente são imensas. Talvez seria mais apropriado dizer que a razão nada mais é que intuição lenta. Escrevendo sobre filosofia, o romântico Friedrich Nietzsche expressou a questão da seguinte maneira:

Esperança e intuição dão asas a seus pés. A razão calculadora fica pesadamente para trás, procurando melhores apoios, pois a razão também aspira atingir esse sublime objetivo que sua divina camarada há muito atingiu. É como olhar dois andarilhos que param diante das corredeiras de um rio nas montanhas: um deles pula-as com leveza, usando as rochas para atravessar, embora atrás e debaixo dele elas se arremessassem nas profundezas. O outro pára desamparado; precisa primeiro construir um fundamento que conduza seus passos, pesados e cautelosos. Às vezes, isso não é possível, e então não há deus que possa ajudá-Io a atravessar.

Mais uma observação deve ser feita sobre o que a intuição pode acrescentar à racionalidade. A razão pura pode levar a uma conclusão, mas nosso entendimento e convicção poderão ser superficiais a menos que o conhecimento seja também absorvido intuitivamente. O físico sir Arlhur Eddington escreveu: "Nós possuímos dois tipos de conhecimento, que chamarei de conhecimento simbólico e conhecimento íntimo... As formas comuns de raciocínio foram desenvolvidas apenas para o conhecimento simbólico, O conhecimento íntimo não se submeterá à codificação e análise; ou, melhor, quando tentamos analisar, as relações íntimas se perdem e são substituídas por simbolismo." A distinção de Eddington poderia ser feita coloquialmente por qualquer um de nós; por exemplo, como a diferença entre mero entendimento e conhecimento real. É a diferença entre ler um livro de viagens e fazer realmente a viagem; adiciona-se como que um elemento experiendaI que eleva o conhecimento ao nível do sentimento, assim como ao do pensamento. Poderíamos, por exemplo, usar a lógica ou testes de personalidade para entender determinada pessoa, mas conhecê-Ia é uma outra questão, pois exige aquilo que os psicólogos chamam de empatia. Sugiro que, pelo menos em parte, o fator que transforma o conhecimento analítico ou simbólico em conhecimento íntimo é a intuição.

Poderíamos estudar mecânica quântica ou a teoria da relatividade suficientemente bem para memorizar fatos e passar em exames, mas os físicos dizem que num certo ponto os afortunados chegam a sentir algo por certas abstrações, a unidade de tempo e espaço, talvez, ou a natureza de onda-partícula dos elétrons, que eleva o conhecimento a um outro nível. De modo semelhante, poderíamos, através da análise ecológica, chegar a entender que todos os organismos estão inter-relacionados, mas uma sensação real da integridade e unidade da natureza envolve a compreensão superior do sentimento intuitivo, uma união experimentada entre o conhecedor e o conhecido. Essa dimensão que é adicionada é particularmente significativa quando estão implicados relacionamentos, padrões e paradoxos; a lógica se atola na

presença deles, pois requer categorias bem-definidas e depende de regras que nos forçam a pensar em termos disto ou daquilo.

A intuição pode elevar o conhecimento racional a um nível mais elevado tanto de valorização como de convicção, através de alguma combinação inefável de sensação e experiência. Henri Bergson descreveu-a como a capacidade de "penetrar" o objeto do conhecimento e conhecer sua "essência". A intuição, então, pode oferecer o tipo de conhecimento inferido na acepção bíblica de "conhecer": íntimo, experimentado, unificador e fecundo.